quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Opinião do dia - Roberto DaMatta

Não há como obter democracia negando aquilo que é a própria democracia: o direito de discordar. Suprima-se esse princípio e você inventa, em nome da ordem, a subversão e a traição.

Não há como não concordar com FHC que o Brasil perdeu o rumo. E, num sistema sem rumo, nem o capitalismo que promoveria o fim do mundo termina; e seria impossível conceber uma nova utopia com um comissariado desonesto. Aliás, com esse elo estrutural entre política e roubalheira, não dá nem para nomear um ministério.

Roberto DaMatta é antropólogo. Precisamos ser investigados! O Globo, 24 de dezembro de 2014.

Petrobrás terá ex-ministra do STF e ex-Siemens em comitê de investigação

• Com a imagem da empresa desgastada pelas denúncias de corrupção, conselho aprova criação de grupo para garantir êxito de auditoria interna independente e busca expertise de alemão responsável por caso internacional de ajuste de conduta

Fernanda Nunes - O Estado de S. Paulo

RIO - A Petrobrás recorreu a dois juristas - uma brasileira e outro estrangeiro - para tentar reverter a crise de imagem que enfrenta desde as denúncias de corrupção, investigadas pela Polícia Federal na Operação Lava Jato. A estatal terá um comitê para acompanhar as investigações internas, formado pela ex-ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie e pelo alemão Andreas Pohlmann, responsável pela área de controle interno da Siemens após denúncias de pagamento de propina.

A formação desse comitê foi aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobrás, na terça-feira. Pohlmann e Ellen Gracie vão atuar ao lado do futuro diretor de Governança Corporativa, cuja criação foi decidida após o escândalo da Operação Lava Jato e cujo titular ainda será definido pela Petrobrás.

O comitê especial vai acompanhar as investigações de dois escritórios de advocacia contratados para avaliar o tamanho do rombo que superfaturamentos de projetos causaram no patrimônio da petroleira. O trio também var intermediar o diálogo dos escritórios com o Conselho de Administração. Eles ainda atuarão para que as ações propostas pelo Trench, Rossi e Watanabe (do Brasil) e do Gibson, Dunn & Crutcher (dos Estados Unidos) sejam plenamente cumpridas pelos empregados da estatal e para que os profissionais tenham livre acesso às instâncias necessárias às investigações, incluindo autoridades públicas.

Expertise. A Petrobrás conta com a expertise de Pohlmann, reconhecido por liderar de 2007 a 2010 a equipe de trabalho incumbida de reverter a imagem negativa da Siemens após a descoberta de que funcionários pagaram propinas para garantir contratos em diferentes países. O caso tornou-se uma referência mundial em ajuste de conduta de uma multinacional.

No Brasil, a alemã admitiu ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, ter participado de cartel para fraudar cinco licitações na construção de trens e metrôs em São Paulo e outra no Distrito Federal, no período de 1998 a 2008.

Com a evidência desse e de outros casos de corrupção cometidos por seus funcionários, a Siemens iniciou um extenso programa com novas políticas, procedimentos e mecanismos para reprimir práticas ilícitas e investigar episódios passados. De todo o esforço empreendido, quase a totalidade esteve focado na prevenção à corrupção.

O núcleo do trabalho está no canal de denúncia da empresa e em uma série de procedimentos para estimular os funcionários a procurarem a equipe de governança corporativa.

Ellen Gracie, por sua vez, foi a primeira mulher a integrar o Supremo, indicada por Fernando Henrique Cardoso. Ficou na corte de 2000 a 2011. Sua carreira é marcada pelo estilo “linha dura” no rigor penal e por se posicionar contra o que chama de “denuncismo irresponsável” em casos de corrupção. “Muitas vezes fazemos ataques sérios a instituições sem comprovar aquilo que se fala. Isso me preocupa”, afirmou em seminário de 2011.

Após deixar o STF, Ellen foi integrante do conselho de administração da petroleira do empresário Eike Batista, a OGX. Ao lado de outros conselheiros, foi denunciada pelo Ministério Público Federal por supostos crimes contra o sistema financeiro nacional. A acusação é de que o grupo teria contribuído com Eike a manipular o mercado, por não terem ido a público revelar que o empresário havia se negado a injetar US$ 1 bilhão na empresa, como prometido.

Em ano eleitoral, Dilma fez 25% mais viagens que em 2013

• Em 4 anos, foram 235 deslocamentos nacionais, a maioria pelo Sudeste

Luiza Damé – O Globo

BRASÍLIA - Ao longo de quatro anos de governo, a presidente Dilma Rousseff fez 235 viagens nacionais, entre elas 56 visitas oficiais a São Paulo, outras 40 ao Rio e mais 29 a Minas Gerais, mas não esteve em Roraima. Ao Mato Grosso do Sul, Amapá e Acre, a presidente foi apenas uma vez, desde que assumiu o Palácio do Planalto. Os roteiros pelo país afora para lançar programas, inaugurar obras, participar de formaturas do Pronatec e entregar máquinas agrícolas ou unidades do Minha Casa Minha Vida aumentaram 25% neste ano eleitoral, em relação a 2013. Foram, ao todo, 80 viagens.

No ano passado, o número de viagens já era maior do que na primeira metade do mandato. Foram 64 viagens nacionais, boa parte após as manifestações de junho. O número era superior às 41 viagens de 2012.

Em 2011, Dilma fez 50 viagens nacionais. Logo na primeira quinzena de janeiro, ela sobrevoou as áreas atingidas pelas enchentes no Rio, naquela que foi uma das maiores tragédias naturais do país. Em seguida, anunciou providências do governo federal para ajudar na reconstrução da região serrana e auxiliar as vítimas das chuvas.

As viagens oficiais estão registradas no site da Presidência da República. Não estão incluídas as viagens de folga da presidente nas festas de fim de ano ou em feriados prolongados nem as visitas à família em Porto Alegre, como as de dezembro para comemorar seu aniversário e experimentar a roupa que usará na posse.

As agendas da presidente pelo país, segundo o Palácio do Planalto, são definidas conforme o andamento dos programas e das obras. Neste ano houve um incremento dos roteiros pelo país, conforme o Planalto, porque os programas e obras lançados no início do governo Dilma começaram a ser concluídas ou entraram em um estágio no qual era possível fazer vistoria.

Os compromissos preferenciais da presidente foram anúncios de investimentos em mobilidade urbana, na segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), formaturas de alunos do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), entrega de máquinas agrícolas a municípios e inauguração de unidades do Minha Casa Minha Vida. Neste ano, Dilma participou da entrega de 14.510 moradias do programa habitacional do governo federal. A única visita ao Amapá foi para entregar 2.148 unidades habitacionais, em Macapá.

Embora a presidente não tenha ido a Roraima, neste mandato, o Planalto disse que o governo federal não descuidou do estado. Os investimentos do PAC 2 em Roraima são de R$ 2,6 bilhões, nas áreas de mobilidade urbana, saneamento básico, rodovias e habitação. Também foram destinados recursos do Pronaf e implantado o Mais Médicos, por exemplo. No segundo turno, Dilma conseguiu 41,10% dos votos em Roraima e ficou atrás do tucano Aécio Neves.

Mato Grosso do Sul recebeu a presidente em abril de 2013, para a entrega de 300 ônibus escolares do programa "Caminho da Escola", atendendo 78 municípios. Dilma passou por Rio Branco, no último dia 15 de março, durante sobrevoo às áreas atingidas por enchentes. A pressão para que a presidente visitasse o Norte do país durante as cheias foi do governador de Rondônia, Confúcio Moura (PMDB), que foi recebido no Planalto.

O deputado Sibá Machado (PT-AC) disse que a visita da presidente ao estado tem uma simbologia, mas que o importante é o investimento do governo federal no Acre. Segundo Sibá, as demandas do governador Tião Viana têm sido atendidas pela presidente. Ele lembrou que, nas eleições, os adversários do PT usaram o discurso de que Dilma não dava importância ao Acre, porque é um estado pequeno. A presidente teve 36,32% dos votos no Acre.

- A visita é uma simbologia. O importante é que tudo o que o governador levou para Brasília foi atendido. Os principais programas estão aqui. O BNDES financia o programa de piscicultura. O Minha Casa Minha Vida está construindo a maior cidade aqui, com R$ 1,1 bilhão. Não tenho nada a reclamar. É muita coisa. Não é pouco, não - afirmou.

