sábado, 25 de julho de 2015

Ana Maria Machado - Que oposição é essa?

- O Globo

• Quem devia ser responsável fica dizendo tolices tão primárias que só pode ser de propósito e má fé para confundir

Agora que o presidente da Câmara diz ter passado para a oposição, será que está achando que ela virou sua aliada? Como fica o cidadão que se opõe ao governo mas se opõe igualmente a tudo o que Eduardo Cunha, Renan Calheiros e semelhantes representam? Para não falar na repugnância em correr o risco de ser confundido com setores francamente golpistas e retrógrados, tanto em termos de comportamento quanto de política e moral. Está tudo embaralhado, a exigir atenção, para saber em que terreno se pisa.

Meu pai foi jornalista e político de oposição a vida toda. Mas para ele, o interesse da nação estava sempre em primeiro lugar. Por isso, nunca foi do contra - como assinalou um analista político ao fazer sua biografia. Claro, isso foi em outros tempos. Hoje teria mais de um século de idade. Mas tenho lembrado muito dele nestes dias de intolerância, tão confusos, em que se chega ao ponto de ver a oposição votando no Congresso contra suas próprias bandeiras, só pra contrariar. E lembrei da remota conversa que os dois tivemos sobre oposição quando eu ainda era bem menina e lhe perguntei sobre o significado dessa palavra. Ele estendeu as mãos sobre o tampo da escrivaninha e me disse para fazer o mesmo. Mostrou-me, então, que o polegar podia se alinhar e se somar aos outros dedos, em paralelo, ou a eles se contrapor em perpendicular. Explicou que o importante era fazer sempre o movimento que fosse melhor para o corpo todo - fosse segurar algo, usar uma ferramenta, levar comida à boca, defender-se. E falou na importância crucial do polegar opositor, característica dos primatas, assunto que fascinava a menina acostumada a ver a Ilha dos Macacos no zoológico da Quinta da Boa Vista. Nesse dia entendi como essa oposição era fundamental para a humanidade, sobretudo porque entre nós se faz acompanhar da linguagem, que possibilita a troca de ideias.

É claro que a linguagem por vezes confunde em vez de esclarecer. Um dia desses, um jornal dizia, em manchete, que o PSDB aposta no impeachment. E abria a reportagem com essa frase, repetida. Ao procurar no corpo da notícia qual líder do partido fizera essa declaração primária e leviana, verifiquei que não se citava nenhum: apenas se registrava que um prócer tucano respondera a uma pergunta dizendo que o partido está preparado para governar. Ou seja, a oposição faz e diz muita bobagem, mas nem todas as que lhe atribuem são verdade.

Quem devia ser responsável fica dizendo tolices tão primárias que só pode ser de propósito e má-fé para confundir. Não podem achar realmente o que dizem. Não é possível que Eduardo Cunha creia que o Planalto se articula com o procurador-geral da República para constranger o Legislativo. Ou que a presidente acredite que a colaboração premiada (criada e assinada por ela, nos moldes de legislações estrangeiras que permitiram punir a máfia e fundamentaram a Operação Mãos Limpas na Itália) é comparável às torturas do tempo da ditadura, igualando caminhos constitucionais e barbárie. Também não dá para levar a sério que respeitado comentarista identifique políticos investigados por corrupção, dentro de um marco constitucional, com os judeus perseguidos pelo nazismo, e assim iguale o Judiciário à Gestapo.

A confusão aumenta quando, diante da realidade que se impõe, o ministro da Justiça para de negar a existência de irregularidades à vista de todos mas insiste em não admitir qualquer parcela governamental de responsabilidade nelas. Estarão descobrindo que os corruptos eram oposicionistas infiltrados e o governo nem desconfiava? Nesse caso, como conciliar a tão gabada perfeição gerencial, apresentada ao país pela propaganda oficial, com a ignorância absoluta sobre tudo o que se passava?

Ao perder por pouco a eleição, os tucanos falaram em formar um Shadow Cabinet , com especialistas por áreas e propostas alternativas. Parecia boa ideia. Mas não é o que se tem visto, tanto nas declarações incendiárias de alguns e nos votos irresponsáveis de deputados quanto em hesitações pendulares sobre palavras de ordem.

Marina Silva, por sua vez, que por muito pouco não teve essa crise caindo em seu colo (bastava que a data das eleições fosse outra, quando subia como um foguete após a morte de Eduardo Campos) só agora, após longo silêncio, mostra que está no país. Traz uma palavra legalista, de bom senso e respeito às instituições, pedindo calma nessa hora e sugerindo o afastamento dos que forem denunciados ao STF, após provas obtidas em investigações.

O ex-candidato verde Eduardo Jorge, com dose maior ainda de bom senso, propõe uma rica pauta de discussão, que inclui o afastamento de Dilma do PT, a formação de um governo de crise com um programa mínimo de emergência e a redução dos ministérios de 40 para 15, que comporiam um conselho operacional, embrião de uma frente parlamentarista para o futuro - em outros mandatos, não agora.

De todas essas oposições pode vir um confronto de ideias que ajude o país. Faz parte das vantagens da democracia.
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Ana Maria Machado é escritora

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