sábado, 17 de janeiro de 2015

Dilma capitulou e ajuste é 'desatino', diz Belluzzo

Flavia Lima – Valor Econômico

A nova composição da equipe econômica do governo Dilma Rousseff e os ajustes já anunciados não são considerados traição, mas uma capitulação diante das pressões do mercado diz Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos 1.334 economistas que assinaram durante as eleições manifesto pró-Dilma e a favor do desenvolvimento econômico com distribuição de renda.

Diante dos cortes já anunciados, Belluzzo - que era visto como um interlocutor da presidente, mas que, nos últimos tempos, tem dito que ocupa mais o papel de um amigo - enxerga pela frente um período de recessão, turbinado pela redução da capacidade de empréstimos do BNDES e pelos problemas da Petrobras.

Ao ser questionado sobre o que fazer, ele diz que dá para dizer o que não fazer: "Um ajuste fiscal dessa magnitude", diz o professor da Unicamp e da Facamp. Para ele, a questão central a ser discutida é a perda de posição da indústria brasileira nos últimos trinta anos, algo que tem chance "zero" de ser levado em consideração pelo ministro Joaquim Levy. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: O sr. e um grupo de economistas de perfil heterodoxo assinaram manifesto em apoio à Dilma, que dizia que a população desaprovava políticas que afetavam os trabalhadores. Diante da política econômica atual, o sr. se sente traído?

Luiz Gonzaga Belluzzo: Não considero uma traição e sim, submissão. Ela capitulou diante das pressões do mercado, assim como os líderes europeus e uma parte do PT. Mas, antes mesmo disso, o debate ficou muito restrito a uma tolice 'liberaloide' acerca do intervencionismo. Eu me recuso a discutir isso porque não conheço nenhuma economia no mundo que não tenha intervenções. A partir dessa interpretação, o mercado exagerou o problema do desequilíbrio fiscal e passou a dizer que o BC foi leniente com a política de metas. Sendo que muitos dos que estavam criticando causaram o maior dano possível à economia brasileira ao usar o câmbio para aplacar a inflação. Mas quando o Bacha [o economista Edmar Bacha] fala do FHC faz uma água turva para esconder que o problema começou com a política econômica dita de estabilização, que segurou a inflação, mas causou danos estruturais à economia. Agora eles dizem que é preciso abrir a economia.

Valor: O sr. discorda disso?

Belluzzo: É preciso abrir com uma política que favoreça a aquisição de insumo e de peças e componentes, mas dê estímulo à exportação ou à produção doméstica - e a taxa de câmbio pode fazer isso. Quem foi cúmplice de uma valorização cambial prolongada e danosa não pode deixar de considerar os equívocos que cometeu. Agora a economia está caminhando para a recessão, não há dúvida.

Valor: Por quê?

Belluzzo: Quando o ciclo de consumo dos duráveis começou a desacelerar, o governo tinha que ter estimulado o investimento privado. E isso demorou. Ao mesmo tempo, não é verdade que a crise internacional não tenha contribuído, ela adicionou problemas à indústria. Quando terminou o ciclo de commodities o Brasil perdeu dos dois lados: pela demanda externa e pela dinâmica interna de consumo e, então, a economia resvalou para o crescimento baixo e está caminhando para a recessão.

Valor: E o que fazer?

Belluzzo: Com certeza, dá para dizer o que não fazer: um ajuste fiscal dessa magnitude. Porque querer reequilibrar a economia com um superávit fiscal quando ela está em recessão parece um desatino. Isso para não falar dos problemas da Petrobras e das empreiteiras.

Valor: A Petrobras vai contribuir para esse cenário de recessão?

Belluzzo: Esse setor tem participação grande na formação da taxa de investimento. É preciso prender os que cometeram crimes, mas preservar as estruturas. Se tiver um colapso, teremos repercussão no sistema bancário. Hoje o crédito se retraiu para esse setor. Junta-se isso com a tentativa de reequilibrar a economia. O que está na cabeça 'deles' é tentar reequilibrar a economia com o aumento da poupança do governo. Acho que vai ser a maior prova de que essas teorias da poupança não funcionam: não é possível poupar com renda em queda. Mas eles precisam justificar o fato de que é a poupança que financia o investimento, o que é uma brutalidade. Todo mundo sabe que numa economia moderna quem financia o investimento é quem adianta os recursos líquidos. E eles vêm com essa história da poupança. É um misto de estupidez com picaretagem. Para eles, o cara enriquece porque poupou. Não, o cara enriquece porque investiu, produziu para enriquecimento dele e da sociedade. Quem poupa subtrai da renda e reserva isso como riqueza privada. O Keynes tinha horror a esse negócio.

