quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Míriam Leitão - Os efeitos do dólar

- O Globo

A conturbada conjuntura econômica brasileira não precisa de nenhum novo complicador, mas tem. O dólar instável provoca uma série de efeitos indesejáveis. A inflação fica mais pressionada e já está numa proximidade perigosa de dois dígitos. A dívida da Petrobras cresce. Os combustíveis estão mais baratos no exterior, pela queda do petróleo, mas, quando o dólar sobe, a margem da empresa fica menor.

Por enquanto, a estatal ainda está importando combustível com lucro, pela queda do preço internacional, mas esse ganho cai quando a moeda americana sobe. O que é mais assustador para a empresa, no entanto, é o tamanho de sua dívida que, por ser muito dolarizada, sobe fortemente. No balanço do segundo trimestre, dos R$ 415 bilhões de endividamento bruto da companhia, R$ 305 bilhões estavam atrelados à moeda americana, ou 73% da dívida total.

O dólar já acumula alta de 35% este ano. Em 12 meses, o aumento é de quase 60%. O real é uma das moedas que mais perderam valor no mundo. Há vários motivos para a alta: o fortalecimento da economia dos Estados Unidos e a perspectiva de elevação dos juros, que afetou o câmbio no mundo inteiro; os rebaixamentos da dívida brasileira e das empresas brasileiras, por consequência; a dúvida sobre a China, que tem provocado altas e quedas bruscas nas bolsas do mundo; a nossa incerteza política que tem piorado a cada dia.

Há uma redução nos últimos dias da convicção dos analistas financeiros sobre a possibilidade dos juros americanos subirem no mês que vem. Era dado como certo, não é mais. Em parte, pela crise chinesa. Vários economistas, entre eles o ex-secretário do Tesouro e ex-assessor de Barack Obama, Larry Summers, dizem que não é a hora ainda de mudar a política monetária porque as dúvidas sobre a China colocam a economia mundial em compasso de espera. Se os juros não subirem, é uma pressão a menos no dólar no Brasil. Mas a incerteza política brasileira está longe de terminar.

O real desvalorizado ajuda exportadores. Esta é uma velha máxima. O país já aprendeu, contudo, que quando o câmbio está em idas e vindas, em período de volatilidade, os contratos de exportação são adiados. O lado bom da desvalorização não acontece no primeiro momento. O lado ruim, que é o custo financeiro maior para as empresas endividadas em dólar, vem mais rapidamente. O repasse do câmbio à inflação não é tão imediato, mas acontece. O problema é que o país está na marca do pênalti. Se a inflação subir um pouco mais, baterá em dois dígitos e há uma reação psicológica a isso. Normalmente, fortalece a indexação.

O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, avalia que se o dólar permanecer nesse patamar de R$ 3,60, o mercado terá que rever as projeções de inflação para o ano que vem. O que atenua esse efeito de alta no IPCA é o aumento de juros pelo Banco Central, a queda dos preços das commodities nos mercados internacionais, e a recessão no país.

— Se ficar nesse patamar, tem repasse. O que é difícil prever é o quanto e quando. A conjuntura no Brasil é muito incerta, com crise econômica, política, mais a Operação Lata-Jato, e agora temos a China. Acredito que a inflação termine este ano em cerca de 9,5% e caia para 6% no ano que vem. Se o dólar continuar nesse nível, pode subir para 6,3% ou 6,5% — afirmou Cunha.

Fábio Silveira, da Go Associados, calcula que o preço do diesel esteja favorável à Petrobras em cerca de 30%. Ou seja, a empresa está tendo ganhos com a importação, porque os preços internacionais desabaram e houve um forte reajuste interno. Já com a gasolina, há perdas desde abril, mas em agosto isso diminuiu para apenas 2%.

— O petróleo do tipo brent caiu 16% este mês, enquanto o dólar subiu cerca de 10% em relação ao real. Então, tudo somado, está sendo benéfico para a Petrobras. Pelas minhas contas, ela perdeu cerca de R$ 70 bilhões em quatro anos, com a defasagem dos derivados, e este ano está ganhando R$ 10 bilhões. Essa diferença virou dívida para a empresa — afirmou Silveira.

Mais do que a alta, a volatilidade é que preocupa. Ontem o dólar fechou em ligeira queda, mas antes chegou a R$ 3,65. A gangorra cambial é o complicador a mais numa conjuntura que já tem muita fonte de instabilidade.

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