terça-feira, 17 de março de 2015

Opinião do dia – Roberto Freire

Esse discurso (de diálogo) é surrado. Se a presidente quer ajuda, ela precisa dar sinais, como a redução de ministérios e cargos comissionados

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Roberto Freire, deputado federal (SP) e presidente nacional do PPS, em O Estado de S. Paulo, 17 de março de 2015.

Dilma acena com diálogo e afirma que corrupção no País não poupa ninguém

• Na primeira manifestação pública após os protestos de domingo, a presidente defendeu a política econômica de seu primeiro mandato ao relacioná-la à proteção do emprego e da renda e diz estar disposta a conversar ‘com todas as matizes’

Tânia Monteiro, Rafael Moraes Moura e Ricardo Della Coletta - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dia após os protestos contra o governo pelo País, a presidente Dilma Rousseff procurou nesta segunda-feira, 16, desfazer a imagem de isolamento e se disse disposta ao diálogo “com quem quer abrir diálogo”. Ao defender a aprovação do ajuste fiscal e reconhecer “algum erro de dosagem” da política econômica, Dilma justificou as medidas tomadas no primeiro mandato e rebateu quem tenta colar a corrupção a seu governo. “Ela não só é uma senhora bastante idosa neste País como ela não poupa ninguém.”

O governo aposta no pacote contra a corrupção para amenizar a crise política. Antes da entrevista, ao sancionar o Código de Processo Civil, Dilma havia destacado o caráter “democrático” e “pacífico” dos protestos e afirmou que o País está “impermeável ao golpismo e ao retrocesso”.

A ênfase no “diálogo” – palavra repetida 12 vezes nesta segunda – tem base em pesquisas de opinião. Mas é preciso mais: voltou a ocorrer panelaço em bairros nobres de São Paulo, Rio, Brasília e Belo Horizonte quando o Jornal Nacional, da TV Globo, exibiu as declarações de Dilma.

Manifestações. Tenho certeza que o que queremos é um lugar em que todos possam exercer seus direitos pacificamente, sem ameaças, desrespeitos às liberdades civis e às liberdades políticas. Um País que, amparado na separação, independência e harmonia dos poderes, na democracia representativa, na livre manifestação popular nas ruas e nas urnas, se torna mais impermeável ao preconceito, à intolerância, à violência, ao golpismo e ao retrocesso. A credibilidade das instituições e a preservação das regras da democracia são os melhores antídotos contra a corrupção, a intolerância e a violência. É com a democracia que se vencerá o ódio, que se combaterá corruptores e corrompidos. Nós respeitamos as ruas, um dos legítimos espaços de manifestação popular, pacífica e sem violência. Respeitamos e ouvimos com atenção todas as vozes, de todos os matizes, de todas as tendências. Por isso o governo sempre irá dialogar com as manifestações. Ouvir é a palavra, dialogar é a ação. O sentimento tem de ser de humildade e firmeza.

Erros. Se cometemos algum erro de dosagem (da política econômica), é possível que a gente possa até ter cometido algum. Agora, qual foi o erro de dosagem que cometemos? Gostaríamos muito que houvesse uma melhora econômica de emprego e renda. Tem gente que acha que a gente tinha de ter deixado algumas empresas quebrarem e os trabalhadores se desempregarem. Eu tendo a achar que isso era um custo muito grande para o País. É possível discutir se podia ser um pouco mais ou um pouco menos. Mas isso não explica por que estamos nessa situação. O que explica é um fato constatado: a economia não reagiu. Ninguém pode negar que fizemos de tudo para a economia reagir.

Podem falar: era melhor deixar quebrar. Eu não acredito nisso. Em qualquer atividade humana se cometem erros. Longe do meu governo achar que não cometeu erro nenhum. Agora, o que eu não posso concordar é aceitar ser responsabilizada por algo que seria pior se deixássemos. Nós seguramos – comparando com o resto do mundo – os 20 milhões a mais de emprego.

Humildade. Atitude de humildade é pelo seguinte: você só pode abrir diálogo com quem quer abrir diálogo. Com quem não quer não tem como. Procurarei ter diálogo com seja quem for, é uma atitude de abertura. Eu não estou aqui fazendo nenhuma confissão, isso aqui não é um palco de confissão, é uma entrevista. Se alguém achar que eu não fui humilde em algum diálogo, me diz qual e vou tomar providência para mudar.

Corrupção. A corrupção não nasceu hoje, ela não só é uma senhora bastante idosa neste País, como ela não poupa ninguém, pode estar em tudo quanto é área, inclusive no setor privado. Vamos lembrar o que ocorreu em 2008-2009, quando pelo menos uma das questões foi fraude bancária. O dinheiro tem esse poder corruptor, temos de ter vigilância, instituições, legislação pra impedir que ocorra. Não vamos achar que tem qualquer segmento acima de qualquer suspeita. Isso não existe. E acho mais: o combate a corrupção começa através de um processo educacional. O fato de você não querer ganhar vantagem em tudo, de você valorizar o trabalho, a pessoa que conquistou as coisas com seu próprio valor.

Ajuste fiscal. O ajuste é essencial para o País. O governo vai lutar pelas correções e pelos ajustes. Vamos fazer esse esforço ao longo deste ano. Mas o Brasil tem todas as condições de sair em menos tempo do que em qualquer outra circunstância. O quanto pior melhor é algo que não se pode aceitar. Vamos brigar depois. Agora vamos fazer para o bem do Brasil tudo aquilo que deve ser feito.

PMDB. Longe de nós querer isolar o PMDB. Pelo contrário, o vice-presidente é o companheiro Michel Temer, extremamente solidário. Temos uma parceria com o PMDB, o PMDB participa do governo. Agora, nós temos uma situação que temos de construir também. Ninguém aqui pode achar que as instituições políticas do País estão à altura das necessidades do País. Não estão. E aí vale para todos os partidos. Estou falando de governabilidade, da forma pela qual se relaciona um partido na presidência da República com outros partidos. Em qualquer democracia, o diálogo é essencial. Se você instabiliza um país sempre que lhe interessa, uma hora essa instabilidade passa a ser algo que ameaça a todos, é a pior situação que tem.

Congresso. O Congresso não tem sido adverso para o governo. Sempre que compreenderam, sempre que foi debatido antes, o Congresso foi bastante sensível. Não vejo um embate. O que é mais atraente é a crise do que a não crise. Então muitas vezes se coloca crise onde não tem. Agora, tem dificuldades, e vai ter. (Mas) Não acredito que no caso do pacote anti-impunidade vai ter dificuldade.

Denúncia contra Vaccari. Esses acontecimentos mostram que são infundadas todas as teorias de que o governo interferiu sobre o Ministério Público, ou sobre quem quer que seja, para investigar ou fazer qualquer coisa com quem quer que seja. Tanto é assim que, isso acontece, o governo continua. Se querem investigar, vão investigar; quem for responsável pagará pelo que fez.

Reforma política. Reitero minha convicção de que a conjuntura aponta para uma necessidade urgente de uma ampla reforma política. Sei que o protagonista desta reforma é toda a população brasileira, mas também sei que o espaço adequado para ela é o Congresso.

Luiz Werneck Vianna e outros - O que há de novo na política?

• Cientistas políticos, historiadores e sociólogos analisam o impacto das manifestações de 15 de março de 2015

- O Estado de S. Paulo

• Fabio Wanderley Reis
Cientista político e professor emérito da UFMG

Acho que o 15 de março, em si mesmo, não traz grande novidade. Pela forma como foi inicialmente convocado, vem na onda de algo novo, que já vimos nas manifestações de 2013, ou seja, o instrumento de mobilização popular ágil representado pelos celulares e pelas redes sociais, apesar de que a repercussão na imprensa, antes do evento, obviamente ajudou a ampliá-lo. Pelo tamanho das manifestações, de todo modo, naturalmente tem algum impacto no quadro da crise que o País está vivendo. Mas mesmo esse impacto me parece limitado: afinal, o tamanho foi maior onde o antipetismo e o antigovernismo já tinham aparecido maiores na eleição do ano passado; e, com o jeito de festa tranquila, que nem pôde ser apropriada mais claramente pela oposição político-partidária, faltou nas manifestações algo mais forte, mais dramático. A crise continua feia e o governo perplexo. Mas as coisas não mudam muito.

• Pablo Ortellado
Filósofo e professor da USP

As manifestações de domingo têm um impacto político enorme. Tiveram a mesma grandeza dos protestos de junho de 2013, se não maior. O fato de estarem circunscritas a uma classe social ajuda a explicar o fenômeno, mas ele não deve ser deslegitimado por conta disso. Qualquer manifestação que reúna dezenas de milhares de pessoas causa desgaste no governo, perda de popularidade e de legitimidade. E não há indicativo de que isso vai desaparecer. Se olharmos historicamente, é a primeira vez que a direita tem expressão de rua relevante desde a democratização. Os grupos que estão convocando se apresentam como sendo de direita, liberais, ultraconservadores: o Vem pra rua, o Movimento Brasil Livre, o Revoltados Online. O novo conservadorismo deve ser observado. É uma nova cultura conservadora que tende a ler a política numa chave moralista, disciplinadora, e que gera muita barreira de classe. Os programas sociais são vistos como uma ação indevida do Estado, como se pobreza fosse um castigo devido. Quando esse espírito se dissemina, as relações entre as classes ficam bem mais complicadas.

