terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Almir Pazzianotto: Leis que não pegam

Rejeito a ideia de que o Congresso Nacional é inoperante. Apesar da situação quase anárquica em que funciona e do descrédito diante da opinião pública, ali se trabalha. A semana legislativa em Brasília tem duração curta: vai de terça a quinta-feira. Segunda e sexta equivalem a pontos facultativos, salvo em casos excepcionais, quando se trata de assunto de interesse do Executivo, ou diz respeito aos legisladores. A produção não é pequena diante da carga reservada, pela Constituição, ao Congresso, à Câmara dos Deputados, ao Senado.

Aos estados e municípios a Lei Superior confere competências residuais, o que explica, mas não justifica, a onerosa inoperância das assembleias legislativas e câmaras de vereadores. A vastidão das atribuições, aliada ao despreparo de alta porcentagem de membros do baixo clero — coadjuvantes e figurantes nas tragédias e comédias integrantes das pautas de trabalho — resulta em elevada quantidade de leis surrealistas e ineficazes, aprovadas com estardalhaço, mas de resultados pífios.

Vamos a exemplos. Começo pelo Estatuto do Desarmamento, imaginado por pequeno grupo de fanáticos como solução para o combate à criminalidade. O resultado da medida asnática não é desconhecido: homens de bem, pais de família, trabalhadores, proprietários rurais, entregaram ou tiveram armas de pequeno calibre e reduzida eficácia apreendidas por zelosos delegados de polícia. À margem da lei, facínoras de alta periculosidade continuam a se abastecer no mercado paralelo, onde adquirem, sem burocracia, pistolas, revólveres, rifles, carabinas, submetralhadoras, metralhadoras, dinamite, lançadores de granada.

Não bastasse o armamento tradicional, delinquentes mascarados e sem máscaras, travestidos de manifestantes, fazem uso de artefatos como rojões, morteiros, facas, barras de ferro, bastões de madeira e bombas de fabricação caseira, conhecidas como coquetéis molotov, ocultos em inocentes mochilas, com os quais atacam, ferem e matam, como ocorreu com o cinegrafista da Bandeirantes. O Estatuto do Desarmamento é resultado de fraude discutida, votada e aprovada, sem que o Poder Legislativo se apercebesse de que atuava em benefício do crime, inorganizado ou organizado, que agride pessoas, propriedades e, agora, se volta contra o Estado democrático.

A Lei Maria da Penha é outro caso de legislação ingênua, divorciada da multifacetada realidade característica do país. Talvez tenha servido para tornar público o que ocorria dentro de casa. Por ausência de polícia preventiva e eficiente, e Judiciário ágil e severo, mulheres e crianças continuam a ser vítimas de sádicos. São constantes casos das que, ao denunciarem agressões, são instruídas para retornar à casa, onde continuarão sendo espancadas e mortas.

Não poderia faltar a referência ao Estatuto do Torcedor. Nesse caso, o Legislativo ultrapassou os limites. Sonharam deputados e senadores que bastaria a letra da lei para que os estádios e campos de futebol se convertessem em santuários de meditação, escolas ou mosteiros, onde pessoas inocentes, de elevado nível educacional e cultural, iriam conviver como pacíficos expectadores de partidas de futebol, disputadas entre cavalheiros dotados de elevado senso moral e espírito desportivo.

Francamente, são raras as partidas em que vândalos, rotulados de torcidas organizadas, não entrem em confronto, antes, durante e depois do jogo, com mortos e vítimas levese graves. Para culminar, a polícia ostensiva teve a autoridade reduzida a ponto de ser praticamente suprimida. Quando agredida, sente-se impedida de reagir. Se os policiais, em nítida inferioridade numérica, se defendem, serão fotografados, filmados, gravados e terão a imagem exposta, como bando sem hierarquia e disciplina. A horda perdeu o respeito e se considera no direito de agredir civis, soldados e oficiais.

Levamos, para além de limites extremos, o direito de ir e vir e de livre manifestação. Para tudo se recorre à Constituição. O trafico de drogas é feito a céu aberto nas ruas, em nome da proteção ao usuário, visto como coitado, doente e dependente da proteção. Impotente, o policial assiste, pois recebeu instruções para não reprimir. País em que a legislação penal é leniente, a Justiça tardia e a polícia perdeu autoridade, caminha para a anarquia. Desenha-se cenário ideal para que extremistas alimentem projeto de desmoralização da democracia, como primeira etapa da tomada do poder.

Almir Pazzianotto, advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST

Fonte: Correio Braziliense

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