quarta-feira, 6 de abril de 2016

Retórica singela – Editorial – O Estado de S. Paulo

A defesa da presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment que tramita no Congresso Nacional, feita pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, foi uma singela peça de retórica. Como tal, justiça seja feita, foi competente. Esvaziada, porém, das bem articuladas frases de efeito e da profusão de adjetivos escandidos com ênfase pelo orador, o discurso do ex-ministro da Justiça não para em pé, porque, apesar dos sofismas expostos com aparente convicção, falece ao tratar do mérito das acusações: as ilicitudes representadas pelas pedaladas fiscais e a concessão de créditos suplementares sem autorização do Congresso.

Para Cardozo, as “indevidamente” chamadas pedaladas fiscais não podem ser consideradas operações de crédito do governo com os bancos oficiais – o que a lei proíbe – porque foram apenas “atrasos” no repasse às instituições financeiras dos recursos que elas foram obrigadas a adiantar para honrar os compromissos do governo como os pagamentos de programas sociais. Entende o advogado-geral que Dilma fez apenas o que “todo mundo fez”, referindo-se a ex-presidentes e governadores, e além disso “não houve má-fé”, ou dolo, porque a presidente se limitou a assinar medidas apresentadas por seus subordinados, no caso, o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro. Isso quer dizer que Dilma não tinha a menor ideia daquilo que estava assinando?

Quanto aos créditos não autorizados, Cardozo tentou desqualificar a acusação sugerindo que os acusadores cometem o equívoco de confundir política orçamentária com política fiscal, como se não houvesse estreita relação de causa e efeito entre uma coisa e outra. Esses créditos não representariam gastos extras no Orçamento, mas apenas a “realocação de recursos públicos”, no caso, modestos R$ 2,5 bilhões. Pois foi por ter irresponsavelmente descumprido todos os orçamentos na tentativa de implementar medidas populistas e eleitoreiras que o governo Dilma negligenciou o necessário controle fiscal, o que contribuiu decisivamente para comprometer a credibilidade do governo e afundar o País na crise econômica.

Mesmo quando anunciou que passaria a tratar do mérito das acusações para rebatê-las com argumentos legais, Cardozo manteve o tom essencialmente político de seu discurso, afirmando que nada do que é apresentado contra Dilma é suficientemente grave para embasar o pedido de impeachment.

Aliás, entende o advogado-geral que o processo de impeachment é “nulo de pleno direito”, porque foi admitido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, numa clara atitude de retaliação à presidente da República pelo fato de ela ter-se recusado a forçar os três deputados petistas a defendê-lo na Comissão de Ética da acusação de quebra de decoro parlamentar que pode custar-lhe o mandato. Ora, diz a lei que cumpre ao presidente da Câmara dar seguimento aos pedidos de impeachment que atendem aos requisitos legais e rejeitar os demais. A lei não trata dos sentimentos que possam transitar nos ventrículos do indigitado presidente, como parece querer o imaginoso defensor.

Para Cardozo, as centenas de páginas da peça acusatória que pede o impeachment de Dilma são completamente irrelevantes, com argumentos insuficientemente graves para justificar uma punição que só pode existir em situação de “absoluta excepcionalidade institucional”, na qual fiquem claramente configurados má-fé e dolo num “atentado” à Constituição. Nessa linha de argumentação, a generalização da corrupção na gestão pública e o fracasso político e econômico do governo Dilma – fatos públicos e notórios que, por esse motivo, não carecem de comprovação documental e dispensam a especificação de dispositivos legais infringidos – podem perfeitamente configurar, num julgamento político como o que cabe ao Parlamento levar a efeito, a situação de “excepcionalidade institucional” que para a maioria absoluta dos brasileiros só se resolverá com o afastamento da presidente da República.

Cardozo sustenta que um governo “que nasça de um processo de impeachment” “não terá estabilidade, não terá condições democráticas de reunir as energias necessárias para que o País possa sair desta crise”. Isso, dito nesta altura dos acontecimentos, é mero exercício de adivinhação. Certeza mesmo é que o governo Dilma não tem as condições mínimas para tirar o País da crise em que o meteu.

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