quarta-feira, 6 de abril de 2016

Dilma tenta obter legitimidade - Rosângela Bittar

• Sendo o PT, a reserva de instabilidade é grande

- Valor Econômico

O jogo não está definido mas, perto do fim, permite ver que os acertos do time governista colocam mais perto da vitória Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula e o PT contra o impeachment. Como se chegou até este momento é uma história ainda a ser contada pois está em curso.

A estratégia não foi elaborada por nenhum luminar da propaganda e se baseou no óbvio. Em primeiro lugar, a associação do impeachment com o golpe, que deu discurso e slogan aos manifestantes da rua, aos movimentos organizados ao redor do PT, aos partidos e políticos que apoiam o governo.

Realmente, não tinham o que falar e era difícil defender corrupção e corruptos em público, além do governo precocemente decadente oferecido ao eleitorado. A palavra de ordem funcionou, pegou, e a ela recorreu até a defesa oficial feita pela advocacia do governo nos processos de responsabilidade.

Depois, funcionou melhor ainda a campanha contra Michel Temer, o vice que assumiria se a presidente sofresse impeachment. Explorou-se, e ainda se explora, o fato de que Temer, assumindo o cargo de presidente, seu vice será o Eduardo Cunha, presidente a Câmara. O PT associou o golpe a Temer, a abertura do processo de impeachment a uma vingança de Eduardo Cunha e desqualificou o processo, sem ter argumentação para contestá-lo em conteúdo e defesa. Os bordões sensibilizaram até o Supremo Tribunal Federal, completamente enredado hoje no Fla-Flu político, atitude que culminou, ontem, com uma ordem do ministro Marco Aurélio Mello, de novo "approach" nesta temporada do petrolão, diferente do mensalão, para que seja aberto processo de impeachment contra Temer. E o ministro Luís Roberto Barroso chegou a estarrecer a nação - e, pasmem, até o beneficiado governo - com comentários políticos para um auditório que o ouvia como jurista: "Meu Deus, essa é a alternativa de poder?". O ministro referia-se a uma foto de pemedebistas rompendo com o governo, ali só por acaso ausente Temer, talvez um constitucionalista de mais peso que o advogado. Meu Deus, essa é nossa alternativa de juiz?

O Supremo liberou geral, abriu a disputa partidária, pendendo a favor do governo. Em terceiro lugar na força dessa estratégia aparecem os cidadãos normais não pertencentes a centrais sindicais, a movimentos financiados por governo e a comprometidos partidários, que começaram a abraçar a tese do golpe e a defender o mandato desta chapa até o fim, como os artistas, alguns juristas e grupos da classe média.

Por último, entra em cena para dar peso político Lula e a negociação dos cargos. Os mesmos que o governo não vai entregar agora para barganhar em sucessivas votações.

Há no governo quem ache que, uma vez vitoriosa, Dilma não entregará o comando do governo a Lula e fará uma administração abrindo os cofres para sustentar o populismo. Em outras avaliações, Lula terá sido o responsável pela vitória se o impeachment for derrotado, e o governo que se seguir será o seu, com Henrique Meirelles de ministro da Fazenda e condutor da economia, para fazer uma política como Lula gosta, atendendo à classe alta, à baixa e, desta vez, raspando um tacho para a classe média.

Há, porém, o reconhecimento tácito de que esta é uma conjuntura volátil. O governo não se vê no chão, nem se vê ainda a salvo. Sabe que, em se tratando do PT, a reserva de instabilidade nunca é pequena.

Há a Lava-Jato, ainda bem, que a qualquer hora joga qualquer um na fogueira. Ninguém vai parar a Lava-Jato, como ninguém controla a economia mundial nem a economia brasileira e seus números sofríveis.

Há os erros de Dilma, que são imensos e numerosos. Um deles, notório, foi achar que ia se salvar jogando ao mar o mundo da política.

E há a sociedade que lhe tira apoio, popularidade e reconhecimento.

O não impeachment não terá cofres abertos para pagar a votação recebida. Acreditam os amigos que ela vai entregar os acordos que fez, inclusive o de continuar pedindo a parceria de Lula, pois mesmo com o impeachment derrotado sua vida não está resolvida. Lembra-se, nesse raciocínio, que dois meses antes do suicídio Getúlio havia derrotado o impeachment por larga margem. A Lava-Jato, a crise econômica, a formação de maioria, nada se resolve com o não impeachment.

Ao contrário, Dilma terá que enfrentar uma frente contra ela muito maior do que antes.

Teria a presidente que possuir um talento específico, que ainda não demonstrou ter, para superar o conflito entre dois fatores que permitem governar e que no seu caso se sobressaem a todos os demais: a legitimidade e a legalidade.

Conflito este que permanece. A legitimidade é conferida pelo processo, pela eleição, a aceitação do governo pela sociedade. A legalidade é atribuída pela constituição e pelas leis. Alguns analistas do governo mostram que a eleição conferiu a Dilma a legalidade, mas não toda a legitimidade que ela precisava. Ela ganhou a eleição em um processo de perdas, de forma que se a campanha durasse mais uma semana provavelmente teria perdido, pois vinha numa progressiva perda de legitimidade. Dilma não foi capaz de compreender isso e, ao invés de estancar a perda de legitimidade, ampliou-a, pelos erros no Congresso, por não ter tido um gesto com a oposição, pelo tratamento conferido aos discordantes, pela gestão.

Diante disso, o governo agarrou-se à legalidade, que não responde por tudo e não resolve a legitimidade.

Os que apreciam esse cenário apontam que, em casos de exacerbação na história do país, o conflito foi resolvido não por consenso, impossível, mas pela concessão mútua. A legalidade faz uma concessão à legitimidade, como a de abrir mão de uma parte do poder legal, e a legitimidade reconhece sua força. A única forma de contornar o problema e levá-lo até 2018, é a concessão mútua, concluem um dos analistas do pós-impeachment. Seus adversários têm que reconhecer que ela ganhou a eleição, e ela tem que reconhecer que perdeu legitimidade e fazer concessões.

Dilma ficará fraca, e vai ter muito trabalho para reconstituir a confiança nela e no governo. Lula ainda tem a confiança política, mas não mais o respeito, da classe dominante, e seria aceito por Dilma, sem outra opção, para recuperar o país da crise múltipla. Foi o que deu para fazer, o óbvio, se tudo continuar como está hoje.

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