domingo, 6 de março de 2016

Dilma, e agora? - Míriam Leitão

- O Globo

O governo Dilma está diante do fim antecipado, independentemente de quanto tempo ela fique no cargo. Um governante se sustenta em apoios, e hoje concretamente ela não os tem. A base política há muito tempo desmoronou, o PMDB tem seu próprio projeto, que só se encontra com o de Dilma quando a mesma ameaça paira sobre ambos. Até o PT se afastou. A presidente não tem, há muito tempo, apoio popular.

Seu governo é altamente impopular. Qualquer pesquisa de opinião mostra que pouco mais de 10% acham seu governo bom ou ótimo e sobe de 60% a 70% os que a rejeitam. A situação econômica torna pouco provável qualquer recuperação dessa popularidade que se esvaiu rapidamente após a reeleição. Seu mago publicitário permanece na prisão, sem poder ensinar para ela qualquer outro dos seus truques, que ademais não estavam mais funcionando.

Sem apoio popular, sem base parlamentar, sem partido que a sustente e diante de uma devastadora crise econômica é a hora de perguntar, como nos versos de Drummond: Dilma, e agora?

Há um equívoco sobre a relação causal entre a crise política e a econômica. A economia foi ferida pelos erros na condução da política econômica, ela não foi vitimada pela política e muito menos pela Lava-Jato. A política também entrou em seus próprios descaminhos por outros motivos que não a crise econômica, mas um ambiente de recessão de dimensão histórica, aumento do desemprego, de quebra de empresas, certamente piora qualquer crise política. Se o país estivesse crescendo, ou revertendo situação desfavorável, seria mais fácil para a presidente recuperar um pouco a popularidade e a partir daí se fortalecer para o diálogo político. Tudo está ligado de certa forma, mas sem que um seja a causa do outro. A economia criou a sua crise; a política criou a sua crise. São dois tornados que se encontraram e viraram gêmeos. Agora um agrava o outro.

Nessa complexidade, a Lava-Jato tem efeitos econômicos sim e abala a política. A investigação não é a culpada, porque ela apenas procura saber, e punir, os que cometeram os mais diversos crimes contra a ordem política e econômica do país.

Neste quadro em que tudo se liga, mesmo que tenha origem diversa, produzindo uma crise de dimensões gigantescas, a presidente foi perdendo aos poucos a capacidade de iniciativa política. Ela apenas reage aos eventos. Ela não governa. O ex-presidente Lula disse que não a deixam governar, e assim terceirizou, novamente, a culpa que é do governo.

A situação econômica é lastimável. Empresas estão vendo sumir os consumidores e contratantes, a produção está sendo reduzida, os empregos estão sendo cortados, a renda, caindo, e a arrecadação, diminuindo. O efeito dominó das dores econômicas está se espalhando como foi previsto tantas vezes por tantos. Tudo está dando errado porque o governo errou. A dívida pública aumentou de forma assustadora e não há perspectiva de estabilização e queda. Isso alimenta a incerteza. Quanto mais o governo erra nas decisões que toma — ou adia as medidas necessárias — mais fundo fica o fundo do poço; mais longa será a caminhada até a recuperação.

Diante disso, o governo Dilma esgotou-se muito tempo antes do seu fim. Esta é a armadilha na qual o país está. Uma presidente sem força e sem poder é um lame duck, como se diz em inglês, mas só se pode estar assim quando o governo apenas conta o tempo para passar a faixa.

De tudo o que disse Lula na sexta-feira, o mais importante talvez seja que ele quer de novo viajar pelo Brasil. Sonha assim em recriar o ambiente da caravana da cidadania em que viajava atacando o governo de então e prometia que mudaria tudo. Ele tenta recriar o ambiente de campanha eleitoral no qual se sente imbatível — apesar das várias derrotas eleitorais que amargou — e poderá defender sua tese de autolouvação. “Eu fui o melhor que todos os presidentes, melhor que os cientistas políticos, melhor que os advogados...”, disse Lula. Poderá também defender sua tese distorcida de que a elite não o aceitou, apesar de ele, o PT e o governo estarem em apuros pelas relações promíscuas com empresas e empresários da elite brasileira. Se Lula tiver sucesso nesse ilusionismo populista, no qual, de fato, é bom, ele estará tornando ainda mais pálida a figura da presidente Dilma.

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