• Luiz Werneck Vianna
Professor da PUC-RJ

Quem estava ali era a classe média brasileira, com seus diferentes estratos, demonstrando desencanto e desesperança também. Claro que houve recados explícitos em favor do impeachment, contra a corrupção. O sentido geral foi: cansei dessa política. Não foi uma manifestação radical nem que apontasse caminhos para o futuro. A presidente tem que mudar seu estilo de governar, seu programa. Tem que procurar aliados novos. E, no limite, já está na hora de, pelo menos nos bastidores, conversar com a oposição. Não dá para não atentar para a gravidade da situação sem que se esboce qualquer alternativa de reação. A presidente diz que o caminho econômico que ela perseguiu ao enfrentar a crise de 2008 está exaurido. Precisa reconhecer bem mais que isso: que o tipo de política que o partido dela e ela representaram também se exauriu. O impeachment não é desejável de forma alguma. Se o impeachment não é desejável de forma alguma, quatro anos de uma presidente emparedada é ainda mais ameaçador do que ele.

• Fátima Pacheco Jordão
Socióloga e conselheira do Instituto Vladimir Herzog

As manifestações são uma forma de explicitar o descontentamento com o governo, não têm componente golpista. Essa movimentação pede mudanças e as respostas do governo apontam nessa direção. Está havendo uma mudança de postura efetiva do governo. Vejo tudo isso com otimismo. Eles estão com menos de 10% de aprovação, e isso é inédito. O País vai viver um momento muito rico. Como nunca tivemos um grau de liberdade, conscientização e educação tão altos, o Brasil tem chance de dar um salto. A opinião pública disse o que deseja, pacífica e contundentemente, tanto em junho de 2013, quando nas eleições, quanto ontem. Em qualquer país do mundo, isso é muito positivo. O pedido pelas Forças Armadas é marginal, e é natural que assim seja. Estamos vivendo uma gama que vai da extrema esquerda à extrema direita, e é positivo que se possa tolerar essa escala de diversidade.

• Adriano Pilatti
Professor de Direito Constitucional da PUC-RJ

O 15 de março revelou preocupante capitalização de insatisfações, até legítimas, por organizações de direita, interessadas em desgastar o governo até inviabilizá-lo, ou em regressões mais graves. O mal estar com a corrupção e as mentiras eleitorais, ampliado pelos últimos escândalos e respectivo tratamento midiático, e a frustração pelas medidas econômicas, foram espertamente canalizados para atingir tão somente o governo federal e o PT. Também lá estavam setores golpistas e reacionários inconformados. Mas seria um erro tratar tudo isso como se fosse uma coisa só. A polarização entre “vermelhos” e “azuis” chegou ao seu paroxismo, mas não suprime o “terceiro setor”, os 37 milhões de eleitores que não votaram em Dilma ou Aécio. E também os que votaram, mas não foram às ruas por se sentirem traídos por um governo em que já não confiam, ou porque não quiseram servir de massa de manobra dos oposicionismos oportunistas. Aí está o “fiel da balança”, e talvez dele possam surgir, à esquerda e à direita, as forças de renovação e aprofundamento da democracia brasileira.

• Helcimara Telles
Professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais

Uma primeira "novidade" é destacar a organização não-institucional destes grupos no espaço on line, que não se encontraram liderados por "políticos tradicionais" Em segundo lugar, a presença do antipetismo nas mensagens compartilhadas, inclusive nos espaços offline. Finalmente, mais não menos importante, seria o caso de indagar se os efeitos dos ajuste fiscal e consequente piora dos indicadores econômicos, poderá expandir este perfil ideológico a outras parcelas do eleitorado, tanto através da atração de eleitores identificadas com o centro político ou com a emergente (ainda que minoritária) extrema-direita e, mesmo, se as consequências econômicas poderão seduzir segmentos tradicionalmente sob maior influencia do governo e do PT, sobretudo os recém-chegados à chamada "Nova Classe C". Os protestos demonstram profunda crítica à classe política, que novos perfis ideológicos emergem, os grupos oposicionistas têm aprendido a "organizar as ruas" e o PT delas se distanciou.

• Argelina Figueiredo
Professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP-UERJ)

No 15 de março de 2015 testemunhamos o primeiro movimento político de massa ocorrido durante e depois da redemocratização que não contou com a participação de militantes do Partido dos Trabalhadores (PT). Foi ao contrário um movimento de crítica e oposição a um governo do PT. Serviu para mostrar a muitos que "ir às ruas" é um instrumento democrático legítimo para a população demonstrar sua insatisfação com o governo e não um ato contra o país. E dessa forma foi visto pelo governo. A democracia brasileira deu mais um passo à frente.

• Charles Pessanha
Professor de Ciência Política da UFRJ

Efetivamente, não foi uma manifestação trivial, assim como as manifestações em junho de 2013 não foram. São alertas que foram causados pela paralisia decisória do governo. O presidencialismo depende fundamentalmente da liderança do presidente da República, é ele quem pauta o poder. Há uma paralisação do executivo, que não exerce liderança, não pauta a sociedade, e com isso está cedendo espaço para que outros atores políticos tomem conta do processo de decisão. Isso traz problemas e, se continuar, é pior. Estamos há dois meses com o processo decisório emperrado, e o governo tem decisões prementes a tomar.
Não estou negando nem desconhecendo que a situação política, por conta da Operação Lava Jato, complica as coisas. É um problema difícil, mas o governo precisa fazer sua parte. É preciso conversar com a população e com os aliados, ter mais rapidez, mais liderança, e sair do corner.

• Milton Lahuerta
Coordenador do Laboratório de Política e Governo da Universidade Estadual Paulista

A manifestação, por si só, não traz algo de novo. Ela expressa uma polarização que vem acontecendo desde as eleições de 2010 e que se acentuou ainda mais nas eleições de 2014.
O que o protesto do 15 de março revela é que a temperatura da fervura está crescendo, o que não é bom. Há uma crescente nesse processo que começa a se tornar preocupante. Seria interessante que as lideranças trabalhassem para construir canais de interlocução, e não para destruir esses canais.
Há um desencantamento geral em relação à política, mas isso é centrado principalmente no governo federal. O governo cometeu um erro ao tentar organizar uma manifestação de apoio na sexta-feira anterior ao ato. Me parece que o tiro saiu pela culatra, porque serviu como estímulo para que as pessoas saíssem às ruas no domingo.

• Rita de Cássia Biason
Coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisa sobre a Corrupção da Unesp-Franca

No que diz respeito ao combate à corrupção, independentemente do número de pessoas, pela primeira vez os manifestantes estão associando corrupção, dinheiro público e agentes políticos. Isso é muito interessante, pois não havia sido observado até agora.
Em manifestações passadas, eu não via essa associação, esse link de três eixos. Dessa vez o que existe é uma população indignada com o uso do dinheiro público para fins privados.
Isso não se aplica à questão da Petrobras, onde o dinheiro ilícito vem de empresas. Nesse caso há um problema nas licitações. Existe uma apropriação por parte de empreiteiras, de um dinheiro que seria delas, para pagar suborno.
O que vai decorrer disso, ninguém sabe. Há um pacote de medidas, e o que espero é que ele não inclua corrupção como crime hediondo. Eu não preciso de mais uma lei, eu preciso é de aprimoramento dos mecanismos de controle do dinheiro público.

• Aldo Fornazieri
Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo
O 15 de março é revelador da falência do sistema político e partidário brasileiro. Dirigido contra a presidente Dilma, contra o PT e contra a corrupção, além de outras bandeiras, ele foi convocado promovido à revelia dos partidos políticos e das instituições da sociedade civil. Políticos da oposição que compareceram nos protestos foram vaiados e impedidos de falar. Isto indica o quanto o governo e a oposição não são capazes de oferecer alternativas à sociedade. Há um esgotamento do sistema político brasileiro sem que surjam alternativas e lideranças novas. Há dois riscos em tudo isto: 1)uma radicalização do processo sem a possibilidade de saídas negociadas; 2) uma lenta legitimação de grupos que propõem saídas antidemocráticas. Ademais, sem organização e sem direção, essa enorme energia que se viu nas ruas poderá se esvair sem conquistas concretas.

• Fernando Abrucio
Professor e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (SP), coordena o Mestrado e Doutorado em Administração Pública e Governo

As manifestações representam não somente a crítica ao Governo Dilma e ao PT, mas também um desencanto da sociedade, em particular da classe média (sobretudo a paulista) com o sistema político brasileiro. Trata-se de um movimento que teve seus primeiros passos em junho de 2013 e que ganhou uma dimensão de negação dos políticos que atinge o governo e até a oposição.
Ficam duas perguntas: esta insatisfação vai se espalhar para outros setores sociais e regionais com a mesma força que teve em SP? E de que maneira a mobilização social vai criar uma agenda e meios para mudar a política? Afinal, só se modifica o sistema político influenciando seu centro de decisão.