Ministério de Dilma: mediocridade é a regra

• Na segunda leva de indicados, a presidente prezou mais os laços políticos do que as habilidades técnicas ao escolher um ‘animador’, o filho de um senador e derrotados na eleição de 2014 para serem ministros em seu novo mandato

Julia Duailibi – O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff anunciou ontem treze novos ministros. Somados aos quatro nomes divulgados em novembro, entre os quais os três da equipe econômica, a presidente já definiu 17 dos 39 assentos da Esplanada.

É um banho de água fria para aqueles que compraram a tese da mudança no segundo mandato. Nas indicações de ontem, manteve-se como regra a filiação partidária: dos treze nomeados, onze vêm com a benção de algum partido. Há aumento da influência do PMDB, que passou de cinco para seis ministérios (Agricultura, Pesca, Turismo, Aviação Civil, Portos e Minas e Energia), e espaços distribuídos para PRB (Esporte), PC do B (Ciência e Tecnologia), PT (Defesa), PSD (Cidades) e Pros (Educação).

Dilma privilegiou os laços políticos dos novos ministros. Anunciou o ex-prefeito de Ananindeua Helder Barbalho (PMDB-PA), filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), para a Pesca. No Esporte, indicará o radialista, apresentador de televisão, teólogo e animador George Hilton (PRB-MG). Não se sabe ainda qual é a experiência dele na área, estratégica no segundo mandato em razão da Olimpíada de 2016 na cidade do Rio de Janeiro. Mas o importante é que ele é aliado do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), derrotado na disputa pelo governo do Rio e que tem ambições eleitorais naquele Estado.

Não é novidade o loteamento ministerial. O que chama a atenção é que a presidente não conseguiu, ao menos por enquanto, casar as indicações políticas com nomes de maior densidade técnica. Nenhum “notável”, nenhuma grande referência de setores estratégicos ou produtivos. Nem mesmo o senador Armando Monteiro (PTB-PE), que foi presidente da Confederação Nacional das Indústrias e que vai para o Desenvolvimento, se destaca hoje como nome do empresariado. Talvez a única exceção seja a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), que vai ocupar a pasta da Agricultura e que, de fato, é representante do setor. Mas ainda assim é uma parlamentar, e sua indicação atende também o PMDB.

Nas nomeações, Dilma manteve ainda outro cacoete nocivo, o de dar emprego para aliados que foram derrotados nas urnas. Quatro foram os agraciados: além de Barbalho e Monteiro, derrotados nas disputas pelos governos do Pará e de Pernambuco, respectivamente, Eduardo Braga (PMDB-AM) ocupará o Ministério de Minas e Energia e Gilberto Kassab (PSD-SP) o das Cidades, depois de perderam as eleições no Amazonas e pelo Senado por São Paulo.

Até agora, Dilma só conseguiu surpreender em novembro com a nomeação de Joaquim Levy para Fazenda, a única indicação com potencial para trazer alguma novidade nos rumos da administração. A regra na montagem de seu segundo mandato tem sido a da mediocridade, com o objetivo de domar os partidos da base e evitar problemas no Congresso.

Mas nem isso está garantido. É insaciável o apetite dos aliados. Logo mais a insatisfação vai aparecer, principalmente durante o festival de nomeações no segundo escalão. É só esperar.

Aliados de Lula perdem força em novo ministério

• Dilma afasta indicados pelo ex-presidente ao formar novo núcleo de poder

• Indefinição sobre o Ministério do Trabalho e ascensão de críticos do governo Lula deixam petista contrariado

Catia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - As mudanças feitas pela presidente Dilma Rousseff em seu ministério deixaram contrariado seu antecessor e padrinho político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao reduzir sua influência no governo e desalojar alguns de seus fiéis colaboradores.

Aliados do ex-presidente, que governou o país de 2003 a 2010, dizem que ele considerou excessivo o poder conferido ao ministro da Casa Civil, o petista Aloizio Mercadante, na nova configuração do governo e na articulação das mudanças na equipe.

Na avaliação dos lulistas, Mercadante sonha em concorrer à Presidência nas eleições de 2018 e vale-se de sua proximidade com Dilma para evitar a ascensão de outros petistas ao centro do poder.

Aliados de Lula apontam como exemplo a indicação do governador da Bahia, Jaques Wagner, para o desenxabido Ministério da Defesa. Os lulistas preferiam que Wagner ocupasse uma posição com maior visibilidade política.

"Mercadante é o general. Comanda a equipe. E tem que trabalhar com os coronéis", diz o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto, numa alusão à concentração de poder nas mãos do ministro.

A equipe que acompanhará Dilma em seu segundo mandato ainda está incompleta. Com os 13 nomes indicados na terça (23), a presidente já anunciou 17 dos 39 ministros que tomarão posse com ela na quinta-feira (1º).

O PMDB ficou com seis ministérios, um a mais do que tem hoje. O PT perdeu o Ministério da Educação e não terá controle sobre outras áreas consideradas estratégicas para o futuro do partido, como Cidades e Transportes.

Aliados de Lula dizem que o único nome que ele fez questão de escalar foi o do novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, confirmado por Dilma com o futuro titular da Fazenda, Joaquim Levy, economista de perfil conservador cuja escolha contrariou o PT.

Lula também sugeriu a mudança do ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, para as Comunicações. Segundo petistas, foi o próprio Berzoini que pediu para deixar o Palácio do Planalto, trocando a articulação política pelas Comunicações.

A saída de Berzoini é certa, mas sua indicação para a nova pasta ainda não foi confirmada. Com a saída do chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, outro lulista, o ex-presidente ficará pela primeira vez sem ninguém de sua confiança na cozinha do Planalto.

Em conversas recentes, Lula chegou a reclamar da indefinição sobre o Ministério do Trabalho, que atualmente é controlado pelo PDT e onde os petistas querem emplacar o sindicalista José Lopez Feijóo, ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores).

Sob medida
Em reunião na noite de terça, Dilma ofereceu o Ministério do Trabalho ao presidente nacional do PDT, o ex-ministro Carlos Lupi, e apresentou como alternativa para o partido a Previdência Social, hoje com o PMDB.

Lupi disse que a tendência do PDT é manter o atual ministro do Trabalho, Manoel Dias, no cargo. "Quando o sujeito senta naquela cadeira, pensa que é feita sob medida, como sapato", disse Lupi, que foi afastado do ministério no início do governo Dilma acusado de desvios em convênios feitos pela pasta.

Lula também ficou incomodado com a escolha de críticos de seu governo para dois ministérios importantes: o governador do Ceará, Cid Gomes (Pros), que irá para a Educação, e a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), futura ministra da Agricultura.

Crédito deve crescer menos em 2015 e bancos apostam em tarifas

• Projeção de baixo crescimento econômico, aumento no calote e temores de alta no desemprego reduzem procura por empréstimos

Aline Bronzati - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - A oferta de crédito nos grandes bancos deve ter mais um ano de crescimento tímido, com desempenho similar ao visto em 2014 ou até mesmo inferior considerando a fraca demanda e o baixo crescimento econômico esperado para 2015. O sinal amarelo nos calotes com juros maiores e temores quanto ao aumento do desemprego sustentam a o perfil seletivo dessas instituições que não demonstram apetite por aumento de risco e devem continuar compensando com tarifas e serviços o menor ganho com empréstimos.

A exemplo de 2013, este ano os bancos cortaram as projeções esperadas para o desempenho das carteiras e se voltaram para segmentos de menor risco. O próximo exercício, segundo executivos e analistas, não deve ser diferente. O Banco Central espera alta de 12% do crédito em 2015, mesma expansão estimada para este ano.

No acumulado de 2014 até novembro, o estoque de crédito subiu 9,1% ante o mesmo período de 2013 e 11,8% em 12 meses, totalizando R$ 2,963 trilhões, segundo dados do BC divulgados nessa semana. No caso dos privados, embora os guidances (metas) sejam divulgados somente junto com os resultados do quarto trimestre, analistas esperam alta de apenas um dígito enquanto os oficiais devem continuar desacelerando a expansão de suas carteiras. "O crédito deve crescer menos de 10% em 2015 e, principalmente, em linhas de menor risco. O foco deve ser tarifas. As margens pararam de cair e na melhor das hipóteses devem ficar estáveis em 2015", avalia Carlos Macedo, analista do Goldman Sachs, em entrevista ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.

