quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Vinicius Torres Freire - Tomara que seja o fundo do poço

• Crédito chega à estagnação quando renda, investimento e confiança estão no vermelho escuro

- Folha de S. Paulo

Todo o mundo deve estar estafado e farto de saber, se não sente na própria carne, que a economia vive o maior colapso em mais de 20 anos. Cada baciada de números horríveis, no entanto, suscita um sentimento ambivalente. Dados os indicadores e o ambiente sociopolítico tóxico, como a recessão não é ainda maior? Ou a recessão ainda vai se revelar maior? Amanhã, sai o resultado do PIB. Por ora, resta esperar com fé que isso que estamos vendo seja o fundo do poço.

O crescimento do total de dinheiro emprestado pelos bancos chegou praticamente a zero, soube-se nesta quinta (aumento de 0,3%, descontada a inflação, em relação a julho do ano passado). Nos bancos privados, o estoque de crédito cai desde março de 2014, encolhendo agora 4,4%. Na breve recessão de 2009, o crédito das instituições privadas chegou perto de estagnar, mas não ao vermelho. Essa baixa foi muito mais do que compensada pelo aumento do crédito dos bancos públicos (BNDES, Caixa, BB). Assim, o total de empréstimos continuou a crescer 10%, no pior momento daquele ano. Agora, acabou o dinheiro público.

Note-se de passagem que o governo gostou tanto do remédio que se viciou, estatizando parte adicional do crédito, na prática comprando fatias de mercado por meio do aumento da dívida pública, criando vários problemas grandes com uma cajadada só. Fez muito mais dívida pública e, a partir de 2010, inflacionou o país em um mundo à beira da deflação, o que entre outras coisas ajudou a piorar ainda mais a situação da indústria, já asfixiada pelo real forte ("dólar barato"). No final de 2010, os bancos públicos detinham 42% do total (estoque) de crédito; em julho de 2015, 55%.

A alta do crédito em 2009, enfim, compensou o colapso da renda do trabalho, que naquele ano foi menor que o da recessão de agora, de resto.

Decerto em geral é o investimento (ampliação de negócios e de construção) que acaba por comandar mergulhos e saltos do PIB. Mas os investimentos estão em colapso também, por motivos que vão bem além do desânimo econômico.

O sistema político travou, desmorona e não há por ora perspectiva de fim da agonia. Parte importante do investimento evaporou devido aos efeitos colaterais do inquérito do petrolão, além dos efeitos secundários da asfixia financeira da Petrobras. O ajuste fiscal feito inevitavelmente a machadadas, dado o desastre das contas de Dilma 1, deve talhar de 30% a 40% do investimento federal "em obras".

A crise externa renovada, rodada China, ajuda a manter no chão a confiança econômica, em baixa desde 2013.

No final de 2008, a taxa real de juros básica no mercado estava em pouco mais de 9% ao ano, um tanto mais alta do que agora (perto de 8%). Como a economia estava em certa ordem, pelo menos quanto ao arroz com feijão macroeconômico, os juros caíram para o patamar de 5% em seis meses. Desta vez é diferente. A taxa real de juros tende a subir até o início do ano que vem.

Não há crédito, renda, confiança, investimento privado e dinheiro para gastar no governo –ao contrário, não há, no momento, meios de conter o aumento do deficit. Há um alívio, ainda mínimo, na melhora das contas externas.

Talvez isso se chame o fundo do poço. Tomara.

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