• José Álvaro Moisés
Professor da USP e coordenador do Grupo de Pesquisa Qualidade da Democracia, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP)

15 de março foi um recado importante em vários sentidos. Primeiro, de que temos uma democracia pujante, com muita diversidade política e o desejo das pessoas de influenciar os rumos do governo. Depois, os manifestantes anunciaram que estão insatisfeitos com o governo, querem que ele mude ou saia. A ideia de que as manifestações eram golpismo ou terceiro turno caíram por terra, mas as pessoas se mostraram cansadas da corrupção, desconfiadas do governo e de instituições como os partidos e o Congresso.
Outras coisas também ficaram claras: o PT e o governo Dilma dizem, sempre que podem, que querem construir um projeto hegemônico no país, a favor da justiça e da igualdade social, mas são incapazes de perceber que hegemonia é algo que supõe incluir os que pensam diferente e que o esforço de convencer os outros é sempre necessário a quem quer governar para todos. A ideia de que foi um evento só de ricos e 'coxinhas' não tem apoio na realidade e espanta que o governo se iluda sobre isso.

• Lincoln Secco
Professor de História contemporânea na USP

As manifestações do 15 de março não surpreendem nem pelo número de participantes (afinal estão longe da importância da Campanha das "Diretas Já" que mobilizou 5% da população da época) e nem pelo conteúdo, já que a crítica da corrupção fez parte tanto das passeatas golpistas no pré-64 quanto de campanhas do PT nos anos 1990. Sua novidade está na forma.
Desde junho de 2013, manifestantes se autoconvocam sem a mediação de partidos. Só que em junho, os protestos começaram com uma esquerda não partidária e,depois, se massificaram com uma pauta difusa. Agora, a convocação foi fragmentada, mas o objetivo se unificou nas ruas num antipetismo militante. O problema é que não há saída democrática antes de 2018 para ele. O sentido de junho estava no futuro. Se os partidos de oposição não representarem o 15 de março, ele só poderá olhar para o passado, ainda que com as técnicas mais avançadas do presente.

• Cláudio Couto
Professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP)

O 15 de março é um marco da história política brasileira. Após três décadas - desde os estertores da ditadura - em que a esquerda puxou a fila das grandes mobilizações no Brasil, agora foi a direita a fazê-lo. Isto não ocorria desde 1964, quando das "Marchas da Família com Deus e pela Liberdade". Isto não significa que todos manifestantes sejam de direita. Eis aí a força do episódio: a direita capitaneou uma mobilização que lhe ultrapassa.
Daí a encalacrada de Dilma e do PT. O ensimesmamento, a arrogância e falta de autocrítica diante de seguidos escândalos de corrupção - turbinados pela desastrosa política econômica do primeiro mandato e pela incompetência na gestão da coalizão - deram substância a ressentimentos de classe produzidos pela redução das desigualdades dos anos Lula. Resultado: deu-se a setores médios conservadores oportunidade para liderar até mesmo os que emergiram.

Protestos fazem Dilma admitir erro na economia

Humildade no dia seguinte

• Após protestos, Dilma reconhece erros, propõe diálogo e diz que corrupção é "senhora bastante idosa"

Luiza Damé, Catarina Alencastro e Simone Iglesias – O Globo

Depois do 15 de março

BRASÍLIA - Um dia após os protestos que levaram ao menos dois milhões de pessoas às ruas do país, segundo estimativas oficiais, a presidente Dilma Rousseff saiu ontem da defensiva, reconheceu erros do governo, pregou humildade e se declarou aberta ao diálogo com todos os setores da sociedade.

A mudança de postura da presidente revelou-se desde cedo, quando chamou uma reunião de avaliação das manifestações, no Palácio do Planalto, ampliando, finalmente sua coordenação política com mais três partidos da base: PMDB, PSD e PCdoB. Dilma fez referência aos protestos no discurso de sanção do Código de Processo Civil, à tarde, e, em seguida, deu entrevista coletiva, na qual pediu trégua às divergências políticas, reconheceu que talvez tenha cometido "algum erro de dosagem" nas medidas econômicas e defendeu o diálogo com regras, sem fomento à instabilidade política. A presidente fechou o dia com uma reunião no Planalto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o presidente do PT, Rui Falcão.

Dilma: compromisso é combater corrupção
Durante a entrevista, falou de forma coloquial, usando bastante a expressão mineira "ocê". Também fez questão de explicar didaticamente termos econômicos, como as medidas anticíclicas adotadas para estimular a economia durante a crise internacional, e a relação entre a dívida pública e o PIB (soma de bens e serviços produzidos no país). A obrigação do governo, segundo a presidente, é escutar o recado das ruas. Ela reiterou que o compromisso de seu governo é combater a corrupção e a impunidade. Em resposta ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que afirmou que a corrupção está no Executivo, Dilma disse que nenhum setor está imune a desvios:

- A corrupção não nasceu hoje, ela não só é uma senhora bastante idosa nesse país, como ela não poupa ninguém. Ela pode estar em tudo quanto é área, inclusive, no setor privado.

Partiu dos peemedebistas a constatação de que faltava humildade ao governo, crítica constante da oposição. Dilma ouviu e passou a adotar a palavra como lema. Mergulhada numa crise política e econômica, a presidente pediu na reunião da coordenação o apoio integral às medidas de ajuste fiscal. Só elas, disse Dilma aos aliados, poderão fazer o governo reagir. Aos ministros, delegou a função de conversar com empresários e movimentos sociais e sindicais para pedir que cedam e apoiem o pacote. O governo vê nas medidas do ministro Joaquim Levy (Fazenda) o passaporte para dias melhores. Sem o hábito de dar autonomia aos auxiliares, Dilma tenta inaugurar um novo momento, prometendo diálogo e cumprindo com sua intenção de ouvir os aliados.

- O governo tem obrigação de abrir o diálogo. Obviamente, de um lado, uma postura humilde, porque, para dialogar, você tem de aceitar o diálogo. O que temos de postura humilde é "estou aberto ao dialogo". Ao mesmo tempo, o governo tem de ter uma postura firme naquilo que ele acha importante e que, muitas vezes, está coerente com o que as manifestações querem e, algumas vezes, não - disse a presidente.

A presidente insistiu na importância da aprovação do ajuste fiscal e pediu apoio às propostas em tramitação na Câmara. Dilma tem enfrentado resistência dos governistas e de Cunha e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que colocam em votação projetos sem aval do Planalto, atendendo à pressão da oposição.

- Quando a gente diz que o quanto pior melhor é algo que não se pode aceitar, o que nós estamos dizendo é o seguinte: vamos brigar depois, agora vamos fazer, para o bem do Brasil, tudo aquilo que tem de ser feito pelo bem do Brasil. É essa a ideia - afirmou.

Instabilidade ameaça a todos
Segundo a presidente, as instituições políticas brasileiras não estão à altura das necessidades do país, e isso inclui todos os partidos políticos. Dilma afirmou que, em uma democracia, o diálogo e a livre manifestação são essenciais, mas as regras do processo democrático têm de ser respeitadas para garantir a governabilidade:

- Se você instabiliza o país sempre que lhe interessa, uma hora essa instabilidade passa a ser algo que ameaça a todos. A escalada é a pior situação que tem. Nós estamos em uma fase democrática em que temos de buscar o consenso mínimo, ninguém tem de concordar em tudo. Pelo contrário, eu acho que é da democracia não haver concordância e unanimidade. Unanimidade só tem em um regime e a gente sabe qual é. Alguns pensam e falam, e os outros que calem a boca.

A prisão de Renato Duque e o pedido de abertura de inquérito contra o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto foi considerada problema antigo, com personagens que já estavam sendo investigados.

- Eu acho que esses acontecimentos mostram que todas as teorias de como é que o governo interferiu no Ministério Público para investigar ou fazer qualquer coisa com quem quer que seja são absolutamente infundadas.

Dilma propõe trégua e diz que país rejeita 'golpismo'

• 'Vamos brigar depois', sugere a presidente, um dia após enfrentar protestos

• Petista admite que pode ter havido 'erro de dosagem' na economia e reafirma disposição de fazer ajuste fiscal

Mariana Haubert, Natuza Nery, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

Protestos de março

BRASÍLIA - Um dia depois das manifestações em algumas das principais cidades do país, a presidente Dilma Rousseff admitiu que pode ter cometido "erro de dosagem" na condução de sua política econômica, pediu trégua aos críticos e afirmou que o país rejeita o "golpismo" e o "retrocesso".

Ainda tentando assimilar o susto gerado pelo tamanho dos protestos do domingo (15), Dilma teve uma segunda-feira atípica. Aproveitou uma cerimônia no Palácio do Planalto para responder parte das críticas feitas ao seu governo durante os protestos, como os pedidos de impeachment, e rebater os que defenderam a volta dos militares.

Em vários momentos, falou em "humildade" e que governa para todos, para quem votou e quem não votou em seu projeto. Depois, emendou o evento com uma entrevista coletiva e encerrou o dia reunida com o ex-presidente Lula, com quem já tinha se encontrado uma semana antes.

Ainda pela manhã, a presidente conduziu uma reunião ampla com o vice, Michel Temer (PMDB), e dez ministros. Na pauta, o cenário pós-manifestações e o envio das propostas anticorrupção e da reforma política ao Congresso, únicas respostas encontradas até agora para tentar reagir às críticas.

Avessa a discutir questões políticas com muita gente, Dilma tem sido obrigada a ampliar os fóruns de debate interno por causa da crise.