Dois dígitos. No consumo, a desaceleração da oferta de crédito é dada como certa. Os destaques positivos continuarão sendo imobiliário e consignado (com desconto em folha) que apesar de renderem margens menores e terem sido alvo de forte concorrência entre os bancos possuem garantias que dão mais conforto para essas instituições operarem. Para ambas as carteiras, ainda é esperado avanço de dois dígitos. O segmento de cartões também continua com expectativas otimistas e prioridade para os grandes bancos.

Na outra ponta, veículos e crédito para pequena e média empresa (PMEs), que têm sido alvo de baixo apetite por parte dos bancos devido à mudança de mix nos portfólios e preferência por créditos com garantias, devem continuar na berlinda.

Nem mesmo estímulos como a facilitação da retomada do bem, medida que passou a vigorar em novembro último, devem ser suficientes para inverter a trajetória dessas carteiras. Em um cenário mais otimista, espera-se estabilidade.

A notícia positiva pode vir da agenda de infraestrutura ou melhor da concretização deste calendário e maior participação dos bancos privados nos financiamentos de longo prazo. Em conversa com a imprensa, nesta semana, a presidente Dilma Rousseff voltou a cobrar maior participação dessas instituições. Pesa, porém, o custo do funding, segundo um diretor de um grande banco. Isso porque se for o tradicional, considerando a atual Selic, o crédito pode ficar caro. E ainda o risco em jogo considerando o perfil bastante seletivo dos privados para emprestar.

"O governo tem uma excelente oportunidade de acelerar na infraestrutura com os bancos privados, com vistas a reduzir a contração total", diz um executivo de alto escalão.

Há ainda preocupações quanto à cadeia de fornecedores da Petrobrás por conta da suspensão de pagamentos das empresas sub-contratadas de grandes construtoras que estão tendo de tomar dinheiro no mercado. O Itaú Unibanco, segundo Roberto Setubal, presidente da instituição, está preocupado, mas não vê nada que desperte atenção em seu balanço. Outro executivo diz que a restrição de crédito para empresas ligadas a Petrobrás já ocorreu e, portanto, o pior impacto pode ter ficado no passado.

Inadimplência. Do lado dos calotes, é esperada leve piora na qualidade dos ativos durante 2015 como já ocorreu ao longo deste ano. Na opinião de Frederic De Mariz, do UBS, a inadimplência, considerando os atrasos acima de 90 dias, deve aumentar reagindo a um maior número do desemprego. Ele não vê, contudo, um crescimento "muito preocupante".

O único banco que segue melhorando o indicador por um período mais longo é o Itaú Unibanco. Segundo Setubal, a expectativa é que os calotes caiam mais no próximo ano, beneficiados pela mudança de mix. O Bradesco e o BB tiveram a segunda piora consecutiva no terceiro trimestre deste ano e o Santander reverteu a alta vista no segundo.

Indulto de Dilma no Natal pode beneficiar José Genoino com perdão da pena

• Decreto foi publicado no Diário Oficial; advogados de réu condenado no mensalão vão analisar o caso

- O Globo

BRASÍLIA - Decreto publicado em edição extraordinária do Diário Oficial nesta quarta-feira com as regras de indulto para presos poderá beneficiar alguns dos condenados do processo do mensalão. O decreto, assinado no início da tarde pela presidente Dilma Rousseff, reedita as normas de indulto concedidas nos últimos anos. Segundo o indulto, presos condenados a pena inferior a oito anos, e que ainda não tenham sido beneficiados por suspensão condicional do processo, podem receber o indulto desde que tenham cumprido um quarto da pena. A defesa do ex-presidente do PT Jose Genoino, condenado a 4 anos e 8 meses, acredita que ele poderá ser beneficiado.

O advogado Claudio Alencar informou por mensagem que já vai analisar o conteúdo do decreto para poder apresentar o pedido de indulto, onde o preso fica livre de cumprir o resto da pena. Atulamente Genoino está em regime domiciliar. De acordo com o controle de execução de penas do Tribunal de Justiça do DF, Genoino já cumpriu 1 ano, 1 mês e 10 dias. Faltariam 3 anos, 6 meses e 20 dias. Mas como ele tem dias de remissão de pena, já teria tempo suficiente para cumprir a exigência de um terço da pena cumprida até o dia 25 de dezembro de 2014.

O decreto traz ainda regras para concessão de indulto para quem tem penas maiores, como é o caso de José Dirceu, condenado a 7 anos e 11 meses de prisão. Dirceu também já está em regime aberto, mas não teria alcançado o requisito de um terço. Como está trabalhando, os dias poderão ser descontados para redução da pena. Segundo o site do TJDF em já conseguiu reduzir em 142 dias sua pena, mas ainda insuficiente para enquadra-lo no decreto do indulto.

Advogados de outros réus do mensalão também poderão tentar se valer do decreto de indulto. Isso porque o texto, como é de praxe, estabelece possibilidade de remissão da pena (que é a conversão da prisão em restrição de direitos). Mas, nesse caso, o preso teria que ter cumprido um quarto da pena. Ou seja, o enquadramento ou não dependerá dos dias remidos da pena, e o tamanho da pena total de cada condenado.

A concessão do indulto não é automática, tem que ser requerida pela defesa do condenada à Vara de Execuções Penais. No caso de Genoino, como o processo do mensalão foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal, o ministro relator do caso, Luis Roberto Barroso, deverá ser consultado. O indulto também atinge pessoas condenadas "a pena privativa de liberdade superior a oito anos e não superior a doze anos, por crime praticado sem grave ameaça ou violência a pessoa", que tenham cumprido um terço da pena.

O decreto do indulto também beneficia pessoas a pena superior a oito anos que, até 25 de dezembro de 2014, tenham completado sessenta anos de idade e cumprido um terço da pena. Também terão direito ao indultocondenados a pena privativa de liberdade que, até 25 de dezembro de 2014, tenham completado setenta anos de idade e cumprido um quarto da pena, se não reincidentes. O indulto não é concedido para condenados por crimes hediondos e tráfico de drogas.

Luiz Carlos Azedo - Concertos de Natal

• Com os escândalos envolvendo seus principais líderes políticos, a saída foi escalar para o governo o time reserva, com honrosas exceções

- Correio Braziliense

Um dos melhores exemplos de construção de consensos é a festa de Natal. Embora tradicionalmente seja um dia santificado cristão, a data é amplamente comemorado por muitos não cristãos. Originalmente, a festa surgiu para comemorar o natalis invicti Solis. No século 3, o solstício de inverno foi ressignificado pela Igreja Católica Romana para facilitar a conversão dos povos pagãos do Império Romano, com a comemoração do nascimento de Jesus de Nazaré.

Muitos de seus costumes populares e temas comemorativos têm origens pré-cristãs ou seculares. Outros são modernos. A troca de presentes, as ceias, as músicas, personagens como Papai Noel e muitas decorações fomentam a atividade econômica em todo o mundo, inclusive entre cristãos e não cristãos.

O Natal nos mostra que a harmonia social e a paz entre os homens não é construída apenas com base na força, mas sobretudo com a fé e a razão. Um belo exemplo é a festa em Belém, na Palestina, local do nascimento de Jesus e palco permanente do conflito entre árabes e israelenses.

Perda de consenso
Na política, a chave da construção dos grandes consensos é um misto de força, razão e emoção. A hegemonia política depende do poder de coerção, isto é, da força, e da construção de consensos, ou seja, a persuasão pela emoção e a razão. Essa noção sobre a construção de hegemonia parece que se perdeu no Palácio do Planalto.

Neste fim de ano, os brasileiros ganharam de presente uma nova equipe ministerial, que reproduz o “presidencialismo de coalizão” do primeiro mandato de Dilma Rousseff, e a notícia de que a direção da Petrobras será mantida, com Maria das Graças Foster no comando da empresa.

