terça-feira, 29 de março de 2016

Ciclo de fuga - Míriam Leitão

- O Globo

Há um momento no presidencialismo de coalizão, de acordo com o conceito desenvolvido pela ciência política para explicar o sistema brasileiro, em que os políticos da base fogem do poder central. Este é o momento que estamos vivendo. O PMDB decide hoje se fica ou não na coalizão, ontem entregou um ministério, e outros grupos já estão se afastando da Presidência.

Isso ocorre quando a estrela maior perde força e surgem novos polos de atração. A impopularidade é o horror do político porque é contagiosa e pode acabar com suas chances de ter mandato. Em pleno ano eleitoral, a forte rejeição ao PT e à presidente Dilma estão alimentando o chamado ciclo centrífugo. Reverter uma dinâmica como essa é muito difícil.

A reação do governo de ir para “o varejo total, balcão de feira”, como informou o GLOBO, adianta pouco num contexto como este e no estágio avançado em que está esse processo. O poder atrai, a perda do poder afugenta. Na hora da fuga, adianta pouco distribuir nacos da administração, em cenas de fisiologismo explícito, se o poder é visto como poente.

No final do governo Sarney, com o país em hiperinflação após o fracasso do Plano Verão, o terceiro daquela administração, o pais viu um processo de abandono total da Presidência. Na fragmentada eleição de 1989, nenhum candidato defendia o governo ou se dizia governista, nem mesmo o deputado Ulysses Guimarães.

Durante o julgamento de Collor, o centrão, que o havia sustentado, se desfez, e a Presidência não atraia mais nem aliados da primeira hora como Renan Calheiros. A vantagem foi que o então vice-presidente Itamar Franco havia brigado com Collor antes da posse e se mantido totalmente distante do governo. Itamar parecia ser um vice à deriva durante o período em que a presidência de Collor atraía apoios, o ciclo centrípeto. No ciclo de fuga, ele virou alternativa.

Há duas diferenças na crise atual. O PRN não era um partido, mas um arranjo oportunista de ocasião, e o PT é um partido. Itamar não participava dos atos de governo nem estava envolvido na mesma investigação, e Michel Temer tem sido atingido por suspeitas na Lava- Jato. Nada se repete da mesma forma, mas a dinâmica que leva o governo a temer a debandada é a mesma de outros momentos na história. O poder se alimenta da perspectiva de poder, por isso uma Presidência enfraquecida e que seja vista como sem futuro perderá apoios rapidamente. Por isso também faz sentido os movimentos da presidente Dilma de negar a renúncia para manter seu núcleo na sua órbita. A mesma lógica levou o ex-presidente Lula a se colocar como candidato porque assim ele cria para si mesmo uma perspectiva futura de poder e tenta conter o abandono atual.

No ciclo centrífugo vão se tornando cotidianos pequenos e grandes sinais de desprestígio, da recusa de cargos ao não comparecimento a reuniões. O político começa a evitar ser visto como condômino do poder porque isso afeta suas possibilidades de sobrevivência.

Boas notícias econômicas podem reverter o processo em seu estágio inicial. O segundo mandato do governo FHC começou com crise cambial e valorização do dólar. A mudança foi vista como quebra de promessa de manutenção do Plano Real que Fernando Henrique havia feito na campanha. A popularidade despencou, o PT lançou o “Fora FHC”. Em 1999, no entanto, a inflação foi controlada, os piores temores, afastados, e a economia não teve a recessão que se temia. O PIB cresceu forte no ano 2000, e o governo se reorganizou.

Agora, não há possibilidade de boas notícias econômicas. Há um processo de desinflação que reduz a taxa em 12 meses, mas à custa da recessão e com índice ainda alto. O ajuste externo produz números bons, mas isso não é perceptível pelas pessoas. A recessão é profunda. Na economia não há boias de salvação. Na política, pode ser tarde demais para deter o ciclo de fuga.

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