quarta-feira, 18 de março de 2015

José Serra* - Armênio Guedes

- Portal do PPS

Um repórter do Estadão me pediu, na quinta feira, um depoimento sobre o Armenio. Escrevi durante o voo a SP, nuns trinta minutos, pois chacoalhou o tempo inteiro. O voo atrasou e, quando cheguei, meu Ipad não tinha internet. Só pude enviar quando cheguei em casa, depois de grandes engarrafamentos de trânsito. Já tinham fechado a matéria... De todo modo, é um texto pobre.

Armênio Guedes morreu ontem, aos 97 anos de idade. Visitei-o na semana passada no hospital onde viveria seus últimos dias. Tinha saído da UTI e oscilava entre o sono e a conversa animada, misturando tempos e temas passados com os atuais, perguntando e falando em voz bem alta. Nenhum, mas nenhum ar de sofrimento. Por isso mesmo saí de lá sem tristeza.

Conheci-o pessoalmente no Chile, durante o exílio. Éramos parceiros num trabalho de denúncia internacional da tortura e dos assassinatos políticos no Brasil. Um dos resultados foi uma sessão do Tribunal Bertrand Russel que condenou a ditadura brasileira pela violenta repressão exercida sobre seus opositores.

Armênio tinha pouco ou nada do protótipo de muitos dirigentes comunistas que eu conhecera. Para ele, a democracia era um princípio, meio e fim, longe de ser um instrumento da burguesia para exercer seu domínio sobre a sociedade. Valorizava a política e a procura permanente de oportunidades para o avanço das lutas democráticas, valorizando as grandes e pequenas contradições no seio dos adversários, inclusive entre os militares que, então, comandavam o país.

Desde que voltamos do exílio, mais ou menos na mesma época, não deixamos de cruzar e confraternizar. A boa amizade, como definiu Jorge Luis Borges, não se explica, não exige frequência nem possessividade. Cada vez que nos víamos, mesmo depois de muito tempo, parecia que entre nós tudo estava igual e atualizado. Sempre tive a sensação de que ele aprovava integralmente o que eu escrevia e o que fazia na vida pública. Sentia sempre a presença do seu incentivo mesmo sem encontrá-lo.

Quando me tornei governador de São Paulo convidei-o para trabalhar na Imprensa Oficial do Estado, mais concretamente, na equipe que faz o Diário Oficial, cuidando da área da Cultura. Para mim era natural que ele, aos 89 anos, tivesse energia e lucidez para cumprir as tarefas. Ele também achava isso. E com isso vieram a concordar seus colegas de trabalho.

Armênio era franzino, bem educado, um tanto tímido, raciocínio rápido, despretensioso, culto, amante da música e do futebol, apreciador dos detalhes e das grandes coisas da vida. A seu modo, e para nós todos, fez história. Para mim, será sempre uma fonte de ternura, exemplo e inspiração.

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* José Serra (PSDB-SP) é senador da República.

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