São coisas diferentes, mas estão imbricadas pelas vicissitudes do próprio governo Dilma. Tanto a nomeação de ministros como a manutenção de Graça Foster dependeram apenas da caneta da presidente Dilma Rousseff, ou seja, da força. Nos dois episódios, é fácil constatar que não houve intenção de construir um consenso mais amplo na sociedade, que cobra mudanças na Petrobras e repudia o toma lá dá cá na política.

Vejamos o caso da Petrobras. A empresa é um ícone nacional, foi criada pelo presidente Getúlio Vargas depois de um grande movimento de massas encabeçado por militares nacionalistas, militantes comunistas e trabalhistas e até representantes da oposição udenista ao governo da época. Desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a defesa da empresa foi usada como bandeira contra a oposição, supostamente interessada em privatizá-la, o que nunca foi o caso.

Lula usou esse expediente com sucesso na reeleição dele e na eleição de Dilma, que fez a mesma coisa na própria reeleição, embora tenha passado um grande sufoco na reta final da campanha por causa do escândalo da Petrobras. A presidente da República, porém, conseguiu manter distância das falcatruas. O mesmo não pode se dizer do seu partido, o PT, responsável principal pelo comando da empresa no governo Lula.

Amiga da presidente da República, nada há contra a atual presidente da Petrobras na Operação Lava-Jato, mas é difícil explicar como não percebeu o que acontecia à frente do seu nariz e por que ainda se omite em relação a muitos aspectos do escândalo. Graça Foster corre o risco de desmoralizar a sua própria honestidade, como aconteceu com o senador Saturnino Braga, então no PDT, que teve uma desastrosa passagem pela prefeitura do Rio de Janeiro. A sua administração quebrou, apesar da reconhecida probidade do então prefeito carioca.

Qual é a ligação entre o escândalo da Petrobras e o “presidencialismo de coalizão”? A opinião pública ainda não sabe ao certo, mas seus artífices sabem, como o jovem estudante Raskólnikov, aquele assassino de Crime e Castigo, de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski. As campanhas eleitorais governistas de 2006 e 2010, inclusive as proporcionais, foram inundadas de dinheiro arrecadado pelo esquema.

O maior esquema de superfaturamento e desvio de recursos públicos já visto no país deixa no chinelo a operação de compra dos Roll-Royces, que deu origem ao “mar de lama” que levou ao suicídio o presidente Getúlio Vargas, e ao Fiat Elba que levou à renúncia o ex-presidente Fernando Collor de Mello, ameaçado de impechment pela oposição, como bem lembrou o jurista Miguel Reale Junior.

O “presidencialismo de coalizão” permitiu aos partidos governistas preservar e, em alguns casos, até ampliar suas bases graças à desproporção dos meios de campanha, que não se restringiu ao tempo de televisão. Mas se tornou apenas um nome pomposo para o loteamento da Esplanada dos Ministérios.

Com os escândalos envolvendo seus principais líderes políticos, a saída foi escalar para o governo o time reserva, com honrosas exceções. Esse estratagema para controlar o Congresso não tem o menor consenso nacional, mas mantém o poder de arrecadar, coagir e normatizar.

Os recados de Lula a Dilma - O Estado de S. Paulo / Editorial

Nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem o ex-ministro Alexandre Padilha ocupam cargo público, mas ambos participaram recentemente da entrega das chaves de um conjunto habitacional do programa Minha Casa, Minha Vida. Julgando-se mandatário eterno, Lula não precisa de justificativa para fazer o que lhe dá na telha - e se sente muito à vontade para exercer uma espécie de Presidência paralela, com direito até a inaugurações.

A participação no evento em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, faz parte do esforço de Lula para dizer à presidente Dilma Rousseff como ela deve se comportar no segundo mandato, especialmente em relação aos "movimentos sociais". E o recado não podia ser mais direto: para Lula, Dilma deve se dobrar a esses grupos, mesmo aos mais radicais.

A inauguração do condomínio foi uma encenação meticulosamente coreografada com o novo amigo de Lula, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos - hoje talvez o mais bem organizado grupo de desordeiros de São Paulo, que explora a fraqueza das autoridades para, por meio da intimidação e da chantagem, obter benefícios à margem da lei.

O MTST é o responsável pelo projeto dos apartamentos entregues em Taboão, dentro da modalidade Minha Casa, Minha Vida - Entidades, que destina financiamento aos movimentos de sem-teto para que estes façam as moradias. Como se sabe, a maior parte das entidades beneficiadas pelo programa é liderada por petistas, que privilegiam correligionários e "ativistas" na hora de decidir quem receberá as chaves primeiro. O aparelhamento político é evidente, sem falar na grande possibilidade de corrupção que o modelo gera.

O MTST que Lula prestigiou ganhou notoriedade nos últimos tempos ao promover invasões relâmpago de terrenos na cidade de São Paulo e ao acossar vereadores para que estes aprovassem emendas ao Plano Diretor e, assim, favorecessem seu grupo. Uma das mudanças que a turma de Boulos obteve na marra foi o novo critério de zoneamento de uma área invadida às margens da Represa de Guarapiranga. Os vereadores decidiram que a área não era mais uma "zona de preservação permanente" (Zepam), e sim uma "zona especial de interesse social" (Zeis), para que então pudesse ser entregue ao MTST. A proteção ambiental ficou em segundo plano.

Em vez de pacificar os movimentos de sem-teto, a subserviência dos políticos aos desejos do MTST acabou por estimular as invasões, pois ficou claro que o Estado havia se tornado refém desses grupos - bastava apenas decidir o tamanho do resgate a cobrar.

Mas o que para alguns é problema, para Lula é oportunidade. Especialista em cooptação, o petista trouxe Boulos para seu palanque, enxergando nele mais um veículo por meio do qual pode exercer pressão sobre Dilma. Na patuscada política de Taboão da Serra, Lula não teve nenhum pudor de depreciar o Minha Casa, Minha Vida, hoje o principal destino dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para sugerir que o modelo atual, em que as pessoas comuns esperam sua vez para receber as chaves do apartamento, deve perder espaço para aquele que privilegia os movimentos de sem-teto e seus militantes.

Lula deu a entender que os apartamentos construídos por esses movimentos são muito melhores do que os entregues pelas empreiteiras. Ele contou que, certa vez, visitou um dos empreendimentos do Minha Casa e constatou que "a casa não estava acabada, a casa não tinha estuque, a casa não tinha porta, e o chão era de terra", tudo isso porque a construtora queria "fazer mais barato". Como sempre desabrido, Lula disse que gostaria de ter "pegado de cacete os caras que tinham cuidado daquela casa" e que "o cara que faz uma casa assim para um trabalhador, eu duvido que ele tenha coragem de colocar a mãe dele lá dentro".

Ao "companheiro Guilherme", Lula prometeu "tentar convencer a presidenta Dilma a vir na próxima inauguração", para que ela veja pessoalmente como é que se faz.

Carlos Alberto Sardenberg - Respostas convenientes

• Há, de fato, enorme vantagem na localização do porto de Mariel, ao lado de Miami. Mas é boa para os futuros negócios americanos na ilha

- O Globo

A melhor maneira de acertar uma resposta é você mesmo formular a questão. A presidente Dilma observa que, se ninguém aponta uma falha de Graça Foster, por que ela deveria ser penalizada com a demissão da presidência da Petrobras?

Ou seja, se Graça Foster não é acusada de corrupção, se não há qualquer prova disso, por que demiti-la?

De fato, ninguém a acusa de corrupção ou de coisa parecida. A acusação é outra, de incapacidade gerencial dupla: primeira, não ter desconfiado do "absurdo" (palavra de Dilma) volume de dinheiro que estava sendo desviado, mesmo ocupando postos de decisão na companhia; segunda, não ser capaz de lidar com a situação atual, ficando sempre atrás dos acontecimentos.

É um clássico na análise política: se não sabia de nada, o que estava fazendo lá? Se sabia....

Mas a presidente Dilma não entra nessa conversa. Para ela, "é de um simplismo absurdo supor que alguém tivesse noção do que estava acontecendo porque estava na diretoria".

Pelas lei brasileiras e pelas normas do mercado de capital, se supõe, sim, que os diretores tenham noção do que acontece em suas empresas. São até responsáveis por isso.

