sexta-feira, 3 de abril de 2015

Celso Ming - Taxação de fortunas

• A principal razão pela qual o Imposto Sobre Grandes Fortunas deixou de existir em muitos países foi a de que não vale a pena mantê-lo nem como instrumento de arrecadação nem como de distribuição de renda

- O Estado de S. Paulo

Certos críticos da atual política de ajuste querem que o governo coloque em prática o Imposto sobre Grandes Fortunas, já previsto na Constituição, para que o custo da crise não se concentre sobre o trabalhador, mas atinja mais pesadamente os mais ricos.

Esta Coluna (dia 22 de março) já mostrou que esse imposto não funciona, por arrecadar menos do que custa a estrutura de governo necessária para cobrá-lo. Hoje, a Coluna trata do que aconteceu com ele onde foi instituído e de outras dificuldades para seu funcionamento.

Ele já foi extinto no Japão (1950); na Itália (1992); na Áustria (1994); na Alemanha, Irlanda e Dinamarca (1997); na Finlândia (2006); na Suécia (2007); e na Grécia (2009). A principal razão pela qual deixou de existir foi a de que não vale a pena mantê-lo nem como instrumento de arrecadação nem como de distribuição de renda.

A Suprema Corte da Alemanha, por exemplo, entendeu, ainda no fim da década de 90, que não tinha cabimento mantê-lo nem com uma alíquota baixa, nem com uma alíquota alta. Se continuasse baixa, o Tesouro alemão arrecadaria menos do que gastaria para sustentar o aparato necessário para sua cobrança. Se a alíquota passasse a ser alta, o imposto se transformaria em instrumento confiscatório.

Está em vigor na França, onde foi adotado na década de 80. Hoje leva o nome de Imposto de Solidariedade Sobre Fortunas (Impôt de Solidarité sur la Fortune). Está sujeito à taxação anual patrimônio a partir de 1,3 milhão de euros (R$ 4,7 milhões). A alíquota varia de 0,5% a 1,5% – esta última, para patrimônios acima de 10 milhões de euros.

Os especialistas são unânimes em avisar que esse imposto dificulta a avaliação da base tributária que necessariamente tem de ser o valor de mercado de cada bem.

Esta é a principal razão pela qual, na França, obras de arte, antiguidades e “bens de uso profissional” não entram no cálculo. As questões judiciais se multiplicam a todo momento. Quem trabalha em casa (no regime conhecido por home office), por exemplo, pode deduzir o valor do imóvel? Como classificar uma peça: como obra de arte ou como antiguidade? E, nesse caso, como avaliá-la de forma adequada? O produto arrecadado na França não passa de alguma coisa entre 1,0% e 1,5% do total da receita anual.

No Brasil, a discussão sobre a regulamentação do imposto vem e reflui, como as fases da lua. O ex-secretário da Receita Federal e consultor tributário Everardo Maciel (foto) não vacila quando consultado sobre o assunto: “Este é um imposto complexo, ineficiente e ultrapassado. Só está previsto na Constituição brasileira de 1988 pelas influências do clima socialista francês que prevaleciam então. De lá para cá, ninguém teve coragem de colocá-lo para funcionar. Ficou como penduricalho”.

Ao todo, são 12 as propostas de regulamentação que tramitam na Câmara dos Deputados. A mais antiga delas é o Projeto de Lei Complementar (PLP) 202/89, de autoria do ex-presidente e então senador Fernando Henrique Cardoso.

O valor da fortuna a ser taxado, assim como a alíquota do imposto, varia em cada proposta. Na apresentada por Fernando Henrique em 1989, por exemplo, patrimônios avaliados a partir de R$ 6,3 milhões seriam taxados em 0,3%. Mas há projetos que preveem taxação a partir de um patrimônio de R$ 2 milhões.

O pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (NEF) e ex-consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI) Isaias Coelho aponta outra distorção: a dupla taxação. Como o capital financeiro tem muita facilidade de fugir do país em que fosse cobrado, esse imposto tenderia a recair mais sobre bens cuja propriedade já é taxada por outros impostos, como veículos (IPVA), imóveis urbanos (IPTU) ou imóveis rurais (ITR). E, no entanto, imóveis podem aumentar de valor sem que tenha proporcionado renda a seu proprietário.

Não se pode confundir, no entanto, Imposto sobre Grandes Fortunas com o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que é cobrado apenas uma vez, ou quando há a doação ou quando morre o proprietário da fortuna./Colaborou Laura Maia

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