sábado, 28 de maio de 2016

STF proíbe tramitação oculta de casos contra autoridades

• Para Moro, ataques à Lava-Jato são tentativa de volta à impunidade

Em grampo, presidente do Senado, Renan Calheiros, diz ter atuado para impedir a recondução do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao cargo. ‘Eu tentei, mas eu estava só’

No momento em que conversas grampeadas revelam tentativas de interferência na LavaJato, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, proibiu a tramitação oculta de processos no tribunal, entre eles ações penais e inquéritos envolvendo políticos, como um que investiga o ex-presidente Lula, agora visível no sistema do STF. No tribunal, prevaleceu o entendimento de que a transparência é a regra. O juiz Sérgio Moro, da Lava-Jato, reagiu aos ataques à investigação. Para ele, os diálogos gravados que mostram integrantes da cúpula do PMDB atuando contra a Lava-Jato são “sinais de uma tentativa de retorno ao status quo da impunidade dos poderosos”. Novo grampo mostra que Renan Calheiros, presidente do Senado, tentou evitar a recondução do procurador-geral, Rodrigo Janot.

STF põe fim a processos ocultos

  • Medida atinge inquéritos e ações de autoridades; regra deve ser a publicidade, diz Lewandowski

Isabel Braga - O Globo

BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, decidiu pôr fim aos chamados processos ocultos que tramitavam na Corte, muitos deles envolvendo autoridades. Diferentemente dos processos em segredo de Justiça — que podem ser localizados, mas sem informar detalhes, como os nomes dos envolvidos e as decisões já tomadas —, os processos ocultos sequer apareciam nos mecanismos de busca do STF. Lewandowski destacou que a medida atende aos princípios constitucionais da publicidade, do direito à informação e da transparência, e obedece aos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.


Esses processos serão reclassificados e no sistema do STF aparecerão os nomes ou ao menos as iniciais dos investigados — nos casos em que o seu conteúdo ainda seja considerado sigiloso. Pela resolução, assinada por Lewandowski na noite de quarta-feira e divulgada ontem, a transparência se estende também aos processos novos, e não apenas àqueles já em curso.

Segundo fontes, além da pressão de algumas entidades e de ministros para garantir maior transparência, havia também um incômodo de Lewandowski com o fato de este tipo de processos, que não estava devidamente disciplinado. O presidente do STF entendia que a falta de regulamentação poderia levar a questionamentos e até gerar nulidade nos processos. O tribunal não tinha controle sobre o próprio acervo, e os processos ocultos ficavam a cargo de cada gabinete. Enquanto a parte envolvida não fosse intimada oficialmente, poderia nem mesmo saber que era alvo de investigação.

Teori e Janot foram consultados
O presidente do STF montou um grupo de estudo com assessores próximos para elaborar o texto da resolução e, na semana passada, procurou ministros da Corte e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para discutir o texto com eles. Um dos consultados foi o ministro Teori Zavascki, um dos que tinha em seu gabinete vários processos ocultos, por conta da Operação Lava-Jato. Entre eles, há um inquérito contra o ex-ministro da Comunicação Social Edinho Silva, e um pedido de abertura de inquérito contra a presidente afastada, Dilma Rousseff, e contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A maior preocupação de Lewandowski, segundo fontes do STF, foi preservar as investigações e a efetividade de atos que têm que ser sigilosos, como prisão preventiva e mandados de busca e apreensão. Por isso, a preocupação de mencionar o artigo do regimento que garante a tramitação sigilosa dos autos. O artigo 230 C trata especificamente dos casos de medidas cautelares, de busca e apreensão e de monitoramento telefônico. Eles continuam em segredo de Justiça.

“Os requerimentos de busca e apreensão, quebra de sigilo telefônico, fiscal e telemático, interceptação telefônica, dentre outras medidas necessárias no inquérito, serão processados e apreciados, em autos apartados e sob sigilo, conforme previsto no artigo 230-C, parágrafo 2º, do Regimento Interno do STF”, diz o texto.

Janot endossou a decisão do presidente do STF. Para ele, a transparência é um valor republicano, importante para combater desvios nas estruturas do poder público. Segundo Janot, o inquérito só deve permanecer sigiloso quando, por qualquer motivo específico, houver necessidade de preservar a identidade do investigado ou da vítima.

— A investigação só pode ser sigilosa para preservar algum direito de personalidade do investigado ou da vítima, e para preservar medidas cujos resultados seriam comprometidos com a prévia divulgação. Exemplo: interceptação telefônica, busca e apreensão, etc. A luz é o melhor detergente, fora isto não seria republicano — disse Janot a um interlocutor.

Entre os ministros do STF, a decisão é vista com ressalva. Para um deles, o tema é complexo e deveria ter sido discutido com todos da Corte. Segundo esse ministro, se por um lado é preocupante, já que o simples conhecimento de que está há uma investigação pode levar à eliminação de provas, por outro os vazamentos são prova de que os processos muitas vezes tornam-se públicos de fato, e apenas mantém-se ocultos no sistema do STF.

Entre outros magistrados, a medida repercutiu bem. A vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Hadja Rayanne Alencar, disse que os processos ocultos estavam em conflito com a Constituição, que exige publicidade. Para ela, a decisão que é um avanço para garantir maior transparência ao processo judicial, e não haverá prejuízo às investigações, porque ainda estará mantido o sigilo processual. — Uma tradição no STF foi quebrada, talvez tardiamente, mas de maneira muito positiva. É mais interessante que a sociedade saiba que o processo existe. A sociedade poderá zelar pelo teor, saber se está demorando, cobrar celeridade — disse a juíza.

O presidente da OAB, Claudio Lamachia, também defendeu o fim dos processos ocultos:

— É um avanço muito importante na linha da transparência. Processo processo oculto é algo que causa estranheza. Esse decisão é elogiável sobre todos os aspectos: amplia a transparência no Supremo e deixa a sociedade saber o que ocorre na Corte. A sociedade tem direito à informação.

A Secretaria de Tecnologia do tribunal ainda vai levantar quantos processos hoje estão ocultos e serão transformados em sigilosos. (Colaborou André de Souza)

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