sábado, 20 de setembro de 2014

Alberto Carlos Almeida: Marina Silva perde terreno

- Valor Econômico – Eu & Fim de Semana

Há duas semanas, o favoritismo de Marina era bem maior. A perda de terreno nas intenções de voto não é o principal indicador de que Marina é hoje menos favorita do que foi. A perda de votos é, antes de tudo, consequência de acontecimentos de campanha que acabaram por deixá-la em posição menos confortável.

O fenômeno Marina pode ser explicado por três fatores combinados: o maior conhecimento de seu nome por parte do eleitorado, o fato de ela ocupar o terreno do voto de oposição e características que a aproximam da imagem de Lula. Note-se que esses três elementos dizem respeito à opinião pública, ao eleitorado. São as visões que o eleitorado tem de Marina.

No Brasil, o nível de conhecimento do candidato é uma formidável barreira ao sucesso eleitoral. Convencionou-se denominar isso, como se nossa língua não tivesse uma palavra adequada, de "recall". É muito comum que os políticos, quando se trata de serem eleitos para o Poder Executivo, disputem mais de um pleito. O processo eleitoral é caracterizado por um curto e intenso período de comunicação. Graças a isso, alguém que não é muito conhecido no início da campanha pode se tornar bem mais conhecido em seu final. Lula é o exemplo clássico. Disputou três eleições antes de vencer a quarta. A cada eleição que disputava, Lula se tornava mais conhecido do eleitorado.

Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, não há primárias no Brasil. O processo de escolha do candidato em eleições primárias faz com que seu nome se torne conhecido pela maior parte do eleitorado. Assim, quando um candidato democrata e outro republicano iniciam a corrida para a Casa Branca, devidamente escolhidos por seus partidos, ambos têm o mesmo nível de conhecimento. É como se dois atletas fossem correr os 100 metros rasos e os dois partissem da mesma linha de largada.

Na corrida eleitoral de 100 metros, Marina largou na frente de Aécio pelo simples fato de ter disputado a eleição de 2010. Ao colocar seu nome nacionalmente, há quatro anos, ela largou com cinco pontos percentuais de vantagem sobre Aécio, em termos de nível de conhecimento, assim que Eduardo Campos morreu. Parece uma vantagem pequena, mas não é. Considerando-se os seis meses que antecederam o acidente aéreo que vitimou Campos, Marina pouco havia aparecido na mídia nacional. Ainda assim, ela se manteve mais conhecida do que Aécio, que estava nos mesmos seis meses em plena campanha eleitoral. Apenas isso era suficiente para que Marina tivesse mais votos do que Aécio, como acabou sendo demonstrado pelas pesquisas.

No momento, o nível de conhecimento de Marina é pelo menos 10 pontos percentuais maior que o de Aécio. Isso praticamente soterra as esperanças do candidato do PSDB de ultrapassar Marina. Fica evidente que foi um grande erro o PSDB ter lançado Serra candidato a presidente em 2010. Aquela eleição, e o PSDB sabia disso, caminhava para ser ganha pela candidata de Lula. Estando isso claro, o melhor teria sido lançar Aécio em 2010, para que em 2014 o nome dele fosse nacionalmente conhecido. Como Serra foi candidato em 2010 e Aécio é o candidato de 2104, ficou aberto o caminho para Marina, que veio a ser candidata nas duas eleições. O PSDB foi punido por uma decisão tecnicamente equivocada, quando se considera a lógica da opinião pública.

Outro fator relevante para o sucesso de Marina é que ela atrai o voto de oposição. Por definição, só há um candidato governista, ao passo que podem existir vários candidatos de oposição. O eleitor sabe que Dilma representa o governo e que, portanto, todos os demais candidatos são contrários ao governo. Assim, aqueles que querem mudança dirigem sua atenção majoritariamente para Marina e Aécio. Como Marina sempre teve "recall" mais alto que o de Aécio, ela acaba conquistando imediatamente mais eleitores de oposição que ele. Dito de maneira talvez mais clara: para o eleitor, Marina é mais de oposição do que Aécio. Não importa que ela tenha feito a maior parte da carreira política no PT. Importa é que, hoje, na visão dos eleitores, representa a mudança em face do governo Dilma. A combinação entre "recall" mais elevado que o de Aécio e o voto de oposição faz com que Marina ocupe em definitivo o terreno que seria do candidato do PSDB.