'Senhora idosa'
Incomoda por ter se tornado alvo das manifestações contra a corrupção, a presidente fez questão de frisar que o problema não é exclusivo do Executivo, como acusou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), durante evento em São Paulo.

"A corrupção não só é uma senhora bastante idosa neste país como ela não poupa ninguém. Pode estar em tudo quanto é área, inclusive no setor privado".

Pela primeira vez desde que foi reeleita, Dilma ensaiou um mea-culpa na condução da economia, mas depois relativizou a autocrítica.

"É possível que a gente possa até ter cometido algum [erro]. Tem gente que acha que a gente tinha que ter deixado algumas empresas quebrarem e os trabalhadores se desempregarem. Eu tendo a achar que isso tinha um custo muito grande para o país. É possível discutir se podia ser um pouco mais ou um pouco menos", disse.

Depois, ao voltar ao tema, disse que "em qualquer atividade humana se comete erros". "Longe de mim, ou longe do meu governo achar que não cometeu erro nenhum."

Dilma tem sido pressionada a reconhecer erros durante seu primeiro mandato e, sobretudo, a explicar a diferença entre o tom otimista usado na eleição e as medidas de arrocho fiscal lançadas após sua vitória, em outubro.

O rigor do ajuste tem relação com o descontrole das contas públicas no primeiro mandato da petista. Daí a necessidade de aprovar, com urgência, um conjunto de medidas para reequilibrar gastos e receitas.

"Quando a gente diz que o 'quanto pior melhor' é algo que não se pode aceitar, o que nós estamos dizendo é o seguinte: vamos brigar depois, agora vamos fazer, para o bem do Brasil, tudo aquilo que tem de ser feito pelo bem do Brasil. É essa a ideia."

Dilma foi mais assertiva ao falar de erros cometidos por seu governo ao comentar a situação do Fies, programa de financiamento estudantil que vem sendo reformulado.

"O governo cometeu um erro no Fies. Passou para o setor privado o controle dos cursos [...]. Isso não é culpa do setor privado. Fomos nós que fizemos isso", afirmou.

Impermeável
Na solenidade de sanção do novo Código de Processo Civil, Dilma aproveitou para dizer que não há ambiente no Brasil para rupturas, referindo-se às manifestações de domingo no país inteiro.

Ao se recordar dos tempos de luta contra a ditadura, não escondeu a emoção.

"Nunca mais no Brasil nós vamos ver pessoas que, ao manifestarem sua opinião, seja contra quem quer que seja, inclusive a Presidência da República, possam sofrer quaisquer consequências", disse a ex-militante presa e torturada na juventude.

"Valeu a pena lutar pela liberdade, valeu a pena lutar pela democracia", disse a petista. "Esse país está mais forte do que nunca".

Segundo Dilma, diante de "convites a aventuras e a rupturas da normalidade política", o Brasil é um país amparado "na democracia representativa, na livre manifestação popular, nas ruas e, nas urnas, se torna cada vez mais impermeável ao preconceito, à intolerância, à violência, ao golpismo e ao retrocesso".

Em vários momentos do discurso, a presidente se referiu ao período da ditadura para dizer que as manifestações realizadas em diversas localidades no domingo, sobretudo na avenida Paulista, em São Paulo, não seriam possíveis se o país não tivesse um regime democrático.

A presidente prontificou-se a dialogar com todos os setores da sociedade, mas esclareceu que não pode obrigar ninguém a conversar com o seu governo.

À noite, quando o "Jornal Nacional" da TV Globo mostrava trechos de seu discurso e de sua entrevista, houve panelaço em alguns bairros de São Paulo, Rio e Brasília.

Eduardo Cunha diz que corrupção está no Executivo e não no Legislativo

• Em reunião com empresários paulistas, presidente da Câmara faz duras críticas ao governo Dilma

Julianna Granjeia – O Globo

SÃO PAULO - O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse nesta segunda-feira em São Paulo que “a corrupção não está no Legislativo, está no Executivo”. Ele se reuniu na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) com um grupo de cerca de 160 empresários, para quem reservadamente, durante o encontro, ainda disse que o “PT não tem opositores, tem inimigos; o PT não tem amigos, tem súditos”.

Ao comentar os protestos de ontem, Cunha afirmou que o Poder Executivo é responsável por permitir que a corrupção tenha avançado.

— Quando falam que as ruas estão contra o Parlamento, quero dizer que nós somos representantes do povo e vamos fazer (reformas), tomamos posse agora apenas há 40 dias e temos que andar em consonância com eles. É bom deixar claro que a corrupção não está no Poder Legislativo, a corrupção está no Executivo. Se eventualmente alguém no Poder Legislativo se aproveitou da situação para dar suporte politico em troca de benefícios indevidos é porque esses benefícios existiram pela falta de governança do Poder Executivo, que permitiu que a corrupção avançasse — disse Cunha.

O presidente da Câmara é um dos 34 parlamentares que integra a lista de políticos que respondem a inquérito Supremo Tribunal Federal (STF) pela Operação Lava-Jato.

Ele também criticou as declarações dadas ontem pelos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência) após os protestos. Em resposta aos protestos, os ministros prometeram lançar um pacote com medidas para combater desvios de dinheiro público e voltaram a defender a reforma política.

— Achei a participação dos ministros um desastre, cada um falando uma coisa. Quem fala em diálogo e sectariza quem está nas ruas não quer ouvir. Eu não vi ontem nas ruas aquilo que os ministros manifestaram na entrevista. Não vi ninguém pedir reforma política, vi pedir mudança de governo. Eu fui eleito no dia primeiro de fevereiro. A minha primeira sessão, no dia três, eu avoquei a reforma politica que estranhamente os ministros do Partido dos Trabalhadores vieram reclamar, mas o PT obstruiu na Comissão de Constituição e Justiça por um ano a admissibilidade da PEC. Eu tive que fazer a admissibilidade em plenário.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 353/13, elaborada pelo Grupo de Trabalho de Reforma Política, coordenado pelo ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), prevê o voto facultativo, o fim da reeleição para presidente, governador e prefeitos e a coincidência das datas das eleições a cada quatro anos.O texto, porém, não altera o financiamento privado de campanha e, por isso o PT se posicionou contra a análise do projeto pelo plenário e tentou obstruir. O partido é a favor do financiamento exclusivamente público de campanha e prefere esperar que o Supremo Tribunal Federal (STF) se posicione antes sobre o tema.

— Há dois anos eu escuto que vão mandar um pacote anticorrupção, que mande qualquer que seja esse pacote. Nós votamos em 2013 a lei anticorrupção das empresas e um ano e meio depois o governo ainda não a regulamentou. A Câmara está fazendo a parte dela. Se eles quisessem cooperar, não tinham obstruindo por um ano esse debate — disse o presidente da Casa.

Apesar de fazer diversas críticas duras ao governo, ele condenou os pedidos de impeachment. Para Cunha, a ação “beira o ilegal e o inconstitucional”.

— Efetivamente, da nossa parte, não tem guarida para poder dar seguimento até porque entendemos que esta não é a solução. Entendemos que temos um governo que foi legitimamente eleito e que, se aqueles que votaram neste governo se arrependeram de terem votado, isso faz parte do processo político. E não é dessa forma que vai resolver. Temos que debater, sim, o que aconteceu nas ruas ontem, temos que buscar formas que ajudem o governo a se encontrar com aquilo que a sociedade deseja ver. Mas não a partir de situações que cheiram e beiram o ilegal e o inconstitucional — afirmou Cunha aos jornalistas, após a reunião.

Questionado sobre a frase que ele disse durante a reunião para os empresários, Cunha disse que se referiu à campanha eleitoral. Ele já havia dito em discurso no plenário em fevereiro que o "PT não tem adversários, tem inimigos".

— Eu repeti uma frase de campanha eleitoral minha, fiz questão de dizer que não fiz essa frase hoje. O contexto que disse foi em cima de um comentário do (ex) ministro Jobim, acerca do pouco diálogo e das dificuldades de atrito (entre integrantes do governo). Durante a minha campanha eleitoral, usei uma frase para exemplificar a campanha, o que eu estava sofrendo. Eles (petistas) não têm aliados, eles gostam de ter subservientes. Eles também não tem adversários, eles têm inimigos, que foi o que fizeram comigo durante a campanha eleitoral. Eu repeti a frase daquele contexto, não falei sobre hoje — explicou Cunha.

Nelson Jobim foi ministro da Defesa na primeira gestão da presidente Dilma Rousseff. Durante seu mandato, fez diversas críticas públicas ao governo. Cunha alertou os jornalistas, após responder o questionamento sobre a crítica, para não usarem a frase dita no encontro reservado.

Medidas anticorrupção já tramitam no Legislativo

• Pacote é o mesmo anunciado na campanha e aguarda aprovação

Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - As medidas anticorrupção que a presidente Dilma Rousseff pretende enviar ao Congresso como resposta às manifestações do último domingo já tramitam na Câmara e no Senado e, até o momento, o governo não havia se empenhado na sua aprovação. Esse pacote foi anunciado durante a campanha à reeleição para tentar tirar a presidente Dilma da defensiva, em meio ao escândalo na Petrobras.

