Presidente da Câmara fala também sobre a reforma ministerial e as discussões sobre o Marco Civil da Internet
Luiza Damé – O Globo
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) afirma que decisão sobre sua candidatura ao governo do Rio Grande do Norte é do partido Ailton de Freitas/ Agência O Globo
BRASÍLIA - Em um momento de dificuldades na articulação política do Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), defendeu maior protagonismo do vice-presidente da República, Michel Temer, na interlocução com o Congresso.
Em entrevista ao GLOBO, o deputado disse que o governo Dilma Rousseff não poderia abrir mão da experiência de Temer no parlamento e deveria evitar convocá-lo apenas para "apagar incêndios". O presidente da Câmara afirmou que Temer, com a experiência de ter passado pela liderança do PMDB e pela presidência da Câmara (que presidiu por três vezes), além de ter assumido interinamente a Presidência da República, conhece bem o Congresso e transita na base e nos partidos de oposição.
Na semana passada, os problemas de coordenação política ficaram evidentes na discussão do Marco Civil da Internet, cuja votação foi adiada para esta semana, por pressão de setores da base aliada, incluindo o PMDB, sob a liderança do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Henrique evitou críticas diretas à atuação da ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, responsável pela articulação com a base aliada.
Para o presidente da Câmara, além das questões próprias de um tema com interesses diversos, pesou para a reação do PMDB, a reforma ministerial feita pela por Dilma Rousseff, que, na avaliação dele, foi mal conduzida. Henrique afirmou que a reforma provocou um clima de radicalização na bancada do PMDB, acirrado pela "tensão eleitoral".
O presidente da Câmara deixou claro seu desejo de que o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) renuncie ao mandato e evite a exposição da Casa. O parlamentar foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por trocar cirurgias de esterilização por votos e teve a prisão decretada. A Câmara terá de abrir processo de cassação do seu mandato.
Confira a íntegra da entrevista:
A articulação do governo comandada pela ministra Ideli Salvatti acirrou a rebelião ao tentar atropelar os líderes e o presidente da Câmara, insistindo na votação do Marco Civil da Internet sem acordo, na última semana?
Veja bem. O marco civil, todos querem votar pela importância do tema. Seja aqui ou fora daqui. É uma pressão muito grande. É o assunto do momento no Brasil e no mundo inteiro. Todos querem votar. O problema é a forma de votar: o que votar consensualmente, o que ir para a disputa no voto. Com a visão que tenho de presidente da Câmara e por conversar com todos os partidos e com os parlamentares individualmente, eu tenho a exata noção e o sentimento que o governo às vezes não tem do quadro, da realidade do plenário. Eu sabia que, se não amadurecesse melhor e se não se discutisse melhor, correia o risco de não se ter maioria nem de um lado nem do outro. Havia uma insegurança dos que queriam aprovar e dos que queriam derrotar. Esse é um tema que a Casa de aprovar por consenso. Todos os itens tem de ser esclarecidos para que se construa uma consciência muito sólida pela importância da Internet e toda a sua liberdade. Eu tinha uma informação que o governo não tinha. Só que o governo tem um diálogo muito estreito na Câmara, conhece muito pouco a realidade, apesar dos esforços do líder do governo, Arlindo Chinaglia. Mas ele tem um diálogo setorial com a base. Eu, por ser presidente da Câmara, tenho diálogo com a base e com a oposição e até com os indiferentes. Eu sabia que não estava maduro para votar, mas o governo queria votar. Eu tenho muito mais razão para votar do que o governo, porque essa matéria está na pauta desde outubro. Quem tinha mais pressa para tirar da frente, era eu, porque a Câmara está sem legislar sobre várias matérias de interesse da sociedade, mas não podíamos votar porque o marco civil estava trancando a pauta. Eu não queria expor a Câmara a uma obstrução. Ou chegar lá, ter uma insegurança e uma radicalização. Após a reunião de líderes e com o ministro (José Eduardo) Cardozo (Justiça) e a ministra Ideli, o governo recuou no diálogo, os que queriam avançar avançaram, e estamos com um texto praticamente consensual para votarmos nesta terça-feira.
