sábado, 1 de agosto de 2015

Contas que não fecham

Ajuda dos estados e municípios

• Governos regionais economizam r$ 19,3 bi no semestre e evitam déficit no setor público

Gabriela Valente – O Globo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Sem margem de manobra ou força política para reduzir gastos, a equipe econômica conta cada vez mais com o desempenho fiscal de estados e municípios para acertar as finanças. Foi por causa dos governos regionais que o resultado das contas públicas terminou o primeiro semestre deste ano no azul. Apesar de o setor público ter conseguido poupar R$ 16,2 bilhões para pagar juros da dívida pública nos seis primeiros meses deste ano, o superávit primário ficou bem abaixo do esperado pelo mercado financeiro. Foi o pior desde quando o Banco Central (BC) passou a registrar os dados, há 14 anos. Para especialistas, a dependência, por parte da União, do esforço fiscal de estados e municípios tende a aumentar no curto prazo, e o país só deverá voltar ao equilíbrio fiscal em três ou quatro anos, ou mais.

Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, ressalta que, além de contar com os resultados de estados e municípios, a União ainda segura as transferências voluntárias que normalmente faz para esses governos.

- Há muito tempo estamos dependentes dos governos regionais - observa o economista.

Resultado é considerado negativo
Por causa dos gastos públicos que não param de crescer e da recessão que fez minguar a arrecadação de impostos, a União amargou um déficit primário de R$ 1,9 bilhão no semestre. Um dia antes, o Tesouro divulgara um déficit primário de 1,6 bilhão no governo central - a metodologia é diferente da adotada pelo BC. Já as empresas estatais tiveram desempenho negativo de R$ 1,2 bilhão, enquanto estados e municípios economizaram R$ 19,3 bilhões, e, com isso, o superávit primário do setor ficou positivo em 0,57% do Produto Interno Bruto (PIB).

Esse resultado, entretanto, é considerado negativo, porque mostra a debilidade da União e uma dependência de governos estaduais e municipais que, tradicionalmente, gastam pouco no primeiro ano do mandato. Na semana passada, o governo reduziu a meta de superávit primário deste ano de 1,19% do PIB para 0,15%, o que ajudou a aumentar o clima de desconfiança. Nesta semana, a agência de classificação de risco Standard & Poor"s colocou a nota do Brasil em perspectiva negativa, ou seja, avisou que pode revisar a nota para abaixo do grau de investimento, que é uma espécie de selo de bom pagador.

- A questão do Investment grade não passa só pela questão fiscal. É avaliada com uma série de fatores. É um ano de transição com o objetivo de ter um ambiente econômico mais favorável à frente para dar suporte a um crescimento mais sustentável - diz o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel.

Os números de junho ajudam a piorar o cenário. O governo gastou muito mais do que arrecadou e registrou déficit primário (receita menos despesas, excluindo gastos com juros) de R$ 9,3 bilhões no mês. Foi o pior desempenho desde 2001, quando o BC começou a série histórica. O rombo foi causado basicamente pela União.

O setor público consolidado (inclui também os governos regionais e empresa públicas) fechou o período de 12 meses encerrados em junho com déficit primário de R$ 45,7 bilhões ou 0,8% do PIB. É mais um recorde negativo: o pior desempenho da série iniciada em 2001.

Para Alberto Ramos, economista-chefe do Goldman Sachs para a América Latina, o quadro de deterioração das contas públicas deve perdurar por um bom tempo. Ele avisa que o processo de consolidação fiscal deve ser gradual. Durará três ou quatro anos, "talvez mais".

"Em nossa avaliação, no final do processo de consolidação orçamental, o Brasil precisa acabar com um superávit primário de 3% a 3,5% do PIB. Este seria o nível de superávit primário que iria colocar a dívida pública bruta em uma trajetória declinante clara; algo que é necessário para o Brasil para reconstruir os padrões fiscais", frisou o analista em relatório enviado aos clientes.

Efeitos da crise política
A alta dos juros piora mais o cenário. O Brasil gastou R$ 417 bilhões somente em juros da dívida pública nos últimos 12 meses. São 7,32% do PIB: outro recorde. Por causa dessa despesa com encargos da dívida pública, faltaram R$ 462,7 bilhões para fechar as contas. Com isso, houve déficit nominal (conta que inclui também as despesas com juros) de 8,12% do PIB, também o pior da série histórica.

O ajuste das contas públicas é fundamental para poder investir, atrair recursos do exterior e também para ajudar o Banco Central no controle da inflação. No entanto, para Maciel, superávit menor não significa necessariamente mais pressão sobre os preços praticados no país.

- (O superávit primário no semestre) É consistente com a evolução para uma zona de neutralidade (ou seja, os gastos públicos não contribuirão para acelerar os preços). Não sendo descartada lá na frente a migração para uma zona de contenção (quando as despesas públicas ajudam a frear os preços).

Com a debilidade do resultado fiscal, a relação entre a dívida pública e o PIB - principal indicador da saúde das contas públicas - piorou. Passou de 33,6% em maio para 34,5% em junho.

Apesar dos números ruins, o economista Francisco Petros acredita que o país vai terminar o ano com superávit primário de 0,5% do PIB:

- A crise política fez com que as medidas de ajuste fiscal não fossem aprovadas como o governo desejava. O conjunto de escândalos, como a operação Lava-Jato, cria uma pauta própria no Congresso, que, diante de um governo fraco, faz pressão para que o ajuste fiscal não seja adotado. Há muitas modificações. Então, a recessão é muito mais agravada pelo efeito da crise política na economia.

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