sexta-feira, 3 de abril de 2015

Luiz Carlos Mendonça de Barros - As consequências de um erro

• Por um erro da Fazenda, os juros cobrados na renegociação com Estados foram elevados demais

- Folha de S. Paulo

Na conflituosa agenda legislativa de hoje, a questão da renegociação da dívida de Estados e municípios com o Tesouro Nacional ocupa lugar de honra. Em um esforço de última hora, o ministro da Fazenda negociou que as novas condições de pagamento entrem em vigor apenas em 2016.

Como tive uma participação relevante nas negociações que levaram à federalização das dívidas financeiras de quase todos os Estados brasileiros --e de alguns municípios-- em 1996, creio ser minha responsabilidade trazer ao leitor da Folha alguns fatos que ficaram perdidos nestes quase 20 anos já passados.

Em 1996, com o Plano Real consolidado, a equipe econômica liderada pelo então ministro Pedro Malan iniciou a construção do que se convencionou chamar de Lei da Responsabilidade Fiscal. Buscava-se então um arcabouço jurídico que evitasse no futuro a verdadeira "irresponsabilidade fiscal" que marcou os anos iniciais da Nova República, nascida em 1985 após as trevas da ditadura militar.

A Constituição de 1988 estabeleceu que as regras para a contratação de dívidas por Estados e municípios seriam definidas pela CAE, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Portanto, para que aumentassem seu endividamento, bastava uma autorização da CAE.

Vivia-se em 1996 uma verdadeira Festa da Uva nesse campo, pois essa comissão era formada, na sua maioria, por senadores que ou tinham sido governadores ou que ambicionavam ser governadores de seus Estados.

Diante das dificuldades políticas de alterar esse quadro legal, o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, sugeriu o caminho da federalização das dívidas existentes, em condições favoráveis aos devedores. Isso seria feito por meio de um contrato entre as partes, aprovado nas Assembleias Legislativas de cada Estado, dando a esse mecanismo as garantias de cumprimento de suas cláusulas dentro de um arcabouço jurídico claro e definido na legislação brasileira. Mas uma das cláusulas estabelecidas seria a proibição por 30 anos de novos empréstimos.

Uma saída inteligente, tanto do ponto de vista legal como diante da realidade política de nossa democracia. Os devedores teriam um grande alívio no serviço da dívida, que pressionava seus Orçamentos, ao custo de não mais se endividarem no futuro. Como os políticos se movimentam olhando para o presente, e não para futuro, a adesão à proposta do governo federal foi total e entusiasmada.

Para fazer a federalização das dívidas ainda mais palatável, aos olhos dos governadores de então, foi criado um programa no BNDES para antecipar recursos de futuras privatizações de empresas públicas de propriedade dos Estados, principalmente nas áreas elétrica e bancária. Com isso adicionava-se à chamada responsabilidade fiscal de Estados e municípios uma lufada de responsabilidade econômica e financeira em estatais importantes.

O sucesso da adesão voluntária à federalização das dívidas estaduais foi um dos pilares mais importantes para que, algum tempo depois, o Congresso aprovasse o arcabouço definitivo das regras de gestão fiscal no Brasil de hoje. Para medir esse sucesso, basta olhar para os Orçamentos dos Estados brasileiros nestes 18 anos que nos separam daquele momento.

Mas, por um erro cometido pelo Ministério da Fazenda, os juros cobrados na renegociação foram elevados demais, o que fez com que os saldos devedores das novas dívidas, mesmo com os pagamentos anuais realizados, crescessem de forma insuportável.

Por isso a questão da renegociação das condições pactuadas em 1997 passou a fazer parte das pautas de reivindicações da classe política já há alguns anos. Uma obra quase perfeita ficou assim maculada pela visão eminentemente financeira da equipe de Malan.

Hoje, nas condições de fraqueza do Executivo, as tensões acumuladas ao longo dos anos pelo custo excessivo da dívida federalizada desembocaram no projeto de lei aprovado que corrige seu saldo devedor. Com isso o Tesouro Nacional terá uma perda significativa tanto no fluxo anual de recebimentos daqui para a frente como no volume de ativos a receber e que é descontado do total da dívida pública federal.

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Luiz Carlos Mendonça de Barros, 72, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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