quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A prisão dos intocáveis – Editorial / O Estado de S. Paulo

Por mais que a corrupção na vida pública ofenda os valores fundamentais de uma sociedade democrática, como tudo que se torna banal e corriqueiro ela acaba de alguma forma contaminando e se sobrepondo a esses valores. Na política nacional, a corrupção – o toma lá dá cá ou o é dando que se recebe – assumiu ares de mal necessário sem o qual não existe governabilidade nem os partidos podem exercer suas funções. 

O enraizamento dessa concepção deturpada de “política” é o princípio do fim da democracia, porque consagra o poder hegemônico do dinheiro sobre todos os valores humanos. É preciso, portanto, ter muito clara a exata extensão desse contágio que, na chamada era petista, tornou endêmica a corrupção na vida pública, para que a sociedade possa reagir a essa devastadora ameaça. Este é o grande serviço que os meios de comunicação têm prestado ao País, ao divulgar extensivamente as apurações da Operação Lava Jato e de outras que expõem as fétidas entranhas da má política. 

Nos últimos dias, esse dever cívico foi cumprido à risca, culminando com as notícias da prisão preventiva do primeiro-amigo do ex-presidente Lula, o pecuarista José Carlos Bumlai, do senador Delcídio do Amaral, petista que é líder do governo no Senado, e do banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, todos envolvidos no megaescândalo do petrolão.

Hoje em dia a corrupção no governo só não é encontrada onde não é procurada. Isso não é obra do acaso nem o resultado de uma conspiração dos meios de comunicação “de direita” contra o “governo popular” do PT. O Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal (PF) e o Poder Judiciário investigam e processam, exibindo ao público indignado de que forma a corrupção abastece os cofres de partidos políticos, maximiza os lucros de empreiteiras de obras públicas e de outras empresas e recheia as contas bancárias, aqui e no exterior, de políticos, altos funcionários de estatais e operadores dos esquemas escusos.

Com sua inesgotável capacidade de arranjar desculpas e atenuantes para seus pecados, os petistas alegam que investigações como a da Operação Lava Jato só têm sido possíveis porque os governos de Lula e de Dilma têm garantido ao MPF e à PF os recursos e a autonomia necessários. Mas isso não é mérito, apenas obrigação. E isso não elide o fato de que os mesmos petistas, inclusive o chefão Lula, vivem reclamando da “falta de controle” do Palácio do Planalto sobre as investigações em curso.

Lula e seus correligionários têm todos os motivos para estarem preocupados com o andar da carruagem, pois as prisões de José Carlos Bumlai, de Delcídio do Amaral e de André Esteves mostram que, havendo indícios sólidos do cometimento de crimes, nem mesmo os grandes figurões da política e das finanças escapam da prisão. Já não são protegidos pela “boa vontade” de autoridades míopes nem se podem esconder atrás do biombo de amizades poderosas, de imunidades parlamentares ou de riquezas assombrosas havidas com espantosa rapidez. José Carlos Bumlai, por exemplo, há mais de 10 anos desfila pelos altos escalões da República e dos negócios desfrutando o título de amigo do peito do dono do PT. Delcídio do Amaral, contra quem pesa sólida acusação de ter tentado coagir o notório Nestor Cerveró a calar o bico sobre o escândalo da Petrobrás, é nada menos do que o líder do governo no Senado. E de André Esteves dizia-se que tinha o dom de Midas.

O caso de Delcídio do Amaral é o mais exemplar. Senador, com foro privilegiado, a investigação em que está envolvido corre em Brasília sob a coordenação do STF, razão pela qual sua prisão preventiva teve de ser autorizada pelo ministro Teori Zavascki. O petista é o primeiro parlamentar em exercício de mandato a ser preso em decorrência das investigações sobre o escândalo da Petrobrás e conexos. Inaugura, assim, a lista de prisões na fase mais delicada do trabalho dos procuradores e policiais federais, aquela que, por questão jurisdicional, está fora do âmbito de competência do titular da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, o juiz Sergio Moro. As dezenas de senadores e de deputados envolvidos no escândalo do petrolão serão julgadas pelo STF, como já aconteceu no caso do mensalão. Lula não tem esse privilégio.

Certamente por essa razão, ao justificar o mandado de prisão de Bumlai, o juiz Sergio Moro fez questão de deixar claro que não existe nenhuma evidência de envolvimento do ex-presidente nos delitos investigados. Mas a investigação ainda está em curso.

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