Valor: Essa recessão pode durar quanto tempo?

Belluzzo: Difícil saber. Essa ideia de que vai se fazer dois anos de ajuste parece que não tem dado certo no mundo. Vamos fazer uma 'austeridadezinha', e aí a gente sai dela em dois ou três anos. Mas ninguém menciona o fato de que enquanto dura uma recessão vai se devastando a vida das pessoas.

Valor: Mas olhando as desonerações e as transferências ao BNDES, a gente não precisava do ajuste?

Belluzzo: O problema do BNDES é que não há nenhum outro circuito para o crédito de longo prazo. Há um componente histórico de rentismo no crédito do setor privado. Os bancos brasileiros ganham com as operações de tesouraria, em cima da dívida pública, que é outra anomalia no Brasil. Reduzir a capacidade de empréstimo do BNDES vai agravar a recessão.

Valor: Mas e as desonerações?

Belluzzo: Elas foram importantes na saída da crise em 2009, mas foram prolongadas demais. O governo demorou para mudar o elemento dinâmico da economia - os investimentos - e a economia desacelerou. Mas a questão central no Brasil é a perda de posição da indústria brasileira nos últimos 30 anos. Esse é o nosso problema central e os macroeconomistas não levam em consideração porque para eles esse problema não existe.

Valor: Há chances de o Joaquim Levy levar isso em consideração?

Belluzzo: É zero. Não existe mais economia industrial nas universidades americanas. Não há essa preocupação com a indústria, eles são macroeconomistas, então raciocinam sobre taxa de câmbio, taxa de juros, dominância fiscal. Alguns ainda admitem que o câmbio é um preço relativo importante e está fora do lugar. Mas isso acontece há 20 anos. Em termos de preços econômicos mal alinhados, o Brasil é campeão mundial.

Valor: O que o sr. acha do ministro Joaquim Levy?

Belluzzo: Discordo do ele está dizendo que vai fazer. Mas, ao contrário do que disse o [economista] Luiz Carlos Mendonça de Barros, ninguém acha que o Levy é um demônio. A despeito de ser ex-seminarista, não acredito no demônio. Os demônios somos nós mesmos. O nosso amigo Luiz Carlos quis acusar nós, da Unicamp, de considerarmos Chicago e [o economista liberal americano] Milton Friedman demônios. Eu acho o Friedman um idiota que conseguiu angariar apoio de outros.

Valor: O que a Dilma pretende tendo optado por uma política econômica de perfil mais ortodoxo?

Belluzzo: Acho que ela capitulou diante das pressões do mercado. Das interpretações abstratas sobre intervencionismo. Sem dúvida ela cometeu erros lá atrás, mas não interpreto esses erros como o mercado. Não foi intervencionismo que retirou a eficiência da economia e a competitividade. E essa história do patrimonialismo, francamente, é algo penoso. Não se sabe do que se está falando. Tinha mais patrimonialismo na Inglaterra da revolução industrial do que a ideologia do liberalismo permitia ver. É ridículo fazer essa discussão em termos ideológicos. Querer que o capitalismo funcione sem a coordenação do Estado. Como diz o Keynes, o liberalismo adentrou o quarto das crianças.

Valor: O debate econômico está muito simplificado?

Belluzzo: Sim. Câmbio, políticas industriais não aparecem na discussão. Quem fala disso é o Yoshiaki Nakano, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Julio Sergio Gomes de Almeida e os pós-keynesianos todos preocupados com a situação da indústria. Para o resto, não existe.

Valor: O sr. foi um interlocutor do governo Lula. Deixou de ser do governo Dilma?

Belluzzo: No Lula as reuniões eram mais frequentes, na Dilma não. Fui professor dela, me considero seu amigo, mas isso não tem nada a ver. Eu posso dar minha opinião, mas não meter o bedelho onde não sou chamado.

Valor: Ela conversou pouco com empresários?

Belluzzo: Eu espero que isso mude. Agora essa ideia de que, a despeito da recessão, será possível reanimar os 'espíritos animais' dos empresários...Vai ter ânimo para investir só porque o outro está dizendo que vai ter ajuste fiscal?

Valor: Podemos ter recuos importantes nos avanços sociais obtidos nos últimos anos?

Belluzzo: Acho que ela vai tentar impedir, mas se a economia for para a recessão, vai ser difícil impedir o desemprego. Já existem primeiros sinais. Estou vendo alta da taxa de desemprego e uma situação social um pouco delicada.

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