terça-feira, 14 de junho de 2016

Depois da UTI, outro desafio – Editorial / O Estado de S. Paulo

O Brasil poderá sair da recessão no próximo ano e fechar 2016 com desempenho menos catastrófico do que se previa até há pouco tempo, segundo as últimas avaliações do mercado. Mas o crescimento estimado para depois da reação inicial será abaixo de medíocre, muito inferior ao esperado para a maior parte do mundo.

As projeções otimistas valem até a saída da UTI e o início da convalescença, mas param por aí. Além disso, mesmo esse limitado otimismo obviamente depende, agora, de uma aposta na continuação do governo do presidente Michel Temer, por enquanto provisório. Para começar a entender a cautela em relação ao longo prazo, basta pensar nas taxas de investimento produtivo, muito abaixo das necessárias para o País acompanhar mais de perto a economia global. Além de insuficientes, os gastos em máquinas, equipamentos e obras têm sido declinantes.


Em uma semana, a previsão de recuo da economia em 2016 passou de 3,71% para 3,56%, segundo a mediana das projeções do relatório Focus, baseado em consultas do Banco Central (BC) a cerca de cem instituições do mercado. Também melhoraram as projeções para 2017 e 2018, com taxas de crescimento revistas de 0,90% para 0,98% e de 1,91% para 1,98%. A passagem de uma retração de mais de 3,5% para um crescimento próximo de 1% é facilmente justificável, quando se pensa na capacidade ociosa da indústria e mesmo do setor de serviços. As empresas poderão responder a um estímulo inicial sem precisar de novas máquinas, equipamentos e instalações.

Mas a melhora das projeções termina em 2018. O crescimento projetado para 2019 passou de 2,22% para 2,17%. A expansão calculada para 2020 ficou também mais modesta e mudou de 2,37% para 2,23%. Os números são divulgados sem explicações, mas também se pode entender sem dificuldade essa parte da pesquisa. Há um consenso, ou quase, quanto a um aspecto muito importante da economia brasileira: seu potencial de crescimento é muito baixo e alguns anos serão necessários para a eliminação dessa deficiência.

A visão do Brasil como um país com baixa capacidade para crescer é partilhada por economistas de instituições multilaterais. Segundo as projeções do Banco Mundial, a economia brasileira ainda crescerá apenas 0,8% em 2018. Pelas estimativas divulgadas em abril pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) do País ainda aumentará só 2% em 2020.

Há dúvidas, entre os economistas, sobre os cálculos do produto potencial, isto é, do volume de produção sustentável sem graves desequilíbrios na economia. Quando se avança além desse limite, as pressões inflacionárias aumentam e as contas externas tendem ao desajuste. Mas, apesar do risco de imprecisões, pode-se apontar o Brasil como um país pouco preparado para o crescimento e algo próximo de um consenso consolidou-se entre os especialistas: a economia brasileira é provavelmente incapaz de crescer mais de 2% ao ano sem sérios desajustes. Para os menos otimistas, o potencial é próximo de 1%.

Segundo estudo recente publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, no fim de 2015 o investimento líquido em máquinas, equipamentos e construções foi 40% menor que o de um ano antes. O cálculo do investimento líquido leva em conta a depreciação do estoque de capital e, portanto, a necessidade de reposição.

Com a deficiência de investimento, agravada nos últimos anos, a produtividade total dos fatores diminuiu em média 0,9% ao ano, de acordo com o mesmo estudo.
Sem reverter essa tendência, o governo poderá tirar o País da UTI, mas será incapaz de levar a economia, de forma sustentável, a um crescimento próximo dos padrões internacionais. As concessões de infraestrutura serão essenciais para a retomada e o governo precisa cuidar disso com prioridade. Além do mais, todo esforço para corrigir desajustes e restabelecer a confiança contribuirá para a expansão do investimento privado. Sem isso, outras discussões serão inúteis.

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