Um dos itens que fazem parte do pacote de Dilma é a transformação da prática de caixa dois em crime. Em julho de 2013, o senador Jorge Viana (PT-AC) apresentou projeto com essa tipificação. A proposta está numa das comissões da Casa. Viana acredita que um projeto enviado pelo Executivo tramita com mais rapidez e tem mais chance de ser aprovado:

- As tramitações demoram, tem proposta para todo gosto na Câmara e no Senado. O fato de a presidente da República apresentar dá um sinal forte. Não é suficiente, mas é importante. Quando ela apresenta, há empenho dos presidentes da Câmara e do Senado, e dos líderes da base, para aprovar - disse Viana.

Caixa dois levaria à prisão
Pela proposta do senador, o caixa dois será punido com pena de cinco a dez anos de prisão, além de multa. Atualmente, é considerado contravenção, e não crime, e punido com suspensão dos repasses do fundo partidário para o partido. Já o candidato tem seu registro cancelado ou o diploma cassado.

Jorge Viana é irmão do governador do Acre, Tião Viana (PT), que teve inquérito aberto, por autorização do Superior Tribunal de Justiça, para investigar suposta participação no esquema de corrupção na Petrobras.

Outra medida defendida por Dilma na campanha, e que deve constar no pacote, é a punição de agentes públicos que apresentarem enriquecimento sem justificativa. Um projeto com esse teor, apresentado pelo senador Papaléo Paes (PSDB-AP), já foi aprovado pelo Senado e está na Câmara. A ele foram anexados outras propostas que tratam do mesmo assunto.

Tesoureiro do PT denunciado por corrupção e quadrilha

• Para Moro, "é assustador" que propina tenha continuado após início da Lava-Jato

Renato Onofre* - O Globo

Escândalos na Petrobras

CURITIBA - Na 10ª etapa da Operação Lava-Jato, o Ministério Público Federal denunciou ontem o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, ambos acusados de participar do esquema de corrupção na Petrobras. Duque foi preso pela Polícia Federal no apartamento onde mora, na Barra da Tijuca. É a segunda vez que Duque é preso pelos desdobramentos da Lava-Jato.

A prisão do ex-diretor de Serviços da Petrobras e a denúncia contra Vaccari acenderam sinal vermelho no PT. Desde o início das investigações, deflagradas há um ano, os dois são apontados pelos investigadores como os operadores do partido no esquema que desviou cerca de R$ 4 bilhões dos cofres da estatal, segundo a última estimativa do MPF.

Em delação premiada, cujo conteúdo foi divulgado ontem, o vice-presidente da Camargo Corrêa, Eduardo Leite, informou que Vaccari pediu mais R$ 10 milhões em doações eleitorais para o PT "porque a Camargo Corrêa estava atrasada em pagamento de propina para a Diretoria de Serviços".

Duque chegou a ser preso em novembro, mas, por falta de provas, foi solto 20 dias depois por uma decisão do ministro Teori Zavascki. Os investigadores descobriram agora que o executivo tentou ocultar patrimônio não declarado mantido na Suíça. A PF afirma que, mesmo após deflagrada a Lava-Jato, Duque transferiu 20 milhões de euros da Suíça para Mônaco, Estados Unidos, Bahamas, Portugal e Hong Kong.

"Que país é este?"
Além de Vaccari e Duque, outras quatro pessoas foram detidas na Operação "Que país é este?", como foi batizada a nova fase da Lava-Jato em alusão à frase dita por Duque ao ser preso em novembro do ano passado. Ao todo, o MPF ofereceu denúncia contra mais 21 pessoas, pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. No total, de acordo com os investigadores, R$ 298 milhões foram desviados dos cofres da estatal e, desses, R$ 136 milhões foram usados para o pagamento de propina a agentes públicos, políticos e partidos.

- Houve 24 doações eleitorais feitas ao longo de 18 meses por empresas vinculadas ao grupo Setal para pagamento de propina ao Partido dos Trabalhadores. Essas doações eleitorais foram feitas a pedido de Renato Duque e eram descontadas da propina devida à Diretoria de Serviços - disse o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava-Jato.

Dallagnol afirmou ainda que Vaccari indicava as contas e os diretórios do PT aos quais deveriam ser feitos os repasses. Em depoimento à Justiça, Pedro Barusco já havia declarado que, juntos, ele e Duque reuniram entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões em propina para o partido.

"(Vaccari) Não apenas o conhecia (o esquema), mas o comandava, direta ou indiretamente, em conjunto com terceiros, tendo pleno domínio dos fatos", diz a denúncia do MPF.

Juiz: propina continuou após março de 2014
Além da prisão de Duque, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, que fez acordo de delação premiada, cumpre prisão domiciliar,, enquanto Nestor Cerveró, da área internacional, está preso na superintendência da PF em Curitiba. Os três foram dirigentes da estatal quando Dilma Rousseff era presidente do Conselho de Administração.

Ao decretar a prisão de Duque, o juiz Sérgio Moro classificou de "assustador" o fato de ele continuar a receber propinas mesmo depois de deflagrada a Lava-Jato, em março de 2014. Segundo o juiz, o empresário Shinko Nakandakari, outro operador do esquema, disse que intermediou propinas da empreiteira Galvão Engenharia a Duque e Barusco. "O mais assustador é que Shinko confessou o pagamento de propinas ainda no segundo semestre de 2014, quando a Operação Lava-Jato já havia ganho notoriedade na imprensa", disse Moro.

Também foi preso ontem o empresário paulista de origem libanesa Adir Assad, ligado à construtora Delta e investigado na CPI do Cachoeira. Os investigadores descobriram que cinco empresas de Assad foram usadas para lavar dinheiro de empresas do doleiro Alberto Youssef. Pelas contas das empresas, passaram R$ 65 milhões entre 2009 e 2011. Também foram presos ontem Lucélio Goes, filho do operador Mário Goes, além de Dario Teixeira e Sonia Branco, laranjas de Assad.

O esquema na Diretoria de Serviços denunciado pelo MPF mostra que o grupo atuou de forma conjunta em quatro obras da Petrobras e de suas subsidiárias: as refinarias de Araucária (Repar) e Paulínea (Repan), e nos gasodutos Urucu-Coari e Pilo-Ipojuca.

As defesas de Duque e Vaccari negaram envolvimento de seus clientes. O advogado de Duque, Alexandre Lopes, disse que o executivo não tem contas no exterior. Luiz Borges D"Urso, advogado de Vaccari, disse que ele não recebeu propinas das construtoras. (* Enviado especial)

Oposição tenta se aproximar dos ativistas

• Parlamentares rechaçam diálogo com o governo e dizem que, se o movimento nas ruas continuar crescendo, eles vão subir no palanque

Pedro Venceslau e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Embalada pelas manifestações contra a presidente Dilma Rousseff no domingo, a oposição rechaçou a tentativa do governo de abrir um diálogo para fazer com que as promessas de promover a reforma política, aprovar o pacote anticorrupção e realizar o ajuste fiscal saiam do papel.
Uma análise de conjuntura pós-manifestação produzida pelo Instituto Teotônio Vilela, ligado ao PSDB, afirma que a “pauta da cidadania” das ruas inclui a defesa “intransigente” dos direitos dos trabalhadores “impedindo que o arrocho proposto pela presidente avance no Congresso”. O texto diz, ainda, que não será cortando benefícios e aumentando impostos que o País sairá da crise.

O diálogo é rechaçado pelos principais líderes da oposição. “Não há clima para dialogar com o governo, especialmente do discurso da presidente em cadeia nacional. Eles estão no mundo da lua”, disse o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), candidato à vice-presidente na chapa de Aécio Neves em 2014.

“Seria ir na contramão das manifestações”, reforçou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

Para o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, o governo não merece “a mínima confiança”. 

“Esse discurso (de diálogo) é surrado. Se a presidente quer ajuda, ela precisa dar sinais, como a redução de ministérios e cargos comissionados”, diz.

Para o presidente nacional do DEM, senador José Agripino (RN), a proposta do governo foi motivada “pelo grito das multidões”. “Fazem isso para dizer que, de repente, viraram conciliadores. A reforma não depende de entendimento com a oposição. Ela vai acontecer naturalmente”, diz o senador.

“Vale a declaração chamando ao diálogo, ou a de guerra, atribuindo as manifestações aos eleitores de Aécio”, completa o deputado Mendonça Filho (PE), líder do DEM.

Dilema. Apesar da multidão que tomou as ruas no domingo, a oposição se dividiu sobre sua participação nos próximos atos. Enquanto parte dos dirigentes partidários e parlamentares defende uma aproximação “lenta e gradual” com os organizadores, outros advogam a tese de que não há necessidade de colocar os políticos em cima do palanque. Pelo contrário: isso poderia gerar antipatia dos manifestantes.

“Na manifestação (de domingo) os organizadores estavam receosos com a participação de políticos nos carros de som. Poderia parecer oportunismo. Mas acho que, se o movimento continuar com essa força, será inevitável a nossa presença”, diz o senador Álvaro Dias.

O próximo ato contra Dilma está marcado para o dia 12, em São Paulo. Mas não há consenso entre os grupos. O maior deles, o Vem pra Rua, resiste a aceitar a data, marcada pelos grupos Revoltados On Line e Movimento Brasil Livre. “Não queremos proximidade com partidos. O PSDB não é oposição, é ocasião”, diz Marcello Reis, líder do Revoltados On Line.