Mas aqui a presidente Dilma não está mais defendendo apenas sua fiel colaboradora. Está se defendendo. Ela foi ministra de Minas, da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobras. Pelo seu raciocínio, ela também não era obrigada a ter noção do que estava acontecendo. Mas era.

Eis o ponto, uma vez posta a questão correta: se Dilma tirar Graça do comando da Petrobras estará reconhecendo seu próprio erro.

E quer saber? Há momentos em que a presidente Dilma se antecipa a esse problema. Na sua conversa com os jornalistas, na última segunda, sugeriu diversas vezes que só começou a mandar mesmo na Petrobras quando conseguiu colocar Graça Foster no comando da estatal.
Comentou, por exemplo, que, assumindo o cargo de presidente da República, levou um ano para criar as condições que permitissem colocar Graça na direção da empresa. E que esta, quando assumiu em 2012, "mudou toda a diretoria e abriu todas as investigações que estão em curso".

Epa! Quer dizer então que ambas desconfiavam de alguma coisa?

O pessoal mais ligado a Lula percebeu a jogada. E reclamou. Viu aí uma manobra para atirar a culpa na administração anterior, justamente a de Lula.

Não seria a primeira manobra de Dilma nessa direção.

O porto é deles
A presidente Dilma também usou a mesma lógica — formular a questão errada para ter a resposta conveniente — ao defender o investimento brasileiro no porto cubano de Mariel. Na versão da presidente, com o reatamento de relações entre EUA e Cuba, sendo Mariel o mais próximo da Flórida, o porto "ficou um must".

Mas ninguém criticou o fato de o governo brasileiro apoiar e financiar uma obra no exterior, construída por empreiteira brasileira, a Odebrecht. O que se criticou por aqui é que não foram revelados os valores do negócio: quanto custou, qual foi o financiamento brasileiro, em quanto tempo, com quanto de juros?

Todas estas perguntas continuam sem respostas. Diz o governo brasileiro que é segredo. Mas não há outro meio de saber se o negócio foi bom ou ruim para os cofres (e para os contribuintes) brasileiros.

Há, de fato, uma enorme vantagem na localização do porto, ao lado de Miami. Mas é boa para os futuros negócios americanos na ilha.

Desconstrução
Uma pequena lista das coisas que a candidata Dilma disse que não ia fazer e que a presidente está fazendo e/ou promete fazer:

• aumentar os juros

• aumentar o preço da gasolina

• escolher um ministro da Fazenda amigável ao mercado e oriundo do mercado financeiro

• fazer um forte ajuste nas contas públicas

• tomar medidas drásticas na economia.

Pagamos caro
O economista Alexandre Schwartsman fez um cálculo simples que revela um fato espantoso. O governo tem embolsado, via impostos, nada menos que 74% do que os brasileiros produzem a mais.

A conta, tal como apresentou em sua coluna da "Folha" de ontem: "Nos três primeiros anos da atual administração, a carga tributária saltou de 33,5% para os já mencionados 36,0% do PIB. Calculado a preços de hoje o total de tributos cresceu pouco mais de R$ 200 bilhões, enquanto o aumento do PIB no período, também corrigido pela inflação, correspondeu a R$ 270 bilhões".

A conclusão: "De cada R$ 100 a mais produzidos no país entre 2010 e 2013 o governo se apropriou de R$ 74. Destes, pouco menos de R$ 50 foram tomados pelo governo federal, enquanto estados e municípios arrecadaram o restante".

Sabíamos que pagávamos impostos demais. Mas, caramba!

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Renato Andrade - Mais Dilma

- Folha de S. Paulo

A foto oficial dos ministros de 2015 terá muito mais a cara de Dilma do que a imagem de 2011.

O grupo escolhido até o momento reflete, em boa medida, a disposição da presidente de transformar em realidade uma confidência feita dois dias antes do final das eleições.

Logo após o último debate na TV, Dilma disse para um seleto grupo de assessores que se sentia "livre".

A desobrigação de enfrentar uma nova disputa eleitoral em 2018 abriria as portas para que ela pudesse ser menos a "cria de Lula" e começasse a tocar as coisas mais do seu jeito.

A escolha dos integrantes da equipe econômica foi o primeiro movimento de maior autonomia da presidente frente seu antecessor.

Lula tentou emplacar um nome de confiança no comando da Fazenda. Dilma deixou de lado a sugestão e bancou Joaquim Levy, para desgosto de parte dos petistas e, em especial, de Guido Mantega, que vive como futuro ex-ministro desde outubro.

A composição do quadro de auxiliares com assento no Planalto também é outro exemplo desse processo de libertação. Gilberto Carvalho, fiel escudeiro de Lula, dará lugar para um nome mais próximo da petista, o gaúcho Miguel Rossetto. Ricardo Berzoini, outro velho aliado lulista, também deve mudar de endereço.

A figura mais emblemática dos ministros palacianos é Aloizio Mercadante. Ele sempre esteve pronto para cumprir as tarefas impostas pelo comandante, mas jamais alcançou, durante os anos Lula, lugar de destaque. O poder, de fato, veio pelas mãos da ex-colega de ministério.

Nem todas as amarras foram desfeitas. O PMDB, eterno aliado de quem manda, pressionou por mais espaço e levou. Outros partidos da base também receberam seu quinhão. Mas o tempero Dilma está espalhado na lista de contemplados.

Acertos e erros resultantes dessas escolhas só poderão ser analisados mais adiante. Mas é salutar assistir um presidente eleito escolher com quem pretende enfrentar o jogo.

Míriam Leitão - Caixa aberta

- O Globo

A abertura de capital da Caixa Econômica Federal será lucrativa para o Tesouro, mas difícil de executar com a bolsa volátil e com tendência de queda. Os possíveis compradores de ação podem se perguntar que garantia terão de que não enfrentarão escândalos como o da Petrobras. Para a Caixa, em si, pode ser uma proteção contra desastres, como foi a compra do Banco PanAmericano.

O negócio foi nebuloso. A Caixa comprou 49% do banco e logo depois se descobriu que ele estava quebrado. Foi necessária uma injeção de R$ 4,3 bilhões do Fundo Garantidor de Crédito para resgatar o PanAmericano e a face da CEF. Se a lei fosse seguida, a quebra do banco provocaria o bloqueio dos bens da Caixa, que era grande acionista e participava do controle.

Por que a Caixa não viu que o banco tinha esse gigantesco desequilíbrio durante a auditoria ("due diligence") que fez antes da compra? Quanto, ao todo, foi o custo para a Caixa, já que depois do resgate ela teve que capitalizar o banco?

O governo não só não deu explicações como indicou a então presidente da CEF Maria Fernanda Ramos Coelho para uma diretoria do BID. A Caixa sempre foi depósito de indicações políticas. Com o capital aberto vai ser mais difícil nomear um político que nada entenda do assunto para os cargos de direção. Mesmo assim, como se aprendeu no caso da Petrobras, isso não garante nada. Os ex-diretores da petrolífera, presos na Operação Lava-Jato, eram quadros de carreira, mas cada um foi alçado à diretoria com o apoio de um partido da base e a esse partido prestava obediência e mandava parte do dinheiro das propinas.

Durante a campanha eleitoral, a presidente Dilma disse que os adversários estavam ameaçando acabar com os bancos públicos. A verdade, que sabe quem acompanha a economia brasileira, é que tanto o Banco do Brasil quanto a Caixa Econômica Federal foram saneados logo após o Plano Real. O que causou um rombo na CEF foi essa aventura nunca explicada de entrar como sócia num banco que estava falindo.

Para enganar quem não está familiarizado com os detalhes da economia, eles disseram que o PanAmericano não foi resgatado por dinheiro público, já que o FGC é capitalizado por dinheiro recolhido pelos bancos. Argumento enganoso. O FGC foi criado em 1996 para proteger correntistas e não acionistas das instituições. E o custo do dinheiro que os bancos recolhem ao Fundo é repassado ao spread dos bancos e pago por todos os tomadores de recursos bancários. O que o FGC colocou para resgatar o PanAmericano foi comprado pelo BTG Pactual por um décimo do valor e tudo ficou parecendo uma operação estritamente comercial.

