quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Celso Ming - Não há o que esconder

- O Estado de S. Paulo

O governo Dilma saiu do armário fiscal. Reconheceu que fracassou no cumprimento das metas das contas públicas deste ano, correspondente a um superávit primário de 1,9% do PIB (cerca de R$ 100 bilhões destinados ao pagamento da dívida pública).

Na prática, encaminhou para o Congresso projeto de lei que altera o artigo 3.º da Lei Orçamentária de 2014, a que chamou de flexibilização da meta. A lei a ser revogada agora permitia um abatimento do resultado das contas públicas de um volume de até R$ 67 bilhões, correspondente a investimentos do PAC. O novo projeto acrescenta a esses R$ 67 bilhões o total da renúncia fiscal com as desonerações (redução de contribuições e impostos), que poderá chegar aos R$ 105 bilhões. Além disso, não assume eventuais déficits dos Estados e municípios. Ou seja, se o rombo fiscal (e não mais o superávit) for de R$ 72 bilhões, fica tudo como se a meta fiscal de R$ 100 bilhões – positivos – ficasse plenamente cumprida.

Há duas semanas, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, conhecido pelas mandracarias contábeis, ainda tentava justificar o déficit acumulado até setembro, de R$ 15,3 bilhões. Ele dizia que, nas semanas finais de 2014, ainda aconteceriam coisas que garantiriam o pleno cumprimento da meta. Agora se vê que, desta vez, Augustin foi sincero. As coisas novas são esse projeto de lei…

Uma das observações ainda ontem manifestadas por analistas foi a de que a novidade empurrará o País para a perda do grau de investimento. Não é bem assim. Se esse rebaixamento vier, não foi porque o governo Dilma reconheceu agora o não cumprimento da meta original, mas porque a política fiscal foi desastrada e gerou efeitos tão duradouros que aumentam inexoravelmente o risco de calote na dívida.

Para efeito prático, duas coisas acontecem agora se o Congresso aprovar essa lei: primeira, a má gestão das contas públicas agora escrachada fica sem as punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal; e, segunda, desde que qualquer resultado de 2014 passe a ser aceitável, não há mais o que esconder.

Ou seja, perdem sentido os truques contábeis destinados a manter aparências. Também podem acabar as chamadas pedaladas, manobras destinadas a empurrar temporariamente para os bancos estatais (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) o pagamento de determinadas contas públicas, a serem ressarcidas só nos meses seguintes. E espera-se, também, que esqueletos fiscais sejam exumados de baús e paredes falsas.

Houve quem comemorasse a novidade como resultado da transparência fiscal, como se no setor público nem sempre fosse necessário garantir transparência. Em todo o caso, é possível extrair desse novo passo um ponto, digamos, positivo. Se é para resgatar a credibilidade perdida, é preciso, antes, tanto reconhecer os erros de gestão quanto expor com clareza as verdadeiras condições das contas públicas.

Falta saber o que os senhores congressistas vão agora cobrar para, em troca, aprovar a nova anistia para o governo Dilma. E o que será feito para que o desastre não se repita.

Então, fica assim. Primeiro, o governo se compromete a cumprir em 2014 uma meta fiscal de 2,1% do PIB, como aconteceu no fim de 2013. Depois, descobre que as metas eleitorais não se casam com as metas fiscais. O passo seguinte foi reduzir a meta fiscal para caber na meta eleitoral. Mas, ainda assim, não deu… Agora, é chamar o Congresso para dizer amém e arrumar tudo. Nada impede que o mecanismo se repita ano após ano.

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