Para Cunha, hoje não haveria aliança PMDB-PT

• Em entrevista, presidente da Câmara afirma que seu partido não aceita 'presidencialismo de cooptação', mas ataca ideia de impeachment de Dilma Rousseff: 'Brasil não virou uma republiqueta'

Ana Fernandes - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que, se fosse hoje a convenção do PMDB para manter o apoio à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), ela provavelmente desfaria a parceria originada no segundo mandato do ex-presidente Lula. Convidado do programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite dessa segunda-feira, 16, ele foi questionado se hoje o partido votaria pela manutenção da aliança. "Acho que não, não pela presidenta, mas pelo PMDB; a política tem circunstâncias", respondeu. Segundo Cunha, é evidente que houve um enfrentamento entre os dois partidos e que isso deixou sequelas. Na entrevista, o presidente da Câmara reafirmou seu posicionamento contrário ao impeachment de Dilma.

Para Cunha, seu partido, antes maior aliado do PT e hoje em atrito com o governo, não aceita o "presidencialismo de cooptação", que ele alega ter sido imposto pelo governo Dilma. O presidente da Câmara disse que o PMDB não quer "carguinhos", mas quer ser partícipe do governo."Governar não é só dando cargo, é compartilhando soluções a serem adotadas", afirmou. Cunha afirmou que todos sabem da necessidade do ajuste fiscal, bastando ter algum entendimento da economia, mas reclamou que, nos últimos anos, a presidente não chamou o PMDB à mesa de decisões e que, agora, tenta impor o ônus dos erros de seu governo ao PMDB, quando transfere ao Congresso a responsabilidade de aprovar as medidas.

Cunha disse considerar um absurdo a quantidade de ministérios - 39 - e afirmou já ter sugerido a redução para 20. Ainda com relação a cargos, declarou que será um erro da Presidência se achar que vai reconquistar o PMDB simplesmente dando posições em ministérios ou no segundo escalão. "Não é pelo fato de ter mais cargos que vai fazer estar mais ou menos presente governo. O PMDB quer ter opinião, voz e influenciar. Queremos ser partícipes, não queremos mais cargos."

O peemedebista também reclamou da articulação do Planalto de apoiar a movimentação de Gilberto Kassab (PSD), de criar o PL no intuito de atrair parlamentares de outros partidos (inclusive do PMDB) e depois fundir o PL ao PSD, inflando sua representação no Congresso. "Não dá pra defender reforma política e estimular a coleta de assinaturas comprada, arranjada por agentes políticos com subterfúgios. O objetivo ali não é criar partido, com ideologia, mas a busca pelo poder, na cooptação de parlamentares para enfraquecer aliados."

Para Cunha, o governo petista partiu para essa estratégia porque perdeu força política, passou de uma "hegemonia eleitoral" dos três primeiros mandatos petistas para uma "vitória eleitoral" apertada. O peemedebista acredita que se somaram fatores negativos para o governo de Dilma, da comunicação falha do ajuste fiscal à população às denúncias de corrupção na Petrobras. "É uma combustão", afirmou, e depois repetiu a crítica de que os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência) demonstraram incompreensão das manifestações de rua deste domingo, 15.

Ainda assim, Cunha admitiu ter visto hoje um governo mais humilde na postura da presidente - Dilma admitiu na tarde desta segunda-feira que pode ter errado na dosagem da política econômica anticíclica do primeiro mandato.

"Republiqueta". O deputado voltou a se manifestar contrariamente aos pedidos de impeachment de Dilma. "Não posso achar que o Brasil virou uma 'republiqueta' e que podemos tirar o presidente democraticamente eleito. O Brasil não pode fazer como o Paraguai, que tirou o Lugo do dia pra noite porque ele perdeu apoio, vai ser um impeachment atrás do outro se isso acontecer."
O presidente da Câmara disse ainda ser a favor do parlamentarismo como sistema de governo, mas que falar nisso agora soaria golpista, então que preferiria plantar uma semente deste debate para o futuro.

Merval Pereira - Cerco ao PT

- O Globo

O cerco ao PT se fechou ontem com a volta à prisão do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, indicado pelo ex-ministro José Dirceu para representar os interesses do partido na estatal. A denúncia do Ministério Público Federal do Paraná de que as doações de empreiteiras ao PT eram repasses de propina disfarçados de financiamento eleitoral, como classificou o procurador da República Deltan Dallagnol em entrevista coletiva, coloca em evidência o verdadeiro significado do petrolão - financiar o PT e outros partidos aliados - e revela um novo crime, o de lavar dinheiro através do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O segundo tesoureiro do PT flagrado em ações ilícitas, João Vaccari Neto, foi denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro. E, segundo o procurador que chefia a Operação Lava-Jato, sabia do esquema e tinha consciência de que os pagamentos ao partido eram propina.

O fato de ser uma repetição do delito, que já ficara claro no processo do mensalão, demonstra que o PT se utiliza de recursos ilegais desviados do Estado para manter seu projeto de poder, e deverá pesar na avaliação dos ministros da Segunda Turma do STF que julgarão o processo.

Segundo o procurador Dallagnol, Ministério Público Federal tem "ampla prova" de que o tesoureiro do PT se encontrou com os ex-executivos da Petrobras Renato Duque e Pedro Barusco para tratar de doações ao partido. A delação premiada de Barusco certamente foi fundamental para montar toda a rede das transações do ex-diretor de serviços da Petrobras, de quem era subordinado e tão ligado que muitas vezes era Barusco quem cuidava das finanças de Duque, que era "muito desorganizado".

Foi, aliás, a confissão de Pedro Barusco que definiu com clareza que o esquema de recolhimento de propinas nas obras da Petrobras começou a ser organizado institucionalmente a partir do governo Lula, em 2004, e esteve em funcionamento até 2014.

A esperança dos partidos políticos de que seria muito difícil provar que as doações legais eram na verdade feitas com dinheiro desviado pelo esquema de corrupção pode cair por terra com as confissões que estão sendo feitas por diretores de empreiteiras e ex-executivos da Petrobras, fechando um quebra-cabeça que terá até confissões assinadas para atestar a veracidade do ocorrido.

Se no processo do mensalão o esquema de uso de dinheiro público para financiar os partidos políticos era uma prática nova, desconhecida do grande público, agora no petrolão já se trata de uma prática conhecida, devidamente criminalizada e penalizada, só que de dimensões infinitamente maiores.

A prisão de Renato Duque, dessa vez em conformidade com critérios legais que provavelmente não darão margem a novo habeas-corpus - Duque movimentou parte de sua fortuna no exterior, com a clara intenção de escondê-la da investigação - foi considerada pelo Palácio do Planalto como uma má notícia, pois ele tem uma proximidade com a alta cúpula do petismo que pode levar à identificação de novos responsáveis pelo esquema de propinas na Petrobras, podendo chegar até as figuras da presidente Dilma e do ex-presidente Lula se ele quiser abrir o jogo.

Sua prisão pode levar a novos indícios sobre a participação de seu "padrinho" José Dirceu, que recebeu milhões de empreiteiras à guisa de "consultorias". O doleiro Alberto Youssef, em sua delação premiada, disse que as consultorias de Dirceu na verdade eram propinas. Os procuradores investigam esse filão sabendo que alguns dos empreiteiros presos já estariam dispostos a confirmar em delações premiadas as informações de Youssef.

O próprio Renato Duque, que se manteve em silêncio até agora, no melhor estilo petista, poderia ser um caminho para desvendar todo esquema do PT no petrolão, caso decida falar. Como sua prisão preventiva não tem limitação de tempo, é possível que ele siga o mesmo roteiro de outros envolvidos, usando a delação premiada para reduzir sua pena.

Marco Aurélio Nogueira - E agora? Manifestações desafiam o governo Dilma e a democracia

O Estado de S. Paulo

Os apoiadores do governo Dilma quiseram se contrapor às manifestações de ontem, domingo 15 de março, e perderam. Perderam, antes de tudo, porque na sexta-feira puseram menos gente nas ruas e não conseguiram dramatizar o ato que organizaram. Foram superados em alguns bons milhões, o que não é desprezível se considerarmos que povo nas ruas era, até então (ou até 2013), uma espécie de monopólio do PT.

Foram efetivamente milhões contra o governo. Especialmente da classe média e da “classe alta”, pelo que se pôde ver na superfície, nas caras, no estilo. Eleitores tucanos, na maioria, com certeza. Mas teria sido somente isso? O povão terá permanecido indiferente, alheio à massa de gente que se manifestou? Fechou-se em silêncio para reiterar o apoio ao governo? Não há como saber. Os governistas disseram que foi uma manifestação de “brancos”, que os negros ficaram em casa.

Falaram que as pessoas foram induzidas e estimuladas pela Globo e pela “mídia golpista”, que os “fascistas” eram a maioria. Tentaram fazer de tudo para deslegitimar os protestos. O que fica são as imagens da TV, um pouco de bom senso analítico e as vibrações da corrente elétrica que tomou conta de muitas cidades e que, em São Paulo, permaneceu ativa durante 12 horas. Perto da meia-noite ainda se ouvia uma panelinha aqui e ali.