O senhor acha que a negociação pode avançar sobre a neutralidade de rede, já que o líder Eduardo Cunha já disse que só a retirada da palavra "decreto" não satisfaz parte da bancada do PMDB?
Com certeza avançará, sim. Eu tenho conversado com o líder do PMDB, que conhece muito esse assunto, se preparou para esse debate, mas respeita a posição da sua bancada. Eu tenho certeza de que a importância do texto, a sua discussão e a sua aprovação vão ensejar de todos uma colaboração mútua, uma redação que adeque e que possamos aprovar na terça-feira à noite, eu te asseguro, o Marco Civil da Internet.
A discussão do Marco no meio da disputa eleitoral e a rebelião da base dificulta a aprovação?
Em algum momento, não tem como negar, criou-se um clima de enfrentamento e de certo radicalismo, eu diria, onde todos erraram. Eu acho que reconhecer excessos e equívocos não diminui ninguém. É preciso ter consciência e procurar o entendimento, a adequação. Então, a questão radicalizou muito em relação ao PMDB, por um início de reforma ministerial que foi mal conduzida, em que a bancada do PMDB não agiu, mas reagiu, e a partir daí foram declarações em tom mais elevado de um lado e do outro, próprias de um ano eleitoral, da tensão eleitoral e das dificuldades entre os partidos, muito normal neste período. Quem tem experiência, como eu, de 42 anos de parlamento, sabe que isso acontece, mas depois vem o bom-senso e predomina a responsabilidade. O Legislativo não pode ser palco de confronto, mas deve ser a Casa do entendimento, do convencimento e do respeito. Acho que este momento está chegando. O governo se conscientizou de que possa ter exagerado na sua reação. Eu acho que o PMDB, em declarações, possa ter radicalizado nesse processo. Como o Poder Legislativo é a Casa do diálogo e do entendimento, eu acho que vai prevalecer, tanto no PMDB, mesmo nos partidos de oposição e necessariamente no governo, o clima do entendimento e da responsabilidade, como a Casa exige. O povo brasileiro cobra do Legislativo maturidade, responsabilidade e nível alto internamente.
O PT não esconde que pretende eleger as maiores bancadas na Câmara e no Senado, para ter o comando das duas casas em um eventual segundo mandato da presidente Dilma. Esse projeto hegemonista não é um risco à democracia?
Eu não sei se esse é o projeto de todo o PT. Pode ser de parte do PT. Mas, se isso se confirmar, é um grande equívoco. O Brasil não tem essa formação hegemônica, de dar esse poder nem a um nem a outro, qualquer que seja o partido. O Brasil sempre foi multipartidário, sempre com discussão muito ampla, com alternância de poder. O país não tem característica de hegemonia de quem quer que seja. Eu acho que essa pretensão equivocada. Por outro lado, é natural que os partidos queiram crescer. Aí está um ponto grave na aliança PT e PMDB. O PMDB, na eleição de 2010 - que elegeu a Dilma e o Michel -, entrou com muita visibilidade na ação administrativa, na ação política. Nós tínhamos o Ministério da Saúde, da Integração, das Comunicações, que davam ao partido uma visibilidade, mostrando sua participação na administração, sua presença no governo, o que naturalmente rendeu frutos para ajudar a eleger bancada na Câmara e no Senado. Na nova eleição, onde o PMDB tem um diminuto Ministério do Turismo - estou falando da Câmara, que eu conheço e me responsabilizo -, com orçamento reduzido, e da Agricultura, que foi muito reduzido pelos poderes do Ministério da Reforma Agrária (Ministério do Desenvolvimento Agrário). Tem um exemplo clássico, implementos agrícolas - a palavra está dizendo implementos agrícolas, para serem usados na agricultura - não são entregues ao povo brasileiro, às lideranças municipais pelo Ministério da Agricultura. São entregues pelo Ministério da Reforma Agrária, o que mostra uma distorção na intenção. Então isso dá ao PMDB hoje, do ponto de vista da visibilidade administrativa e da sua influência no governo, que bem avaliado renderia frutos para as bancadas que apoiam, sobretudo à do PMDB que é a segunda maior na Câmara, uma posição muito prejudicada. Então, a bancada reage. Aí qual é a solução na reação? É a bancada crescer pela sua ação no parlamento: os projetos que vota, o voto que dá, o discurso que faz, a votação que ganha.
