segunda-feira, 8 de junho de 2015

Dois anos após manifestações, reprovação generalizada

• Presidente, e governadores do Rio e SP não conseguiram recuperar índices de aprovação anteriores as marchas

Cássio Bruno e Cristina Tardáguila – O Globo


RIO — Em 6 de junho de 2013, quando o Movimento Passe Livre (MPL) montou barricadas na esquina das avenidas 23 de Maio e 9 de Julho, em São Paulo, para impedir o reajuste nas tarifas de ônibus, 63% dos brasileiros avaliavam o governo da presidente Dilma Rousseff (PT) como “ótimo ou bom”. O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) tinha o apoio de 52% dos paulistanos, e o prefeito Fernando Haddad (PT-SP), 31%, segundo dados históricos levantados pelo GLOBO no Ibope e no Datafolha. Passados dois anos, nenhum desses políticos conseguiu recuperar o patamar de popularidade que tinha antes das manifestações de rua. Dilma tem hoje aprovação de só 12% dos eleitores, Alckmin, de 38%, e Haddad, de 20%.

No Rio de Janeiro, o cenário não foi diferente. O então governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), que, em 2010, chegou a ser avaliado como “ótimo ou bom” por 55% da população, deixou o cargo em abril de 2014, quase um ano depois dos protestos, com menos da metade da aprovação: 20%. O prefeito Eduardo Paes (PMDB-RJ), que tinha o apoio de 50% dos cariocas quando os manifestantes tomaram a Avenida Presidente Vargas, no Centro, pela primeira vez, era tido como “ótimo ou bom” por não mais de 37% dos eleitores no último mês de julho.

O efeito das manifestações também foi devastador nos índices de aprovação do Congresso Nacional. Em março de 2013, três meses antes dos protestos, deputados e senadores eram tidos como “ótimos” por um quinto dos brasileiros. Um total de 33% classificava-os como “ruins”. Dois anos depois, o cenário piorou muito. Só 9% dos brasileiros veem os parlamentares como representantes “ótimos”. Metade os considera “ruins”.

Clima mais acirrado nas ruas
É, portanto, inegável a cicatriz deixada por algumas das maiores manifestações da História do país na confiança do povo em seus representantes políticos. Em entrevista recente ao GLOBO, Cabral admitiu que “foi muito duro” para ele e para sua família conviver com aqueles protestos, sobretudo os que se instalaram na porta de sua casa. Dilma, Alckmin, Haddad e Paes foram confrontados com a queda de sua popularidade, mas se negaram a comentar o assunto.

— Fizemos pesquisas junto às prefeituras das capitais e aos governos estaduais e concluímos que os políticos cumpriram poucas promessas feitas aos manifestantes de 2013: só as que versavam sobre transporte, ou seja, implantação de linhas de ônibus e o congelamento temporário de passagens. Eles não cumpriram nada relacionado à transparência de gastos públicos. A conclusão é que o Estado brasileiro, independentemente dos partidos no poder, não quer democratizar nada. Não quer criar transparência — afirma o sociólogo e cientista político da PUC-SP Rudá Ricci.

Para a empresária Tatiane Tirindelli, de 31 anos, a falta de uma pauta com temas organizados fez com que a maioria das reivindicações não fosse atendida pelo poder público:

— De maneira geral, as pessoas, simplesmente, estão insatisfeitas, mas não sabem reivindicar o que querem. Por não terem uma reivindicação específica, os protestos acabaram não levando a lugar algum.

Apesar disso, analistas apontam ecos dos protestos de 2013 nos últimos tempos. Dizem que há, sobretudo, um clima mais acirrado nas lutas urbanas.

— O ano de 2013 teve um pico grevista quase tão grande quanto o de 1989 — diz Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da USP, citando dados do Sistema de Acompanhamento de Greves do Dieese. — Foram 1.900 greves, contra cerca de 800 em 2012.

Autor do livro “A pulsão plebeia: trabalho, precariedade e rebeliões sociais”, que acaba de ser lançado pela editora Alameda, ele também chama a atenção para o fortalecimento dos movimentos populares urbanos:

— Em 2013, o município de São Paulo tinha cerca de 200 ocupações do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Em 2014, esse número pulou para mais de 700. É claro que eles saíram fortalecidos.

Para a advogada Kizzy Mota, de 25 anos, que também foi às ruas, os protestos deixaram resultados positivos e negativos.

— Tivemos a oportunidade de perceber que o Brasil está longe de ser um país efetivamente democrático porque houve muita repressão. Por outro lado, a população está cada vez mais buscando uma identidade, uma unidade política — avalia.

O pesquisador Julio Aurélio, que na próxima quarta-feira fará uma palestra sobre o assunto na Casa de Rui Barbosa, comparou as manifestações de 20 de junho de 2013 com as de 15 de março e 12 de abril deste ano.

— Em comum, esses protestos têm a crítica à corrupção e à classe política. Foram mobilizações difusas, independentes de corporações organizadas, e contaram com o Facebook como principal meio de convocação. Por outro lado, em 2013, falava-se da qualidade da vida comum, da vida política e dos serviços públicos. Nos protestos deste ano, o foco era a corrupção política.

Inflação e falta de dinheiro
Ricardo Ismael, professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-RJ, vê outras diferenças entre 2013 e 2015. Para ele, a situação é mais crítica para a presidente Dilma:

— Em dezembro do ano passado, ela sofreu um baque com a economia, com o aumento da inflação e o crescimento do desemprego — avalia. — A popularidade dos prefeitos vem sendo prejudicada pela falta de dinheiro, decorrente do ajuste fiscal. A dos governadores, pela paralisação de obras e greves. A onda é outra.

Ao fazer um balanço do que significou 2013, Ruy Braga enxerga ainda os frutos do que chamou de “choque de democracia”.

— Há décadas temos um sistema político blindado, caro e que repele as pessoas comuns. Mas, nos últimos anos, tivemos a universalização da Educação, a ampliação das redes sociais e o surgimento de uma nova cultura democrática. Esses dois lados do Brasil se chocaram em 2013, revelando um descontentamento geral. Foi um choque de democracia. Mas mesmo assim foi bom. O Brasil amadureceu.

Um dos aprendizados da rua foi o seguinte: quando os radicais chegam — sejam eles da corrente que for —, as manifestações definham. E, tanto para Braga quanto para Ricci, isso tem a ver com a essência do brasileiro: um ser pragmático e, em sua maioria, conservador.

— Pesquisas recentes mostram que o brasileiro é a favor da ordem social. Não gosta de greve, de manifestações agressivas. Em termos de valores, tende a ser conservador. Valoriza a família e o sucesso pelo trabalho. Quer uma paz estatal — explica Ricci. — Foi por isso que líderes como Getulio Vargas e Lula tiveram tanto apego popular. Eles estimularam um Estado protetor, um Estado disposto a fazer justiça social.

— O grosso da população pensa pragmaticamente — completa Braga. — Não quer uma agenda artificial, ideológica para carregar. Busca soluções para os problemas de seu dia a dia. Quer resolver questões concretas como o ônibus, a escola e o posto de Saúde. Costuma fugir de abstrações. Portanto, é muito natural que haja um desgaste do engajamento popular no momento em que os radicais aparecem nas ruas. (Colaborou Marta Szpacenkopf)

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