terça-feira, 9 de junho de 2015

Míriam Leitão - As contradições

- O Globo

O governo Dilma é um poço de contradição, e o PT é outro. Ela está defendendo Joaquim Levy, que tem sido atacado como “Judas” pelo seu partido, por estar conduzindo uma política econômica que se tornou necessária para salvar o governo dos seus próprios erros. O que a presidente deveria fazer é explicar por que negou tanto que o ajuste fosse necessário e agora o faz.

Carlos Araújo, ex-marido da presidente, disse que ela se deu conta da necessidade de ajuste fiscal durante a campanha. Ora, não parecia. Ela usou todas as entrevistas para negar a existência do problema e acusar os outros candidatos de prepararem medidas amargas, que seriam, como garantiu, desnecessárias.

Não há um argumento da presidente que fique em pé. Ela deveria nos poupar, ao menos, da tese de que o desequilíbrio fiscal é resultado da crise internacional. Dilma repetiu isso na entrevista que concedeu ao “Estado de S. Paulo”. O descontrole das contas públicas foi provocado pela política econômica que ela aprovou, defendeu, e que, além de quebrar os cofres públicos, não deu sequer o resultado de manter o crescimento.

Dilma defende Levy contra os ataques do PT. E o faz porque o partido prepara seu congresso para esta semana. “Não se pode fazer isso: criar um Judas. Isso é mais fácil. É bem típico e uma forma errada de resolver o problema”, disse ela à repórter Tânia Monteiro, do “Estado”. Falta completar a frase. Essa ideia de criar um culpado é bem típico do PT, que sempre fez isso no passado: o Fernando Henrique, a imprensa, as “elites”, entre outros, foram acusados de serem os causadores dos problemas. E, dessa forma “típica” de agir, nem ela foge. Ela também culpa a crise externa pela crise causada pelos seus erros.

Hoje o governo lançará um novo plano de concessões para a logística. Por coerência, deveria antes prestar contas do último Plano de Logística, lançado em 2012, tendo como principal estrela o defenestrado Bernardo Figueiredo, com a promessa de R$ 133 bilhões de investimentos, sendo R$ 99 bi em ferrovias, e a ideia da compra pela Valec de toda a oferta de transporte ferroviário. Desta vez, o governo usará ideias e modelos que criticou. Todas as contradições serão ignoradas, e o governo apresentará o plano como ideia nova, esquecendo o que disse e fez no passado.

A presidente afirmou que o Congresso não votou contra o governo, mas admite que a mudança na forma de aposentadoria não pode ser como foi aprovada pelo legislativo e, em seguida, conta que há uma nova fórmula ainda não desenvolvida; uma espécie de “85/95 progressivo”. Deveria explicar o que tem em mente. Não o faz porque o governo não sabe o que será. Apanhado de surpresa e com os votos da sua própria base, o governo permanece dividido sobre a questão. Há uma ala que diz que é simples, basta ajustar a medida aprovada no Congresso, e outra que admite que ainda não se sabe como vai funcionar essa nova ideia. Em poucas palavras: o governo não entendeu ainda que o fim do fator previdenciário exigirá que ele apresente uma proposta coerente de reforma da previdência. E não será simples.

Também não será rápido retomar o crescimento. Não é com um par de medidas provisórias fracas — e mais enfraquecidas no Congresso — que se resolveu todo o estrago feito no passado. A presidente apresenta como se bastasse este pequeno ajuste, “mais algumas medidas que serão anunciadas até agosto” para se retomar o crescimento. O ex-presidente Lula, sombra de Dilma, tenta acalmar as correntes petistas que se preparam para fazer a coisa típica durante o 5º Congresso: culpar alguém. Ele mesmo as insuflou contra o ministro da Fazenda, que ele mesmo havia indicado, mas agora Lula quer trocar os ataques por defesa de uma tal “agenda de desenvolvimento”.

Como não será por campanhas de Lula nem por simplificações de Dilma que o crescimento voltará, o ministro Joaquim Levy acabará sendo escolhido para ser o “Judas”. Ele foi nomeado para isso. O PT precisa ter alguém para terceirizar a culpa. Como autocrítica não é o seu forte, nem de seu comandante em chefe, nem da ocupante do cargo da presidente, Levy é o alvo mais provável dos ataques quando o crescimento demorar a voltar. Esse governo será assim até o final: um poço de contradições.

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