O terceiro fator para o sucesso de Marina é o que denominamos de "Lula de saias" na coluna do dia 22 de agosto. De fato, a imagem de Marina, junto aos eleitores, é muito semelhante à de Lula. É por essa razão específica que Marina pode ser considerada o "Lula de saias". Os eleitores afirmam que as principais características pessoais de Lula e Marina são as de serem "gente como a gente" e entenderem "o problema dos pobres". Isso permite que Marina conquiste eleitores mais próximos de Dilma e do PT. O mais interessante é que Marina não vem se utilizando disso na campanha. Ela fez pouco uso, até agora, de sua trajetória política e pessoal, tampouco conectou isso com suas propostas de governo. Apesar de ter junto ao eleitorado a imagem de "Lula de saias", sua campanha vem posicionando-a mais como uma peessedebista repaginada. Marina não se utiliza de seu principal capital de imagem, e isso vem resultando na perda de favoritismo.

Além do enorme tempo de propaganda, muito maior que o de seus oponentes, a campanha de Dilma tem levado ao ar programas de rádio e TV primorosos, irretocáveis, tanto na forma quanto no conteúdo. Por isso, no primeiro mês de propaganda eleitoral gratuita, a avaliação positiva do governo melhorou: a soma de "ótimo" e "bom" aumentou algo em torno de cinco pontos percentuais. A melhoria da avaliação do governo é algo que Marina e sua campanha não controlam. Não é possível afirmar se o "ótimo" e o "bom" de Dilma continuarão aumentando. O fato é que isso dificulta a vida de Marina: quanto mais eleitores avaliam positivamente o governo, maiores as chances de crescimento de Dilma.

A melhoria da avaliação de governo não é algo trivial. Em 1998, graças à propaganda eleitoral, Fernando Henrique melhorou em cinco pontos percentuais a avaliação de "ótimo" e "bom" de seu governo. Lula conseguiu uma melhora de nove pontos percentuais em 2006, ano de sua reeleição.

Nas eleições para governador, ocorre de tudo. Há aqueles que melhoram a avaliação de seus governos e há os que não conseguem fazer isso. São raras as melhorias de avaliação muito acentuadas. Isso acontece quando o governador é pouco conhecido do eleitorado, quando disputa sua primeira eleição. Foi o caso de Anastasia em Minas Gerais e o de Pezão nesta eleição no Rio de Janeiro (como também de Gilberto Kassab, no Município de São Paulo).

Governantes que assumem no meio do mandato, que eram vices e acabam se tornando conhecidos no decorrer do processo eleitoral no qual disputam sua reeleição têm mais espaço para melhorarem sua avaliação do que aqueles que já foram votados quatro anos antes. Não significa que Dilma não possa melhorar ainda mais a avaliação de seu governo, mas isso não tem sido a regra. Pode-se argumentar que eleições para governador têm lógica diferente das eleições para presidente. É verdade. Mas é o que temos para analisar o que acontece no Brasil.

O que parecia se constituir em uma vitória bastante provável de Marina, deixou de ser. A eleição presidencial assumiu contornos de disputa acirrada. A trajetória de Marina em muito se assemelha ao Cruzeiro no campeonato brasileiro. Até pouco tempo atrás, sua vantagem sobre o segundo colocado era bem confortável. Caiu bastante, porém, e hoje é de somente quatro pontos. O time mineiro, assim como Marina, dependia e continua dependendo de seus próprios resultados. Há duas semanas, os erros e falhas da defesa não colocavam em risco suas respectivas lideranças. Não é o que acontece hoje.


Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".

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