Mas e a bancada como fica?
Por isso, queremos votar coisas importantes. Se não temos ação administrativa como mereceríamos e gostaríamos, porque já tivemos no governo Lula, a gente quer, através da ação parlamentar, esse espaço de visibilidade, para cada um chegar ao seu estado e dizer "eu fiz isto", "eu fiz aquilo", "eu aprovei aquilo", "eu votei aquilo". Isso é natural. O partido quer manter ou crescer a sua bancada. Não é um confronto com o PT, que no governo tem 17 ministérios. E não é só quantidade, não. É a qualidade deles: Saúde, Educação, Planejamento, Assistência Social (Desenvolvimento Social), Fazenda e por aí vai.
Tudo bem, assim foi feito, e o partido aceitou esse tempo todo, não é hora de chegar e fazer disso um cabo de guerra, mas estou explicando por que o PMDB, a sua bancada - que é a vitrine do PMDB, uma bancada de 72 deputados - quer ter essa exposição, essa participação. A bancada diz muito - e eu assino embaixo: nós queremos votar na Dilma, mas voltar também com ela, ter uma bancada forte, importante, significativa. Então esse confronto existe. Na hora em que a presidente se postar como magistrada nessa disputa, equilibrando - e não é só com o PMDB, mas com os demais partidos da base também - e entender que o seu governo tem de ser, senão igual, não tão desigual, para atender o PMDB, atender o PR, o PP, o PTB, enfim, os partidos da base e equilibrar um pouco esse pretexto e essa razão de os outros partidos estarem em guerra com o PT.
Eu acho que, com bom senso e equilíbrio, pode resolver. No que depender de mim, eu vou ajudar, porque eu quero a reeleição da presidente Dilma e do vice Michel. Essa é a minha posição. Eu falo, não como presidente da Câmara, mas como peemedebista do Rio Grande do Norte, onde eu presido o partido. O meu estado tem muitas razões para ter votado em Lula, antes, e agora votar em Dilma, de novo.
Mas o PMDB tem o vice Michel Temer...
Eu não consigo entender: o governo tem dentro dele e a poucos metros de distância do gabinete da presidente, uma liderança que foi líder do PMDB, três vezes presidente da República, que é Michel Temer, que tem o respeito de toda a Casa, que tem diálogo não só com o PMDB, mas com todos os partidos da base e da oposição, e eu lamento muito que esse Michel Temer, que o Congresso conhece, e o Brasil respeita, só seja chamado muitas vezes para apagar incêndios, em cima da hora, quando poderia ser uma ponte permanente de construção de diálogo entre o nosso governo e o parlamento, que só quer isso, é diálogo, é respeito, é o convencimento e não o enfrentamento. Eu lamento muito que um homem da qualidade do Michel Temer não esteja sendo melhor utilizado. Em horas críticas, difíceis, naturais no embate no Legislativo de temas que às vezes agradam ou desagradam o Executivo, você tem um interlocutor de mão cheia, como se diz aqui no Nordeste, que poderia dar muito maior e melhor contribuição a este processo que estamos vivendo aí, independente de ser ano eleitoral ou não. Gostaria de deixar este registro aqui, uma lembrança ou advertência ao governo, de que o Michel poderia ser um parceiro muito mais eficiente, muito mais próximo de construir soluções do que de apagar incêndios.
O Supremo determinou a prisão do deputado Asdrúbal Bentes. Mas a Câmara terá que cumprir um rito de mandar para a CCJ e votar no plenário, que acaba expondo a Casa. Como encaminhar isso de forma célere para reduzir esse desgaste?
