A oito meses da eleição presidencial, candidatos se mostram tímidos, sem propostas objetivas, realistas, mas com uma dose de sintonia com o país imaginário
Frederico se assustou com a balbúrdia: "Mãe, todo mundo está virando bruxo.” Beth, a mãe, olhou ao redor. Viu uma horda saindo do supermercado com vassouras nas mãos. Havia uma liquidação e, na agonia da superinflação (83% ao mês), a moda era ser rápido na troca do salário por comida e produtos de higiene e de limpeza.
Naquele janeiro de 24 anos atrás, investir em alimentos era mais rentável do que comprar ouro: os preços da comida subiram 218%, enquanto a valorização do metal ficou em 137%.
Frederico, personagem de Miriam Leitão no livro “Saga brasileira”, pertence ao grupo de quatro em cada dez eleitores que não viveram a ditadura, como adultos, e nem a experiência surreal do tormento inflacionário — abatido no 28 de fevereiro de 1994 com o Plano Real.
Eles são donos de 50 milhões de votos, massa decisiva num eleitorado de 138 milhões. Como demostram desde junho nas manifestações de rua, sabem onde o país travou, por que parou e os compromissos necessários ao futuro.
A oito meses da eleição, no entanto, os candidatos à Presidência se mostram tímidos, sem propostas objetivas, oscilando entre o rudimentar aceno de continuidade, a insossa promissória de uma “nova política”, o panfleto da crítica vaga e a fantasia da “negociação direta com o povo”.
Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB), Eduardo Campos (PSB) e Randolfe Rodrigues (PSOL) titubeiam, sem coragem de defender, com simplicidade, propostas realistas e com uma dose de sintonia com o país imaginário, onde a democracia se organiza sobre alguma convergência entre liberalismo e a utopia igualitária.
Esse acanhamento sugere lideranças vacilantes, temerosas em ousar naquilo que é relevante para o eleitorado, cujo fastio com o modo de governar e de legislar é reafirmado a cada nova pesquisa de opinião. Poderiam se ajudar passeando os olhos pela recente pesquisa “Retratos da Sociedade”, do Ibope/CNI.
Ela contém importante massa de informações. Foram entrevistados 15.414 eleitores (48% homens, 52% mulheres) em 727 municípios, entre o último 23 de novembro e 2 de dezembro. Os resultados estão disponíveis na internet.
Ali fica claro que a ampla maioria (58%) do eleitorado considera a saúde pública o maior problema brasileiro. Afirma-se isso com tal ênfase que outras agruras do cotidiano ficam em distante segundo plano: violência (39%), drogas (33%), educação (31%) e corrupção (27%).
A sensibilidade varia, conforme a aflição comunitária. A inépcia do sistema de saúde pública é criticada com vigor no Rio Grande do Norte (73%), Distrito Federal (72%), Mato Grosso do Sul e Pará (70%). Reprovação acima da média também ocorre em Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Amapá, Mato Grosso, Espírito Santo, Ceará, Goiás, Bahia, Alagoas e São Paulo.
Deficiências na educação são mais criticadas em Sergipe (44%), Rio (41%), Bahia (39%), Rio Grande do Norte ( 36%) e Alagoas (34%).
A percepção do avanço da corrupção tem realce em Santa Catarina (41%), Paraná (36%), Roraima (35%), Rio Grande do Sul (33%) e Amazonas (32%). E também no Rio, Acre, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Maranhão (com 30%).
Esse sumário de infortúnios pode ser útil para fomentar ideias, mercadoria escassa na disputa presidencial de um país que tem 30 partidos políticos, a maioria empenhada em garantir um naco dos orçamentos de 39 ministérios.
Fonte: O Globo
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