quarta-feira, 15 de abril de 2015

Eliane Cantanhêde - FHC, Lula e a história

- O Estado de S. Paulo

Manifestações em verde e amarelo, tendo como trilha sonora o Hino Nacional, são sempre emocionantes, mexem com a alma, remetem às Diretas-Já. Mas, depois de 30 anos assistindo ao PT banhando o País com sua estrela, suas bandeiras vermelhas e seu combate à corrupção, há também uma sensação de amargura, de melancolia, quando se veem e ouvem hoje milhares ou milhões de pessoas nas ruas gritando vigorosamente: "Fora PT, fora Lula!".

É uma pena. O partido teve suas décadas de glórias, subiu a rampa do Planalto, alçou Lula à condição de campeão de popularidade e capotou. Inebriados, o partido e Lula meteram os pés pelas mãos, perderam a compostura, lambuzaram-se nos palácios, nas estatais, nas mamatas e boquinhas. É por essas e outras que, em geral, a alternância no poder é um princípio tão salutar.

De certa forma, e por motivos diferentes, Lula deve agora repetir a trajetória de Fernando Henrique Cardoso. FHC sai do inferno, Lula despenca do paraíso, e as imagens dos dois, que se distanciaram tanto na opinião pública nos 12 anos de PT, começam lentamente a se aproximar.

O tucano brilhou com o Plano Real, elegeu-se duas vezes em 1.º turno e elevou orgulhosamente o patamar do Brasil no cenário internacional, mas foi ferido por sucessivas crises econômicas externas e crises políticas internas e acabou atingido em cheio por um slogan capcioso: "a herança maldita", uma mentira criada por Lula que ganhou pernas, rodou o País e se cristalizou como verdade. O próprio PSDB escondeu o seu grande legado em três campanhas presidenciais consecutivas.

Lula foi aos píncaros com uma conjuntura econômica externa e interna muito favorável, aprofundou ao máximo a inclusão social, abriu o paraíso à classe média com o aquecimento do crédito e da demanda e iluminou o Brasil no mundo como nunca antes se teve notícia. Mas, no submundo, produziam-se o mensalão, o petrolão, as maracutaias do PT e, dali, emergiam sabe-se lá quantos Andrés Vargas, Valdomiros, Erenices, Roses. A corrupção goteja, vem do alto e se espalha em solo raso.

Tanto quanto FHC, Lula foi ao céu e, do céu, começa a descer ao inferno. Ele e os militantes renitentes ainda sonham com a volta por cima em 2018, mas o Datafolha apurou que Lula perdeu 21 pontos de popularidade entre novembro de 2010 e este abril e, pela primeira vez, se houvesse uma eleição hoje, ele perderia para o tucano Aécio Neves. É uma guinada e tanto, considerando-se que Lula é Lula. Será que Lula era Lula?

Na perspectiva histórica, bem mais adiante é possível que Fernando Henrique e Lula se acomodem em patamares mais realistas, menos passionais, com o espaço de grandes líderes que são, sem a demonização de FHC nem endeusamento de Lula. Ambos tiveram êxitos e fracassos, e, nem tanto ao céu nem tanto ao mar, deixaram uma marca indelével no País. Sessenta anos depois de sua morte, Getúlio Vargas merece uma pilha de biografias que o recolocam no patamar real de político e homem que acertou tremendamente e errou na mesma proporção.

E a história, com interessante rapidez, já começa a resgatar a real importância de FHC e tende a fazer depois o mesmo com Lula, que no poder jogou os escrúpulos às favas e passou a ver o mundo a partir do próprio umbigo, mas será para sempre, de gerações em gerações, o menino pobre de Garanhuns, o grande líder sindical, o encantador de massas que acreditava piamente incluir as pessoas e preparar o futuro com geladeira, fogões e viagens.

Mas a história tem seu tempo. Hoje, no calor de tantas emoções e tantas crises, o sentimento das ruas é de "fora Dilma, fora PT", o que, na essência, significa "fora Lula". Na narrativa cotidiana atual, ele é o santo de pés de barro, derretendo com o insaciável PT e com os desastres de Dilma - que, por essas ironias da vida e da política, nem era Lula nem era PT, mas é decisiva para apagar do horizonte o "Lula 2018".

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