sábado, 1 de agosto de 2015

Empreiteira admite cartel em obras de Angra 3

Racha no clube

• Camargo Corrêa confirma cartel em Angra 3 e entrega outras empreiteiras ao Cade

Cleide Carvalho, Germano Oliveira, Sérgio Roxo e Tiago Dantas

SÃO PAULO - A Camargo Corrêa se tornou ontem a primeira grande empreiteira investigada na Operação Lava-Jato a fechar acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Confessou ter participado de cartel para viciar contratos de R$ 3 bilhões das obras da usina nuclear de Angra 3, e denunciou seis outras participantes do conluio, num esquema semelhante ao descoberto na Petrobras: Andrade Gutierrez, Odebrecht, Queiroz Galvão, EBE, Techint e UTC. A empreiteira também delatou 22 executivos das empresas que teriam participado do esquema de pagamento de propinas em troca de vantagens para o consórcio em licitações e contratos.

O Ministério Público Federal participou do acordo. O processo no Cade trata apenas da prática de cartel. A Controladoria Geral da União (CGU) examina pedidos de acordos de empreiteiras que querem evitar a perda de contratos com o setor público, mas nesse caso há a exigência de reconhecimento de outros crimes.

Segundo a Camargo Corrêa, representantes da UTC e da Odebrecht, Antonio Miranda e Henrique Mendes Neto, respectivamente, tinham "papel de destaque" no cartel e faziam os contatos com a Eletronuclear, inclusive na "área política". Os contatos eram o vice-almirante Othon Pinheiro da Silva, então presidente da estatal, e Miguel Colasuonno, ex-prefeito biônico de São Paulo que presidiu o conselho de administração da empresa e morreu em 2013. Othon Silva foi preso na última terça-feira. Colasuonno era do PMDB. Entre os contatos na Eletronuclear foi citado ainda Luiz Manuel Amaral Messias, superintendente da estatal, identificado como "Dr. Salvador".

A Camargo Corrêa contou que o auge do cartel se deu entre outubro de novembro de 2013, mas que as negociações entre os dois consórcios montados para fraudar a licitação, o UNA3 e o Angra3, perduraram até setembro do ano passado. Os dois consórcios se uniram num só, o Angramon. Valter Cardeal, diretor de Geração da Eletrobras, teria questionado Othon Silva sobre os valores do contrato, que teriam ficado "acima do esperado". Cardeal pediu desconto de 20%, mas o percentual acabou em apenas 6%. A suspeita é que o então presidente da Eletronuclear tenha agido em defesa do cartel em troca de R$ 4,5 milhões. Ele nega.

Segundo a Camargo Corrêa, os presidentes das empresas do cartel se reuniram em 1º de setembro de 2014, após a concorrência em Angra 3, para discutir "compromissos assumidos com outras pessoas por terem conseguido vencer a licitação por meio do cartel", além de "celebrar o êxito". Nesta reunião estavam, por exemplo, o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, e Fábio Gandolfo, executivo da Odebrecht, apresentado como representante de "altíssimo" escalão. Gandolfo foi levado a depor coercitivamente na Lava-Jato. Segundo a Camargo Corrêa, ele articulou preços, divisão do mercado e decidiu sobre os "compromissos".

Em delação premiada, Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa e um dos signatários do acordo com o Cade, disse que "compromissos" eram propinas a serem pagas ao PMDB, equivalentes a 1% do valor do contrato.

Flávio Barra, executivo da Andrade Gutierrez, disse em depoimento, que numa das reuniões, em agosto de 2014, Ricardo Pessoa afirmou que as empresas teriam de fazer uma "contribuição" ao senador Edison Lobão (PMDB-MA), ex-ministro de Minas e e Energia. Em depoimento à PF, Gandolfo, da Odebrecht, também falou que Pessoa pediu doação ao PMDB. Nessa versão, Andrade e Odebrecht teriam recusado.

As reuniões do cartel eram na Queiroz Galvão e da UTC, ambas no Rio. Como sabiam que os encontros eram ilegais, os executivos entravam por portas laterais, evitando o registro da portaria. Quando os temas eram "sensíveis", apenas o alto escalão das empresas participava.

A Camargo Corrêa afirmou que os documentos e informações entregues ao Cade são frutos de investigações internas, com auditores independentes. A Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez negam as acusações e dizem que a licitação e o contrato de Angra 3 foram feitos dentro da lei. A Odebrecht disse não ter como se manifestar porque desconhece o acordo de leniência. A UTC não se pronuncia sobre investigações em andamento. Contatos de EBE e Techint não foram localizados.

Recuperação recorde
Enquanto começa a avançar no setor elétrico, a Lava-Jato já bate recorde de recuperação de dinheiro público desviado. Ontem, a Petrobras recebeu R$ 139 milhões devolvidos pelos ex-executivos Pedro Barusco e Paulo Roberto Costa de contas no exterior, como parte dos acordos de delação premiada. Até agora, a estatal já recuperou R$ 344 milhões dos contratos fraudados aos seus contratos. No total, a Lava-Jato já recuperou em contas e bens bloqueados R$ 870 milhões. Disso, R$ 385 milhões são objeto de repatriação. O valor total é 25 vezes maior do que os R$ 34,1 milhões que o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça conseguiu repatriar de recursos públicos desviados para o exterior entre 2004 e 2014: R$ 34,1 milhões

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