Na verdade faltou explicação em cada uma dessas etapas, principalmente sobre a decisão tomada na diretoria e que causou prejuízo à Caixa. Com o capital aberto isso seria, mais cedo ou mais tarde, questionado. Como está acontecendo agora com Pasadena ou com a dificuldade da Petrobras de divulgar um balanço auditado. Uma empresa com sócios minoritários e submetida às leis do mercado de capitais tem mais risco de ser punida pelos erros administrativos ou por atos lesivos aos interesses dos acionistas. Mas não vamos nos iludir só porque é Natal. Papai Noel não nos trouxe uma vacina contra o mau uso dos cargos de direção das empresas públicas.

O que este ano nos trouxe foi a confirmação de que só instituições sólidas e fortalecidas podem proteger a sociedade dos desmandos do governo. O que move o Tesouro a pensar em tirar da gaveta o projeto de abrir o capital da Caixa é a necessidade urgente de melhorar as contas públicas. Mas, quem sabe, ficará melhor a governança da instituição.

Eugênio Bucci - 'Papai Noel, me dá um morto-vivo de Natal?'

- O Estado de S. Paulo

Nos primórdios dessa história, as meninas pediam bonecas que abriam e fechavam os olhinhos e os meninos pediam um revólver com cinturão e coldre de couro marrom para brincar de mocinho. Nos primórdios dessa história, o emprego de Papai Noel era mais previsível. Uma cozinha em miniatura. Uma espada de plástico. Brincando, as meninas eram adestradas a ser donas de casa. Os meninos aprendiam que a hombridade pressupõe a habilidade de assassinar.

Nos primórdios, era mais fácil. Era mais fácil ser Papai Noel e, também, era mais fácil criticar o Papai Noel. Fácil até demais. O bom velhinho começou a ser contestado por vozes que não queriam que ele estivesse a serviço da mera reprodução do modo de vida viciado da mulherzinha oprimida e do macho homicida. Os ideais libertários da década de 1960 impuseram adaptações pedagógicas (e chatas) ao ofício de dar presentes. O Natal deveria ser, por que não?, um motor da construção do "mundo melhor". Surgiriam assim Papais Noéis meio de esquerda, engajados em causas como a solidariedade, a fraternidade e até mesmo a paz entre as nações.

Tudo ia bem até que, no bojo da chamada revolução tecnológica, viria uma mudança súbita para desorientar os pais que se recusavam a dar bonequinhas submissas às filhas e armas de brinquedo aos filhos. Pretensamente modernos, esses pais queriam dar presentes educativos. No dia de Natal, davam joguinhos eletrônicos embrulhados em papéis metálicos, crentes de que estavam abrindo os caminhos do futuro tecnológico para as novas gerações. Depois, vendo os filhos brincarem com as novíssimas invenções, ficavam estarrecidos. Viam que, em lugar de um reles "revolvinho" de espoleta, tinham presenteado seus herdeiros com gincanas de dizimar "terroristas árabes" com uma pistola 9mm numa mão e um AK47 na outra.

O teatro da guerra que horrorizava os adultos tinha se tornado o passatempo mais excitante das crianças. Nesse embalo, a indústria dos games virou uma febre transnacional, suplantou a indústria do cinema, transformou o mundo inteiro num cassino (em que os impúberes apostam em dinheiro), estetizou a violência, violentou a estética e revogou a noção que tínhamos da morte. Neste novo mundo em que as crianças aprendem inglês decorando o nome de tanques de guerra, morrer não é mais tão definitivo. Se o jogador leva um tiro na cara, ele vai lá e "compra" novas vidas. A vida é uma mercadoria. Os inimigos também contam com o mesmo recurso. Depois de exterminados, ressurgem das trevas, ainda mais ameaçadores. Saídos das profundezas da feitiçaria imemorial, os mortos-vivos ingressaram na indústria do entretenimento para dar vida nova, e múltipla, ao cassino infanto-juvenil em que o planeta se converteu.

Os mortos-vivos são o ideal de beleza e de rentabilidade da indústria do entretenimento. São eles também que ensinam a arte bélica de viver. Graças aos zumbis, as crianças aprenderam que morrer é uma intercorrência descartável, como esfolar o joelho. A morte não é mais uma fronteira simbólica. O zumbi se afirma, agora, como a síntese perfeita de um tempo que se crê inesgotável e invencível. O morto-vivo materializa a condição humana que nos resta.

Já tivemos outros mitos igualmente macabros para animar as fantasias modernas. O Frankenstein de Mary Shelley, por exemplo, produziu com pedaços de cadáveres a criatura viva que o destruiu, na mais célebre metáfora da ciência como força destrutiva. Nascido como ficção na 1.ª Guerra, Frankenstein antecipou o pesadelo da 2.ª Guerra, que traria a inauguração da bomba atômica e as doutrinas que pregavam o genocídio. O monstro de Frankenstein, é claro, também virou máscara de brinquedo de criança e fantasia de carnaval.

Outro mito moderno é o Conde Drácula, de Bram Stocker. O mais famoso vampiro da literatura, Drácula perdura até hoje como a melhor tradução dos que se fartam da energia alheia sem ter de trabalhar. Drácula é aquele a quem o dinheiro nunca falta, aquele que dorme durante o dia e ataca suas vítimas durante noitadas de gozo letal. Também virou brinquedo de criança e adorno carnavalesco.

O interessante é que os dois mitos, o nobre Drácula e a criatura de Frankenstein, são, eles também, precursores do morto-vivo. Um e outro estão além da morte. Não podem morrer, simplesmente. Parecem condenados a não morrer jamais. Também como os zumbis, não existem para assombrar, mas apenas para divertir a humanidade carente de divindades que não seja o Papai Noel (que, aliás, também pode ser visto como uma espécie abobada de morto-vivo).

Os zumbis, contudo, não têm a aura do Drácula ou do monstro de Frankenstein. Não têm uma personalidade individual. Não têm sequer nome e sobrenome. São a massa indiscriminada, o populacho, o proletariado. São mendigos, porteiros, prostitutas, marginais. Em campeões de bilheterias nos cinemas, os zumbis extasiam os adolescentes. Depois, viram games cultuados em todos os continentes. Outras vezes, são os games que inspiram longas-metragens, como no já "clássico" Resident Evil.

Em produções cada vez mais requintadas, os mortos-vivos são o nosso melhor paradigma. Em forma de um game ou de um DVD, chegaram hoje a milhões de lares, trazidos no saco do Papai Noel. Agora, em vez de aprender a ser dona de casa passiva (no caso das meninas) e a ser rápido no gatilho para matar os adversários (no caso dos meninos), as crianças brincam de estar vivas e mortas ao mesmo tempo, como se entre viver e morrer não houvesse mais uma diferença substantiva.

Numa era em que o passado é uma obra de ficção e o futuro é necessariamente pior do que os dias atuais, o presente se expande numa embriaguez vazia, tendo a diversão como o único denominador comum. Viver para se divertir é o quanto basta. E só para se divertir vale a pena morrer.
Os mortos-vivos desbancaram a Barbie e o Durango Kid e nos proporcionam um feliz Natal.

*É jornalista e professor da ECA-USP

O esforço de não investigar - O Estado de S. Paulo / Editorial

Com a votação do relatório do deputado Marco Maia (PT-RS), encerrou-se há dias a CPI Mista da Petrobrás. Trata-se de um capítulo não muito honroso para a história do Congresso Nacional. A trajetória da CPI Mista da Petrobrás foi um contínuo esforço para não cumprir a sua finalidade de investigar. Nos sete meses em que funcionou a Comissão Parlamentar de Inquérito, o Palácio do Planalto usou a força da maioria governista para bloquear qualquer investigação sobre os malfeitos na Petrobrás.

A submissão do Legislativo aos interesses do governo federal tornou-se ainda mais explícita na medida em que as investigações da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, foram se desenrolando. Ficava assim exposto ao País o que a CPI da Petrobrás poderia ter investigado, mas intencionalmente não o fez.
Desde o momento em que a oposição apresentou o pedido de instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar indícios de graves irregularidades na Petrobrás, o Palácio do Planalto deixou claro que não tinha nenhum interesse em investigar qualquer malfeito na estatal - e que estava disposto a usar a força da maioria governista para impedir qualquer avanço investigativo.

