terça-feira, 29 de março de 2016

A narrativa do golpe - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

A Câmara foi palco ontem de uma manifestação de advogados ligados ao PT e aos réus da Lava-Jato contra a entrada de um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Ordem dos Advogados do Brasil, que havia sido aprovado pelo conselho da entidade por ampla maioria.

Atos dessa natureza tendem a se reproduzir, ao lado de manifestos de entidades controladas pelos petistas. O PT pretende realizar manifestações por todo o país no próximo dia 31 de março, contra o impeachment e a Lava-Jato. O slogan governista é “Não vai ter golpe!”. A data é uma alusão ao golpe militar de 1964, que destituiu o presidente João Goulart, comparação emblemática para a narrativa.

Ontem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevista coletiva a correspondentes estrangeiros e reforçou a tese de que está em curso um golpe de Estado no Brasil, a mesma ladainha da presidente Dilma Rousseff na entrevista à mídia internacional da semana passada.

Há um certo desespero nessa agitação. No Palácio do Planalto, a avaliação é de que o governo conta com 25 votos entre os 65 deputados da comissão especial encarregada de apreciar o pedido e encaminhá-lo ao plenário para votação. O posicionamento da OAB lança por terra a tese de que não há base legal para aprovação do impeachment, ou seja, a narrativa do golpismo é furada.

O desespero é ainda maior porque o PMDB deve desembarcar do governo de forma lenta, gradual e segura, até a votação do impeachment pela Câmara, a partir da reunião de seu diretório nacional de hoje.

Ontem, o ministro do Turismo, Luiz Henrique Alves, aliado de primeira hora do vice-presidente Michel Temer, entregou sua carta de demissão.

A situação da ministra da Agricultura, Kátia Abreu, amiga de Dilma, no mundo do agronegócio está ficando insustentável. Sua liderança sofre desgaste. Quem mais resiste ao desembarque, porém, é o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga. Na reunião de hoje, a tendência o PMDB é aprovar a saída do governo e dar um prazo confortável para que a ala governista fique nos cargos até a hora da onça beber água.

Mas voltemos à narrativa petista. O processo de impeachment é previsto na Constituição da República. O rito estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para sua aplicação está sendo cumprido à risca pelo presidente da comissão especial, Rogério Rosso (PSD-DF), que ontem conversou com o presidente do Supremo, ministro Ricardo Levandowski, para dirimir eventuais dúvidas quanto ao processo. Para cassar Dilma, a Câmara precisa enquadrá-la no dispositivo constitucional que define os crimes de responsabilidade, previstos numa lei de 1950 e na Constituição de 1988. A lei é genérica quanto ao mérito, a Constituição é rigorosa quanto à competência do Congresso para julgar.

A narrativa de Dilma Rousseff contra o impeachment se baseia em três argumentos: primeiro, de que exerce um mandato popular soberano; segundo, as pedaladas fiscais não seriam motivos suficientes para configurar o crime de responsabilidade; terceiro, o Congresso não teria legitimidade para cassar seu mandato, ainda mais porque o impeachment foi aberto pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cuja cassação de mandado foi pedida ao STF por envolvimento na Operação Lava Jato.

Judicialização
Na verdade, soberana é a Constituição. A Câmara representa a totalidade dos eleitores, pois as bancadas dos partidos correspondem aos votos recebidos pela situação e pela oposição. Nesse aspecto, é mais representativa até do que o Senado e a Presidência. Entretanto, os deputados apenas aceitam o pedido, quem julgará o impeachment serão os senadores. O julgamento por crime de responsabilidade é prerrogativa do Congresso e não do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe apenas zelar pelo respeito às regras do jogo. Trocando em miúdos, o julgamento é político, como deixou claro ontem o ministro do STF Luís Roberto Barroso.

Mesmo assim, a narrativa de Dilma Rousseff insiste na tese do golpe, numa estratégia de resistência que busca deslocar o eixo da discussão de sua responsabilidade na crise tríplice de seu governo — recessão e desemprego, desarticulação da base e Lava-Jato— para a defesa da democracia. Essa é uma aposta na “judicialização” do impeachment, no pressuposto de que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) venham a anular eventual decisão do Congresso. É mais sensato o Palácio do Planalto apostar na política e tentar manter o que ainda resta de deputados na sua base para barrar o impeachment na Câmara. A não ser que a narrativa seja um estratagema do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sobreviver na oposição, diante da debacle do governo Dilma.

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