quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Do doce para o azedo – Editorial / Folha de S. Paulo

Não fosse o recurso a um verbo nada eufemístico –"lambuzar-se"–, a entrevista de Jaques Wagner, ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, talvez tivesse tido impacto relativamente pequeno na cúpula do PT.

As declarações do responsável pela coordenação política do Planalto, publicadas na Folha de domingo (3), caracterizaram-se antes de tudo pela habilidade que, para os otimistas, confere a Wagner mais condições de gerir a crise do que possuíam seus antecessores.

O ministro admitiu, o que é positivo após tantas manifestações de arrogância por parte do Executivo, os erros cometidos até aqui. O tom adotado não foi, entretanto, o de um penitente arrependido.

O PT falhou em não promover uma reforma política no primeiro ano do governo Lula, disse Wagner, sendo levado assim a reproduzir metodologias antigas na composição de sua base parlamentar e, pode-se presumir, na arrecadação de recursos de campanha.

Nada, nessa interpretação, constitui novidade perante as habituais explicações lulistas para o descalabro ético que veio à luz desde o mensalão. O PT e seus governos surgem quase como vítimas das circunstâncias; admitem-se com palavras suaves a fraude e o assalto ao dinheiro público como se tudo tivesse sido feito a contragosto.

Foram igualmente matizadas as considerações de Jaques Wagner sobre os exageros que o PT vê no ajuste econômico intentado pelo ex-ministro Joaquim Levy. Em suma, o petista disse o que é possível dizer, dentro da posição que ocupa no governo, sem parecer prepotente nem fora da realidade.

Acrescentou, porém, uma frase especialmente vívida em sua entrevista. Compactuando com velhos esquemas de clientelismo e uso de recursos públicos, o PT faz evocar, disse Wagner, o ditado segundo o qual "se lambuza" quem nunca antes provou melado.

A frase bastou para que algumas figuras do partido reprovassem a atitude do ministro, como sintoma de inaceitável subserviência ao vocabulário oposicionista.

Tais reações seriam simplesmente ridículas, em seu artificial azedume, se não refletissem a tentativa de preservar algo da identidade do partido em meio a uma situação que, como bem sabe o governo, exige esforços para ampliar o diálogo com a sociedade e, ao mesmo tempo, atacar com mais intensidade o problema do defícit público.

Parte do PT não parece ter outra atitude a seguir exceto o da belicosidade de superfície, da birra infantil, do desmesurado jogo de cena. Do outro lado, é preciso esperar para ver o quanto, na moderação de Jaques Wagner, haverá de jogo de cena também.

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