Foi necessária uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a intenção do governo federal de inflar a CPI com outros assuntos. Por decisão judicial, ficou estabelecido que a CPI teria como objeto de investigação as principais denúncias contra a Petrobrás, conforme havia sido pedido pela oposição.

O governo federal, no entanto, não se deu por vencido. Usando a sua maioria no Congresso, transformou as sessões da CPI em longas e intermináveis conversas entre amigos. Numa das vezes em que a presidente da Petrobrás, Graça Foster, compareceu à CPI, o relator Marco Maia fez-lhe nada menos do que 70 perguntas. Era o modo de garantir que nenhuma novidade fosse ouvida.

Nessa época, a base aliada do governo tinha ainda a desfaçatez de dizer que a compra da Refinaria de Pasadena havia sido um "bom negócio". Logo depois, no entanto, o Tribunal de Contas da União esclareceria que o "bom negócio" havia causado à estatal brasileira um prejuízo de US$ 792,3 milhões.
Pouco tempo depois, o País ainda ficaria sabendo que as perguntas formuladas durante a CPI já eram conhecidas previamente pelos que deveriam ser inquiridos.

Nessa história pouco honrosa para o Congresso Nacional, também estariam impressas as digitais do Palácio do Planalto no esforço por não investigar.

No conluio que transformava a CPI numa encenação teatral, assessores do Palácio tinham uma diligente participação. Conforme foi revelado na época, o ex-presidente da Petrobrás Sérgio Gabrielli e o ex-diretor internacional da Petrobrás Nestor Cerveró puderam se servir dessa gentileza: prestar depoimento na CPI conhecendo de antemão quais perguntas lhes seriam dirigidas.

No entanto, a vida tem as suas surpresas. No dia seguinte a um depoimento na CPI absolutamente morno, mas que os governistas consideraram absolutamente satisfatório - como se vê, cada um se contenta com o que quer -, o ex-diretor de abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa voltaria a ser preso pela Polícia Federal. E a história começaria a mudar, pois durante essa prisão Paulo Roberto decidiria pela delação premiada. Felizmente, nesse âmbito, as manobras do Palácio do Planalto ainda não têm a mesma eficácia, e o País pôde conhecer um pouco do que estava ocorrendo dentro da maior estatal brasileira.

O relatório recentemente aprovado, com o qual a CPI encerra os seus trabalhos, é um símbolo da sua infeliz trajetória. Apesar de todos os indícios já existentes na época da sua instauração e dos fatos que depois vieram à tona, a CPI não quis investigar nem investigou qualquer malfeito. O relatório, de quebra, isentou qualquer político. Mais uma vez, o Congresso preferiu trocar o seu papel institucional para se curvar ao Palácio do Planalto. Ao deixar de cumprir o seu papel institucional, fez um papelão.

Corrupção sistêmica institucionalizada - Jorge Pontes

• Enquanto o crime organizado viceja na letargia da gestão pública, o "crime institucionalizado" é fruto da própria ação estruturada e pensada de um grupo de homens no poder

- O Globo

Com os últimos fatos trazidos à luz pela Operação Juízo Final, sétima fase da célebre Lava Jato, a sociedade brasileira vem assistindo, ainda sem entender suas dimensões, ao surgimento de mais um flagelo — quase — endêmico do nosso país; digo "quase", pois alguns países africanos também a experimentam.

Trata-se do que podemos denominar de "crime institucionalizado". Tal fenômeno, que adquiriu contornos marcantes, que o diferenciam conceitualmente do crime organizado convencional, merece urgente atenção não apenas das autoridades policiais, do Ministério Público e do Judiciário, mas, sobretudo, da imprensa e da sociedade como um todo, pois sua sedimentação tem a capacidade de minar as possibilidades de desenvolvimento nacional.

Ao contrário do crime organizado, já rebaixado à delinquência juvenil, o "crime institucionalizado" não lança mão de atividades ilegais, como o tráfico de drogas, de armas, o jogo ilegal etc. Esse novo flagelo utiliza-se apenas da plataforma oficial, dos governos das três esferas, do estamento público, dos ministérios da República, da política partidária e das regras eleitorais para prospectar e desviar fortunas do erário. Todo o seu faturamento tem origem nos contratos de serviços e obras, nas concorrências públicas, nos repasses para programas de governo.

Trata-se de atividade mais lucrativa e segura do que qualquer negócio ilegal convencional, colocado em prática por organizações tipo máfia.

Enquanto o crime organizado viceja aproveitando-se da letargia e da omissão de alguns homens públicos, o "crime institucionalizado" é fruto da própria ação estruturada e pensada de um grupo de homens e mulheres que comandam determinado setor, empresa ou unidade do poder público.

Outra diferença marcante é que, enquanto o crime organizado coopta, ou, quando muito, infiltra um agente aqui e acolá, na polícia ou numa determinada repartição, o "crime institucionalizado" indica e nomeia, com a devida publicação em diários oficiais, autoridades que servem aos seus propósitos tanto na empreitada criminosa propriamente dita, como na tomada de medidas garantidoras da impunidade do grupo e da salvaguarda do butim, nos três poderes da República.

Outra nuance de relevo é que o "crime institucionalizado", com seus exércitos de nomeados em cargos e funções estratégicas, para garantir aspectos vitais da atividade, isto é, para institucionalizar a própria moenda criminosa, estaria, desgraçadamente, lançando mão da elaboração e promulgação de normas administrativas, e até de leis, que facilitem sua consecução.

Na última década o "crime institucionalizado" vitaminou-se tremendamente, aproveitando-se dos seguidos recordes de arrecadação tributária. Com o ingresso de dezenas de milhões de pessoas na classe média e o consequente aumento do consumo, os cofres públicos abarrotaram-se de dinheiro.
São exatamente essas divisas, oriundas do contribuinte brasileiro, que vêm alimentando o "crime institucionalizado".

Uma de suas consequências práticas mais nefastas é a existência de concorrências públicas viciadas pelas fraudes do "crime institucionalizado" — há quem diga, inclusive, ser difícil encontrar, nos dias de hoje, uma única licitação que não seja "arrumada".

Contudo, ainda mais desoladora é a possibilidade da existência de vultosos projetos sendo aprovados com o único e exclusivo intento de desviar verbas públicas. É de fato o pior dos mundos, onde a corrupção estaria no nascedouro das iniciativas.

Não seria mais o caso do estádio de futebol superfaturado, mas o caso do estádio de futebol que nem deveria ter sido construído, isto é, a corrupção de raiz. Não é, como dizem por aí, "o malfeito", mas o que nem deveria ter sido feito.

Esta situação tem saída, por mais difícil e desfavorável que possa parecer. E a solução passa necessariamente pela total e completa blindagem política de todos os órgãos que compõem a persecução criminal, sem prejuízos de outras medidas de proteção às instituições do Estado brasileiro, mormente as agências controladoras e tribunais de contas, nas três esferas políticas.

O quadro aponta para a necessidade da edificação de uma estrutura policial, altamente preparada, que faça frente a tal ameaça, e com capacidade de investigar aqueles que nomearam seus próprios chefes.

Jorge Pontes é delegado federal e foi diretor da Interpol do Brasil

Celso Ming - Mau hálito

- O Estado de S. Paulo

Hierão I, tirano de Gela e Siracusa ao longo da primeira metade do século V antes de Cristo, se espantou quando, um tanto constrangido, alguém do seu séquito advertiu: "Rei, tens um terrível mau hálito". E Hierão: "Mas como? Minha mulher nunca reclamou?". E ela, que estava por perto, observou: "Pois eu sempre achei que os homens tivessem esse cheiro".

Às vezes, as esquerdas brasileiras se comportam como Hierão e sua mulher. São incapazes de reconhecer o mau cheiro proveniente de comportamentos éticos condenáveis. Sempre viveram enorme confusão quando se tratou de entender o que pode e o que não pode. E é, em grande parte, o que explica a enorme propensão a se apropriar dos recursos públicos, de corromperem e se deixarem corromper ou de fazer acordos com o diabo, sabe-se lá com qual objetivo.