Foi um barulho emblemático, simbólico, polifônico e em boa medida espontâneo, fora de controle. Expressou a babel brasileira em ação, juntando democratas irritados, gente desencantada com a política, grupos saudosos da ditadura e pessoas que acreditam que uma “intervenção militar” pode endireitar o país. Falou-se contra o PT e o comunismo, como se fossem sinônimos, contra a corrupção, contra os políticos e os partidos. Vestidas de verde-e-amarelo, as vozes pareciam querer se unir em torno da defesa de um País. Não necessariamente de uma comunidade política.

O governo também perdeu quando quis reagir. Não porque escalou Rossetto e Cardoso para falarem pela Presidente. Eles até que cumpriram o que deve ter sido combinado. O problema foi o script, o teor da fala, a postura. Nenhuma novidade, nenhuma proposta, nem sequer um minúsculo reconhecimento de que há um fosso entre as ruas e o Palácio. Ofereceram o mesmo lenga-lenga de sempre, sem nem se darem ao trabalho de requentá-lo.

O governo Dilma errou feio quando fez de conta que não sentiu a pancada. Não saiu do córner para onde foi empurrado. Isolou-se um pouco mais. Continuou a insistir nas mesmices que adotou como discurso desde 2013: há uma crise mundial, não temos culpa pelas dificuldades, fizemos tudo certo até agora mas o modelo se esgotou e a conjuntura conspira contra, estamos empenhados em estruturar um pacto contra a corrupção e pela reforma política.

O panelaço que acompanhou a entrevista dos ministros foi uma declaração bombástica: mudem o disco, este que continua a nos ser oferecido ninguém mais quer ouvir.

Foi preocupante. Não é bom para a democracia que um governo recém-eleito fique nas cordas, sem capacidade de reação inteligente. Como não cairá — não há golpe nem impeachment com chances reais de afirmação –, a perspectiva de tê-lo enfraquecido e zonzo por mais quatro anos não é boa. Poderá deixar as coisas ainda piores, sobretudo no chão duro da vida. Não somente na política.

Por isto, hoje há uma única pergunta pedindo respostas: e agora?

O importante não é descobrir os próximos passos dos oposicionistas, se haverá ou não novas manifestações, se serão ainda maiores e envolverão as forças políticas, ou se a onda arrefecerá na praia. O importante é, por um lado, ver o efeito disso na democracia, no sistema político e nos partidos: ver como reagirão, se conseguirão estabelecer um link ativo com as ruas, se conseguirão ser mais protagônicos e ajudar a organizar politicamente a virtude das ruas. Por outro lado, e sobretudo, é saber o que fará o governo Dilma, o PT, sua base parlamentar. Não é razoável achar que não farão nada. Não é razoável, mas a vida não é feita só de ações e reações razoáveis. Sempre há cordas e espaços para quem pensa em se enforcar.

Os políticos brasileiros — todos eles, sem exceção — têm cultuado um desconcertante desprezo pela interação social: não dialogam com o povo, não vão aonde ele está, só o procuram em épocas eleitorais. Não demonstram qualquer disposição para compreender a sociedade que aí está. São “antissociológicos”, digamos assim: acham que sociologia e análise sociológica são coisas de intelectuais acadêmicos, diversionismo e perda de tempo. Parecem desconhecer o mundo em que vivem, não reconhecem que o modo de vida mudou, que as pessoas são diferentes e estão mais massificadas do que nunca, não cabendo mais nos esquemas analíticos dicotômicos: nós e eles, ricos e pobres, burgueses e proletários.

A própria dupla esquerda x direita — que continua vivíssima, assim como o conflito social — ganhou contornos mais complicados. Os políticos precisam se libertar dos chavões dogmáticos que fazem com que a luta de classes se converta em expediente doutrinário para a luta política e perca densidade como critério de análise política. Não adianta falar em correlação de forças sem que se compreenda o estado atual das forças em jogo. São completamente insuficientes os lugares-comuns do “bom governismo”: estamos fazendo o melhor, o certo e o possível, mas nossos inimigos não nos dão trégua e não nos deixam fazer mais. Falar em participação e democracia é fácil, difícil é viabilizar isso como critério de sustentação governamental e de governação.

O governo Dilma ainda tem 14 rounds pela frente, depois de ter saído grogue do primeiro. Os que estão contra ele hoje ainda não estão articulados e nem apoiam seus adversários da oposição política.

O governo tem tempo e recursos para sair do córner e agir com inteligência. Deveria começar por um ajuste no discurso e na comunicação, explicar porque não consegue cumprir as promessas eleitorais de 2014, caprichar na linguagem. Pode mexer no ministério: incluir nele uma boa cota de figuras dotadas de brilho próprio e liderança. Se fizer isso, porém, para dar mais peso ao PMDB e acalmar a tropa no Congresso, pulará no precipício. O governo e o PT deveriam reformular o modo como praticam o presidencialismo de coalizão. Se quiser ganhar corpo e decolar, o governo pode até mesmo acenar para a oposição, chamá-la para conversar e fazer algo em conjunto.

Para qualquer uma destas opções, porém, precisa se desvencilhar da empáfia, da arrogância e da autossuficiência, aceitar que errou em certos pontos, que não retém toda a sabedoria política e gerencial da nação, que a crise é real e complicada não só porque o capitalismo globalizado é real e complicado, mas porque a sociedade brasileira é real e complicada, não tem donos nem patronos.

Podemos esperar algo assim?

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Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política na Unesp

João Bosco Rabello - Mais do mesmo

- O Estado de S. Paulo

O êxito da manifestação popular do dia 15 era previsível, mas o governo, mesmo assim, parece tê-la esperado em estado catatônico. É o que se depreende da entrevista coletiva, a dois, dos ministros da Justiça, Eduardo Cardozo, e da Secretaria Geral, Miguel Rosseto, ao final do dia, para a palavra oficial sobre o protesto.

Como resposta objetiva, mais do mesmo. O governo ofereceu o que já prometera em junho de 2013 e que jamais saiu do papel. E nem poderia: já ali as promessas eram meras peças de retórica: constituinte exclusiva, reforma política, combate à corrupção. Ontem foi excluída apenas a constituinte.

Mesmo assim, essa reação foi antecedida de um discurso defensivo cada vez mais distante da realidade. Nessa toada, é provável que o contribuinte troque o panelaço durante essas falas enfadonhas do governo pelo controle remoto para desligar a televisão. Ou mudar de canal.

Os ministros não conseguem mais a equidistância necessária do cargo e da camisa partidária. Não foram ali falar do governo, mas do governo do PT, tal o empenho em desqualificar a manifestação. Miguel Rosseto chegou a dizer que a maioria dos manifestantes é formada por eleitores da oposição, como se fosse possível contabilizá-los dessa forma.

Nem se deu conta de que a frase admite que eleitores da presidente Dilma Rousseff, ainda que em minoria, já participam dos protestos contra seu governo. Se assim é, com apenas dois meses do novo mandato, trata-se de voto arrependido, o que faz da defesa do ministro uma peça contra o governo.
Rosseto não disfarçava a irritação. E foi além, ao registrar o caráter pacífico da manifestação. Ao elogiar esse aspecto, disse que não seria tolerável que o tom das passeatas fosse o impeachment, possivelmente sem se dar conta de que a manifestação é livre. Não se dirigia aos partidos de oposição, mas à população que foi às ruas.

Na véspera, o ministro da Justiça, em tom de advertência, dizia o mesmo: passeata, sim, mas com impeachment, não. Seria, na versão de ambos, golpismo. De quem, dentre as centenas de milhares de pessoas que foram às ruas em todo o país, sem companhia de líderes políticos?

Cardozo saudou a democracia, refletida na manifestação ordeira, valorizando-a como uma garantia do governo do PT, a exemplo do que faz a presidente Dilma Rousseff – e ele próprio – ao tentar atribuir a uma iniciativa do governo as ações da Polícia Federal e do Ministério Público no combate à corrupção.

Esta, a propósito, mais uma vez anunciada como um compromisso do governo. Agora, com o anúncio de mais uma legislação anticorrupção, como se o Ministério Público e o Judiciário já não estivessem a léguas de distância com a operação Lava Jato, que o governo não trata com a transparência devida.
E como se o combate à corrupção dependesse de mais legislação.

A opção pela escalação dos ministros reforça a imagem de tutela que começa a ficar impressa na presidente Dilma Rousseff. Não é ela quem dialoga com o Congresso, nem a que aparece para anunciar – e mesmo explicar – as medidas do ajuste fiscal, assim como também não se expõe em defesa de seu governo depois de manifestação tão significativa como a de domingo.

Essa constatação empresta credibilidade às versões não desmentidas de atritos cada vez mais frequentes – e intensos – entre a presidente e seu antecessor, Lula, como a que circulou após o encontro mais recente de ambos no Palácio da Alvorada. Por essa versão, o ex-presidente chegou ao limite com a resistência da sucessora em adotar as sugestões que recebe.

Pode ser a resistência à tutela, que as circunstâncias tornam cada vez mais frágil. Possivelmente o roteiro traçado por Lula passa pelo reconhecimento do governo de que seus erros levaram à crise e que, agora, se empenha em corrigir os rumos. Serve a ele, Lula, mas desserve à biografia da presidente – eis aí o dilema.

