domingo, 3 de abril de 2016

Contra o direito e a razão – Editorial / O Estado de S. Paulo

Para salvar o mandato, a presidente Dilma Rousseff e os operadores que agem em seu nome, mormente o chefão Luiz Inácio Lula da Silva, acionaram as engrenagens do Estado, que a petista ainda institucionalmente controla, para comprar o apoio do baixíssimo clero da Câmara. Nem é preciso enfatizar o óbvio – que, ao usar a máquina pública não para atender aos interesses do conjunto da população, que a sustenta na forma de impostos, mas apenas para satisfazer apetites fisiológicos e fazer gorar um processo de impeachment, Dilma e sua trupe revelam sua verdadeira vocação antidemocrática.

O problema é que, como resultado dessa infame manobra, Dilma pode, contrariando o direito e a razão, conseguir os votos necessários para barrar sua destituição – afinal, de um Congresso dominado pelo vale-tudo, que tem em seu comando políticos sobre os quais pairam sólidas acusações de corrupção e que é constituído por vários partidos que deram apoio ao governo em troca de participação no butim da Petrobrás, pode-se esperar qualquer coisa. Assim, é preciso alertar que, na tenebrosa hipótese de Dilma triunfar, o País passará os próximos dois anos entregue a uma administração que somente existirá porque, sem alternativa viável graças à sua inépcia crônica, assumiu compromissos com o rebotalho do Congresso, abrindo-lhe espaços nobres no Ministério e aviltando de forma inédita o exercício da Presidência. Isso não é alarmismo vão.

O perfil do governo Dilma, caso a presidente escape do impeachment, já está sendo traçado nos subterrâneos da Câmara. No momento em que o País afunda no descontrole das contas públicas e nos sucessivos erros de gestão, fruto do voluntarismo tatibitate de Dilma e de sua reconhecida incompetência, a administração será entregue não a pessoas capazes de colocar a casa em ordem, mas a apaniguados indicados por partidos de aluguel, cujos donos foram cooptados na bacia das almas, na base do puro e simples toma lá dá cá.

Muitos dirão, com razão, que o governo de Dilma Rousseff já não era exatamente um modelo de meritocracia. Graças à proverbial inabilidade política da presidente, ela e seus desastrados auxiliares se viram obrigados a fazer acordos com a segunda divisão do PMDB, entregando cargos importantes, como o Ministério da Saúde, a políticos sem nenhum preparo para tamanho desafio. Tudo porque essa turma poderia, em tese, garantir a Dilma preciosos votos contra o impeachment.

Agora, no entanto, o que se vê não tem paralelo na história política nacional. Dilma está sendo obrigada, por seus erros e sua infinita arrogância, a franquear o governo a partidos como PHS, PTN, PSL e PT do B, cuja representatividade é praticamente nula – só dispõem de algumas cadeiras na Câmara graças ao esdrúxulo sistema político brasileiro. Além disso, Dilma deverá aumentar o espaço de PP e PR, partidos que protagonizaram diversos escândalos em seu primeiro mandato, quando ela procedeu a uma efêmera “faxina” de ministros indicados por essas legendas.

Mas os tempos de “faxina ética” definitivamente ficaram para trás. Agora, não é mais necessário fingir respeito ou dignidade. A ordem é salvar a presidente, mesmo que isso transforme o Planalto em um monturo. O problema é que, uma vez vitoriosa, Dilma terá de governar com essa equipe de desqualificados e, principalmente, com minoria no Congresso.

A presidente, sustentada apenas por oportunistas e por chefes de “movimentos sociais” transformados em milícias, não terá nenhuma condição de aprovar o que quer que seja no Congresso – entre outras razões porque ela já decidiu que aqueles que não a apoiam são “golpistas”. O País ficará paralisado.

Considerando-se que mais de 80% dos brasileiros desaprovam o governo de Dilma, e a maioria também já se manifestou claramente a favor do impeachment, ninguém em seu juízo perfeito pode esperar que haja paz e tranquilidade no dia seguinte a uma eventual vitória da presidente no processo que pede sua destituição. Ao contrário: o previsível sentimento de decepção que tomará o País fará do Palácio do Planalto uma cidadela moralmente sitiada, dentro da qual Dilma, com seus aliados de ocasião e seu raivoso exército de adversários da democracia, exercerá um triste papel – o de presidente sem o respeito do povo.

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