A classificação entre direita e esquerda vem dos tempos da Revolução Francesa, quando a Assembleia Nacional se dividia entre os defensores do rei (à direita) e os defensores da Revolução (à esquerda). Essa classificação já não serve para muita coisa, porque não há muito como definir esses conceitos, especialmente depois da queda do Muro de Berlim e da dissolução da União Soviética. Em todo o caso, as esquerdas brasileiras compõem-se, digamos, de segmentos políticos que defendem desde alguma forma de socialismo e de social-democracia até movimentos trabalhistas e democratas-cristãos.

A ética socialista derivada da filosofia hegeliana colocou como foco principal o determinismo histórico ou a utopia a ser inexoravelmente conquistada. O que importava aí era a ação voltada para o objetivo e não os meios usados para isso. Foi esse o tipo de justificativa apresentada para defender (ou esconder) os horrores da época de Stalin, que não vacilou em massacrar o campesinato ucraniano nem em assinar o pacto Molotov-Ribbentrop, que atropelou os interesses dos trabalhadores dos dois países que, desde o Manifesto Comunista (1848), se esperavam unidos. Aqui no Brasil esse comportamento serviu para justificar, em nome da segurança do Partido, certos justiçamentos comandados pelas lideranças.

Essa ética ignora os princípios republicanos que exigem rigorosa separação entre o interesse individual e o interesse público. Ou, quando muito, apenas os observa episodicamente, quando, por exemplo, foi conveniente firmar e manter uma aliança com a "burguesia nacional". Daí por que, se para cumprir determinados objetivos do grupo partidário é preciso mentir, roubar e corromper, que se minta, roube e corrompa, sem se deixar tomar por escrúpulos pequeno burgueses. Se uma organização guerrilheira puder tirar proveito de acordos com narcotraficantes e com movimentos do crime organizado, como os que aconteceram com as Farc, com quem o governo do PT manteve estreitas ligações, por que não fazê-lo? Quando chegar o paraíso do proletariado ou quando a sociedade igualitária se impuser, nada disso terá importância. Eventuais excessos são o preço a pagar para alcançar o fim da história, como a destruição dos ovos para quem quer a omelete. A Revolução Francesa não teve sua inevitável fase de terror?

Esvaiu-se a utopia, sobrou a ocupação do Estado, em nome do exercício do poder pelo poder. Mas ficou a velha cultura da ação "em nome da causa". É o que explica, também, por que o PT encara os condenados pela Justiça como vítimas do sistema elitista, neoliberal ou o que seja. Explica, também, por que seu tesoureiro João Vaccari Neto, sobre quem recaem pesadas acusações de desvio de recursos públicos, é aplaudido de pé em assembleia do partido. Ou por que o ex-ministro José Dirceu se deixa fotografar à porta da prisão com o punho cerrado estendido, como um guerreiro atacado por hordas reacionárias. Ou, então, por que o ex-presidente Lula argumenta que "essa história da corrupção é coisa da direita".

O desmanche da Revolução Russa, a opção da China pelo capitalismo de Estado e o reatamento entre Estados Unidos e Cuba, anunciado na semana passada, já não deixam espaço para esse tipo de ética. Quem estiver disposto a assumir a defesa dos ideais republicanos e democráticos, não pode exalar o hálito de Hierão I.

Cora Rónai - Árvore, trânsito, Petrobras e Macadâmias

- O Globo

Tenho uma relação de amor e ódio com a minha vizinha mais ilustre, a Árvore de Natal da Lagoa. Mais especificamente, tenho uma relação de amor com a árvore, e uma relação de ódio com os fogos de artifício que marcam a sua inauguração. Não por não gostar deles — como todo mundo, acho os fogos lindos —, mas por gostar bem mais da fauna que vive por aqui, para não falar da minha Famiglia Gatto e de todos os incontáveis animais de estimação que entram em pânico com o foguetório.

Assisto à queima, faço fotos, posto no Facebook e no Instagram, mas me angustio pensando nos passarinhos que conheço, nos socós, nas garças, nas familiazinhas de bem-te-vis e de frangos d’água que crescem em meio a tantas dificuldades. As capivaras pelo menos moram do outro lado, onde imagino que o barulho chegue amortecido.

Falamos muito da importância de se preservar o meio ambiente, mas mal olhamos para o que acontece à nossa frente: é como se bichos e ecossistemas urbanos valessem menos por estar nas cidades. Pois penso que, ao contrário, eles deveriam ser, por isso mesmo, ainda mais valorizados.

Será que precisamos mesmo de toda aquela barulheira dos fogos? Será que não seria possível fazer uma festa menos estrepitosa?

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Dito isso, confesso que amo a árvore, e o clima de cidade do interior que ela traz para a Lagoa: adoro passear no meio da multidão que vem de todos os cantos para apreciar o espetáculo. Há famílias inteiras que trazem cadeiras de praia e que formam rodinhas de papo que avançam noite adentro. Elas estão certíssimas. O visual é lindo, há sempre uma brisa e há carrinhos de comidas variadas: tapioca, pipoca, churros, algodão doce, pastel... No ano passado vi até pizza na lenha. Há também balões e brinquedinhos modestos à venda, como numa quermesse.

Nas noites da árvore já encontrei pessoas de todos os níveis sociais, e de uma variedade incrível de profissões; conversei com gente do Brasil inteiro, e dividi muitos refrigerantes e comidinhas com esses amigos ocasionais. Quem mora no Rio e não vem ver a Árvore da Lagoa não sabe o que está perdendo.
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E o trânsito? Sim, é verdade, há o trânsito. Pavoroso. Piorado, este ano, com as obras que estão por toda parte. A Lagoa, que já não é propriamente uma pista de velocidade em circunstâncias normais, fica intransitável. Por isso entendo as queixas de quem não aguenta mais o engarrafamento e quer ver a árvore longe — mas, tudo somado, ainda acho que a farra compensa o aborrecimento.
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Quando esta coluna for ao ar, o Natal já terá acontecido. Os presentes já terão sido abertos, a bagunça da noite já terá sido arrumada e só nos restará marcar passo durante a semana à espera do réveillon.

Escrevo, porém, da outra ponta, isto é, da véspera da véspera. O relógio do computador marca 2h58m da madrugada do dia 23, e estou com uma vaga sensação de desespero: ainda não comprei metade dos presentes, nem embrulhei a metade já resolvida. Eu até teria tempo para fazer isso se a ceia fosse no dia 24, mas nossa festa familiar será logo mais, na noite deste dia 23: inventamos a mudança no ano passado, diante da impossibilidade de conciliar as várias ceias que puxavam cunhadas, sobrinhos e genros em diferentes direções. Funcionou tão bem que, este ano, nem discutimos mais a questão. O que não funcionou foi a minha decisão de fazer as compras de Natal em julho, mais uma vez esquecida na gaveta das boas intenções.
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É Natal, bimbalham os sinos, o mundo gira e a Lusitana roda — mas, nem por isso, as informações sobre a roubalheira na Petrobras deixam de nos surpreender. Ou, como gosta de dizer a “presidenta”, de nos estarrecer. Assisti à entrevista que a Venina deu à Glória Maria, e fiquei estarrecida. Não com as denúncias — afinal, eu precisaria ser mais ingênua do que Dilma e Graciosa juntas para acreditar que nem uma nem outra sabiam do que se passava na empresa — mas comigo mesma por, paradoxalmente, não mais me estarrecer diante do que ouvia.

Sinto que nada do que eu possa vir a saber sobre a Petrobras ou sobre o governo poderá, jamais, me estarrecer; a minha capacidade de estarrecimento está esgotada.

A única coisa que ainda me causa algum espanto em relação à Petrobras é o profundo silêncio dos seus 85 mil funcionários. Cadê os protestos? Cadê as passeatas? Cadê a vergonha na cara?
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Em Nova York, a filha do dono da Korean Air mandou um avião da empresa voltar ao portão de embarque depois que lhe serviram macadâmias num pacotinho, em vez do prato de porcelana que esperava. Por causa disso, o voo teve um atraso de 11 minutos, a Coreia do Sul entrou em polvorosa, as vendas de macadâmias dispararam, e a moça pediu perdão em público pelo piti. Seu pai, o poderoso CEO da companhia, reuniu a imprensa para curvar-se num pedido de desculpas ainda mais elaborado, em que reconheceu que não soube educar a filha; a gravata que usava quase tocou o chão.

Há lugares no mundo em que os envolvidos em escândalos pedem desculpas.

Vinicius de Moraes - Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.