Nós temos uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do Senado, que já foi aprovada na comissão especial, e eu pretendo levar ao plenário, que encerra esse questionamento lá no Judiciário. Casos assim, com condenação judicial transitada em julgado, já tenham a decisão de perda do mandato na decisão do Judiciário, evitando todo esse procedimento na Câmara. Enquanto isso não acontece, a Câmara já teve um avanço que é votar com voto aberto, tornando explícita portanto a posição do parlamentar. Já é um meio caminho. Você consertou um pouco aquela coisa que aconteceu lá atrás, com o deputado Donadon, que, no voto secreto, promoveu uma gravíssima distorção. Agora com o voto aberto, cada um assume. Foi um avanço. De qualquer maneira, é sempre constrangedor. Eu vou me portar como sempre me portei, de maneira isenta, cumprindo o regimento. O processo chegando à Câmara, ainda não chegou, eu convocar a Mesa Diretora, iniciar o processo. Até lá, o deputado terá tempo de pensar, consultar os amigos, seus aliados, seus familiares, qual o será o melhor procedimento - se vai adiante ou se, a exemplo de outros, evita a via crucis, certa ou errada, justa ou injusta, e renuncia ao mandato. Não sei. Essa é uma decisão de fôro íntimo. Terça-feira, eu vou aguardar, assim que as coisas cheguem à Presidência, para iniciar o processo, lamentando muito, mas vamos cumprir nosso dever regimental.
O senhor já decidiu seu futuro político? Será candidato ao governo do Rio Grande do Norte?
Eu tenho 11 mandatos na Câmara. Esta Casa é a minha vida, meu patrimônio de vida, é um trabalho que faço com muita alegria, com muita hora e muita emoção. Eu iria naturalmente para uma possível reeleição de deputado federal e quem sabe até poder sonhar com uma possível reeleição, se mantivermos o rodízio com o PT na Câmara, que prevaleceu nas últimas duas legislaturas. A prevalecer essa questão das bancadas se revezarem, eu poderia sonhar, quem sabe numa negociação com o PT, com uma reeleição, o que me honraria muito e seria muito importante para o meu estado essa presença nacional. Aqui no meu estado tem uma convocação forte do meu partido e do estado mesmo para que eu seja candidato a governador. Quem tem 11 mandatos recebidos do povo do Rio Grande do Norte, 11 mandatos recebidos do seu partido não pode, em uma hora desta, se for essa a posição, recusar. Eu não poderei recusar. Então, na próxima sexta-feira, o partido vai se reunir com outros partidos, e vamos decidir. Se houver essa convocação do Rio Grande do Norte e do meu partido, com muita honra, eu aceitarei essa convocação e estarei à disposição para disputar, de maneira democrática, conversando com todos os partidos, porque a situação do estado está muito difícil, num desgaste muito grande, muita falta de credibilidade administrativa. O estado tem de se reerguer. Se eu puder colaborar com a minha experiência, eu não me furtaria. Mas vamos tomar essa decisão sexta-feira.
Quem é seu candidato a presidente da Câmara? O deputado Eduardo Cunha?
É um assunto que tem de ser tratado após as eleições. Se eu for para a reeleição de deputado, esperar a eleição, o tamanho das bancadas e de maneira muito leal ao partido que for o primeiro, o PMDB ou o PT, discutir a estratégia do rodízio, que foi boa para a Casa. Revezar as duas bancadas, porque democratizou o espaço administrativo e político da Câmara. Primeiro, aguardar a eleição, o tamanho das bancadas e, se for o caso, mantendo-se o rodízio, o PMDB poderia tentar, se não for o meu nome, eu não estando aí, uma alternativa do partido. Acho que entrar nessa chuva agora não seria um bom caminho. É melhor guardar e ter o nome certo para decidir essa questão.
O senhor participará da solenidade de devolução dos mandatos de deputados cassados pela ditadura, na Assembleia do Rio. Qual a importância desse ato para a democracia brasileira?
É um momento histórico para mostrar à nossa juventude que pessoas injustiçadamente punidas foram em um erro cometido pelo processo revolucionário. É bom sempre ressaltar o valor que elas defenderam da liberdade e da democracia. É bom reviver essa história e mostrar a importância da democracia, da liberdade e da cidadania. Muitos se expuseram, correram riscos e foram cassados, torturados e assassinados em prol de uma luta pela liberdade. É bom esses valores serem relembrados.