Por sugestão do ministro Toffoli, o TSE proíbe o Ministério Público de abrir investigações sobre crimes eleitorais. A impunidade e a corrupção saem ganhando...
Hugo Marques
O PT como se sabe é pródigo em escândalos durante campanhas eleitorais. Nos últimos anos, esteve no centro de alguns episódios rumorosos às vésperas de eleições. Num deles, que entrou para a história da crônica policial como o escândalo dos aloprados, um grupo de petistas foi pilhado tentando comprar um dossiê com falsas acusações contra o tucano José Serra, então adversário do partido na disputa pelo governo de São Paulo. Graças a um trabalho de inteligência da polícia, realizado sob sigilo, os companheiros envolvidos na trama foram pegos em plena ação, portando 1.7 milhão de reais de origem duvidosa que seriam usados para pagar o papelório fajuto. O plano era usar o material para desqualificar o candidato rival. Nas últimas eleições presidenciais, em 2010, mais um flagrante: no coração da campanha de Dilma Rousseff, petistas montaram um grupo de espionagem cuja missão era, de novo, escarafunchar a vida dos adversários. O bunker do grupo, financiado por um empresário amigo que recebia verbas do governo federal, era uma casa no Lago Sul de Brasília onde também funcionava a coordenação da então candidata petista. Para aloprados envolvidos em tramas como essas, o fator surpresa de uma eventual ação das autoridades incumbidas de zelar pelo jogo limpo nas eleições é um perigo. Mas, ao menos por ora, eles têm motivo para comemorar.
Sem alarde, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tirou da polícia e do Ministério Público o poder de abrir investigações de crimes eleitorais. A corte decidiu que, a partir de agora, todo e qualquer inquérito para apurar infrações à lei eleitoral — de denúncias de compra de votos a financiamento ilegal de campanha — terá de passar antes pelo crivo da Justiça Eleitoral. Em ano de eleições para presidente, governador, senador e deputados, a decisão pode significar uma grande contribuição à corrupção e à impunidade. Para integrantes do MP e da polícia, a exigência é um sério empecilho à tarefa de apurar os malfeitos. Primeiro, porque a necessidade de autorização judicial tira a agilidade necessária para avançar nas investigações. A coleta de provas sobre um crime em plena execução pode ficar prejudicada. Além disso, a depender do caso, o sigilo é crucial. A operação que resultou na prisão dos aloprados petistas em 2006 é exemplo disso. Não fosse o segredo, muito provavelmente a quadrilha jamais teria sido desarticulada.
Um bálsamo para aloprados e afins que gostam de burlar a lei e jogam sujo nas eleições, a decisão do TSE saiu dos escaninhos do ministro José Antonio Dias Toffoli, atual vice-presidente do tribunal. Foi Toffoli quem levou a proposta aos colegas da corte, em sessão administrativa, e conseguiu aprová-la — tudo em pouco mais de dez minutos. "A polícia e o Ministério Público não podem agir de ofício", justificou o ministro. Faltou levar em conta um detalhe: em investigações criminais em geral, policiais e promotores podem atuar sem necessidade de autorização prévia. Por que em investigações eleitorais há de ser diferente? Criminosos eleitorais têm mais direitos que os outros? É óbvio que não. "Trata-se de uma afronta à Constituição", diz o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho.
Ao defender a sua proposta inovadora (e polêmica), Toffoli fez questão de realçar a importância de os investigados terem pleno conhecimento da investigação. "O que não pode haver é investigação de gaveta, que ninguém sabe se existe ou não", afirmou o ministro, que em maio assumirá a cadeira de presidente do TSE e, como tal, será o xerife das próximas eleições, marcadas para outubro. Toffoli, como se sabe, foi advogado do PT e assessor da Casa Civil no governo Lula. Sua carreira jurídica sempre esteve intimamente ligada ao partido. Antes de ser nomeado por Lula como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), cargo que lhe garante o assento que tem hoje no TSE, ele era literalmente um petista de carteirinha — foi filiado à sigla até 2012. O empenho do ministro em criar obstáculos para o trabalho do Ministério Público está em linha com uma bandeira prioritária de seus velhos companheiros petistas. No ano passado, o PT patrocinou a famigerada PEC 37, uma proposta de emenda constitucional destinada a proibir promotores e procuradores de fazer investigações. A ofensiva contra o MP, alvo dos petistas desde que levou os mensaleiros às barras da Justiça, caiu por terra com os protestos de junho. Agora, voltou pela via judicial — e estrategicamente adequada ao figurino eleitoral, em pleno ano de eleição. Coincidência?
O procurador-geral da República. Rodrigo Janot, pediu ao TSE que reconsidere a decisão. O assunto deve voltar à pauta da corte no próximo mês, nas primeiras sessões após o recesso. Caso os ministros não voltem atrás, Janot pretende recorrer ao Supremo. Único a votar contra a proposta de Toffoli, o atual presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, disse acreditar que o colega vai reconhecer que errou e proporá a revisão da medida. "O ministro quis inovar e deu com os burros água. Vai ter de recuar. Se ele for um juiz sensível, vai reconhecer que claudicou, dar a mão à palmatória e propor ao tribunal que retire a cláusula", afirmou Marco Aurélio a VEJA. "Se o TSE insistir, o Supremo vai derrubar isso", emendou Marco Aurélio. A festa dos aloprados, felizmente, pode estar com os dias contados. Para o bem das eleições limpas.
Escândalos eleitorais
A cada eleição se renovam os escândalos, que quase sempre envolvem corrupção e põem políticos na berlinda. Em casos recentes, envolvendo diferentes partidos, o papel da polícia e do MP foi importante para identificar e responsabilizar os culpados.
Caso Lunus (2002)
A Polícia Federal apreendeu 1,3 milhão de reais na empresa Lunus, no Maranhão. O escândalo levou Roseana Sarney a desistir da candidatura à Presidência da República.
Aloprados (2006)
A Polícia Federal prendeu um grupo de petistas acusados de comprar um dossiê falso contra o tucano José Serra. Os policiais apreenderam 1,7 milhão de reais que seriam usados no negócio.
A casa da arapongagem (2010)
O PT montou um núcleo de espionagem para servir à campanha de Dilma Rousseff. O bunker do grupo era uma casa em Brasília. Alguns envolvidos no plano estão sendo processados por quebra de sigilo.
Assinaturas falsas (2013)
O MP começou a investigar assinaturas falsificadas usadas no processo de criação do partido Solidariedade, do deputado Paulinho da Força. A Polícia Federal instaurou inquérito para apurar o caso.
Fonte: Revista Veja
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