O reconhecimento de Dilma de que errou na economia serviria a Lula como o atestado de que precisa para se desvincular da crise econômica. No seu governo, os números eram positivos. A sucessora, sua afilhada, produziu a crise por teimosia, uma versão perfeita para seu retorno em 2018.

O problema de Dilma é que os fatos dão razão a Lula: sem reconhecer os erros que levaram à crise, a presidente terá a missão impossível de defender medidas corretivas, como gosta de chamar o ajuste fiscal, sem causas que as justifiquem.

É no que parece insistir o Planalto: a ideia de uma cirurgia em paciente saudável, que fez tudo certo na vida mas, apesar da boa forma, precisa da UTI para tratar uma gripe passageira.

Igor Gielow - Ato com foco definido foi além do estereótipo

• Dimensão dos protestos, que reuniram não apenas gente mais rica e grupos de direita, surpreendeu o governo

- Folha de S. Paulo

Se a narrativa da crise do segundo mandato de Dilma Rousseff carecia do elemento "rua", a lacuna foi preenchida neste domingo (15).

Governo e oposição terão de quebrar a cabeça para dar agora resposta mais efetiva ao fenômeno.

A dimensão dos protestos superou as expectativas do Planalto, e sua natureza enseja um problema de outra espécie para a presidente.

Os atos do 15 de março tiveram características bem diversas daqueles de junho de 2013 --que explodiram após uma demanda objetiva, sobre passagem de ônibus, virar uma pauta difusa "contra tudo e todos". Acabaram esvaziados pela espiral de violência de suas franjas radicalizadas, como os black blocs.

Já o que parece ter começado com o panelaço do domingo retrasado (8) tem foco: o governo Dilma.

A oposição formal não é necessariamente favorecida pela situação. Talvez por medo de atrair fogo para si, e calculando que o governo é quem mais tem a perder agora, seus líderes deram um apoio distante aos atos.

Se quiserem surfar uma eventual onda, os opositores terão de achar um discurso.

A falta de elementos desestabilizadores viabiliza uma agenda de protestos. As pessoas foram às ruas sem medo e, salvo relatos em contrário, não são militantes pagos ou arregimentados por entidades governistas como ocorreu nos atos da sexta (13).

O que se viu neste domingo foi diverso do estereótipo pintado pelos governistas nas redes sociais --de que os manifestantes são simpatizantes da intervenção militar e/ou ricos insatisfeitos com o que chamam de "conquistas dos pobres" sob o PT.

Havia gente mais rica e ocupante do espectro político à direita do centro, mas não só. E a caricatura, como manifestantes pedindo a volta da ditadura, era minoritária. Eles serviram bem ao propósito de ilustrar posts de Facebook de petistas, mas só.

O Planalto já esperava uma concentração maior em São Paulo. Mas ministros falavam em talvez 100 mil pessoas como algo estrondoso; foram mais, e números expressivos notados Brasil afora.

Sobra agora para o governo buscar alguma estratégia além da que foi anunciada pelos abatidos ministros ao fim da jornada de domingo, que requenta o discurso de 2013 e 2014 com antigas defesas de reforma política e pacotes contra a corrupção.

Também não parece muito funcional a linha adotada por Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), de dar mais ênfase para o ato chapa-branca de sexta e de ver fantasmas golpistas nas ruas do dia 15.

O espaço de manobra, contudo, é limitado. Não há dinheiro para bondades, como o aumento do mínimo usado por Lula na crise do mensalão, e o cenário político sugere mais instabilidade.

Zander Navarro - O verão da nossa desesperança

- O Estado de S. Paulo

A descrença em nós mesmos, como povo e como sociedade, parece ser ingrediente entranhado em nossa cultura. Discuti-la tem sido recorrente entre os "explicadores do Brasil" de maior envergadura.

Na miudeza cotidiana, o ceticismo imobiliza as pessoas, pois os antídotos são as fugas coletivas, como o conformismo, o carnaval, as drogas ou a obsessão futebolística. Assim dizem os estudiosos, igualmente sugerindo que medicação adicional dos indivíduos para os perturbadores tempos da desesperança seriam as religiões. Estas podem enrijecer as crenças ancoradas no salvacionismo e nos prostrar diante dos deuses e suas magias, enquanto prometem a redenção no futuro remoto. O presente, em consequência, tornar-se-ia mais tolerável, suavizando as reações sociais.

Também seríamos um povo sem memória e por isso nos comportamos como aquietadas marionetes perante aqueles que comandam a riqueza, o poder e a política. Parece que a frase repetida entre filósofos e literatos "somos porque lembramos" não seria distinção visível entre nós. Assim infantilizados, nossas práticas sociais têm rasa densidade e nem mesmo teria existido alguma história de "longa duração", induzindo a produção de cultura mais robusta, tradições enraizadas, costumes inquebrantáveis. Vítima da amnésia geral, nosso senso de humanidade se rebaixa amesquinhado.

Seríamos mesmo um povo residual e descartável, eternamente vítima das artimanhas do poder? Como nos adverte o sociólogo José de Souza Martins, "afirmamo-nos como povo no negativo, no noticiário policial, na esquizofrenia das revoltas populares inconclusas".

Mas esses seriam os bloqueios primordiais?

Ainda que a crise atual evidencie, sobretudo, contornos econômicos e políticos, em sua essência a inquietação e o estranhamento por que passamos decorrem, particularmente, de uma crise moral.

Estamos, os brasileiros, abandonando a sustentação oferecida pela moralidade: a regra geral a partir da qual não apenas resignadamente nos curvamos, mas a norma cuja existência também almejamos ansiosamente, pois é a estrutura não escrita que garante alguma estabilidade. Levianos, excluímos sem substituição alguma os elementos constituintes e os mecanismos morais que organizam os agrupamentos coletivos e mantêm coesa a argamassa da sociedade.

Em consequência, a moralidade vem sendo corroída aceleradamente, deixando-nos à deriva no que diz respeito aos valores principais e à matriz ética que nos deveria orientar. Sem rumo algum que seja discernível, igualmente renunciamos a qualquer noção de "boa sociedade" que nos poderia seduzir politicamente. Debilitada essa estrutura de coerção positiva imposta pela moralidade, os indivíduos começam a sentir na pele os efeitos da lei da selva e sentem-se dispostos a defender-se de acordo com os interesses mais imediatos. As noções de bem comum, espaços públicos e até mesmo de sociedade lentamente desaparecem do imaginário social. Se a crise moral se aprofundar, não estaremos longe da porta do "Deus nos acuda".

Por que tem sido assim? Em sua inteireza, a explicação exigiria complexa análise das causas principais. Um dos temas tratados seria, por exemplo, o gradual, mas incontrolável apodrecimento das noções de autoridade e legitimidade.

Exemplo recente: se algumas centenas de ingênuas adolescentes urbanas travestidas de "camponesas" invadem uma firma organizada legalmente e destroem experimentos de pesquisa com eucaliptos transgênicos, mas nenhuma delas é indiciada, a aceitação social da autoridade legítima escorrega alguns degraus abaixo. Outro exemplo: a mandatária maior do País vem mentindo sistematicamente desde a última campanha eleitoral e despudoradamente persiste nesse caminho, após eleita. Parece ignorar que o conteúdo de legitimação dos cargos públicos assim se desmoraliza aos olhos dos cidadãos. Ante a ruína da Petrobrás e o simbolismo da empresa, somados ao efeito dominó operado em toda a economia e no sistema político, a lista de exemplos seria interminável.

Em nossos dias, uma cristalina consequência decorrente desse impressionante período de dissimulações de todos os tipos é que o Brasil se está transformando na sociedade modelar do fingimento. Somos atualmente um vasto teatro, com figurantes de todos os tipos, quase todos sonhando com mundos ficcionais. Exigimos bolsas estatais para tudo e todos, benefícios e favorecimentos os mais diversos e apenas discutimos direitos, mas nunca deveres. Projetos querem garantir cotas para qualquer especificidade ao gosto do proponente, mesmo que os beneficiários representem minorias minúsculas, segmentando ainda mais uma sociedade já historicamente fraturada por um obsceno padrão de desigualdade social. Fingimos que trabalhamos e simulamos que somos sérios. Em síntese, fingimos aceitar que existiria, sim, o almoço grátis e nenhum sacrifício coletivo em torno de um projeto de nação jamais será exigido dos cidadãos. E a ninguém é dado o direito de perguntar sobre o pagamento da conta, pois também fantasiamos que o ressarcimento econômico ou moral sempre poderá ser adiado para um distante ponto futuro.

Em outros tempos, a grande política discutia o poder e os limites do Estado, ou como os governos deveriam envolver-se com os cidadãos e as necessidades da população. Era um grande e permanente debate que fortalecia algo chamado sociedade. Regularmente existia a chance eleitoral de mudar a direção da discussão geral. A política sempre envolvia paixão, criatividade e, sobretudo, argumentos em torno de previsões sobre o futuro. Tudo isso acabou. A política em nossos dias está ancorada exclusivamente no dinheiro e no imediatismo. Este é o impasse: é preciso reinventar a política como forma de resgatar a chance de construir novamente o sonho da boa sociedade.

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*Zander Navarro é sociólogo e professor aposentado da UFRGS (Porto Alegre).