quinta-feira, 9 de junho de 2016

O pão que o diabo encareceu – Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

A inflação demora muito a cair. A inflação da comida ainda sobe no ritmo mais rápido desde os picos de 2013 e 2008, os piores desde a disparada de preços na transição de FHC para Lula.

Os mais pobres sentem mais a carestia de alimentos, de resto a mais percebida por quase todo mundo, pois se trata da despesa mais rotineira e elementar. A inflação é porém apenas um elemento de um processo de degradação das condições de vida que ainda vai longe.

Pioram os salários, as condições de emprego ou a vida de parentes e amigos, que não raro recebem ajuda. Pioram o serviço de saúde pública e até a merenda da escola; há mais medo do futuro. É um complexo de estresse e de sofrimentos na carne.

A inflação causa mais danos agora porque as dificuldades chegam por todos os lados. Em 2008 e 2013 a renda do trabalho crescia. A inflação geral, média, equivalia no máximo à metade da alta dos preços da comida. Em 2016, tudo piora.


A inflação geral foi de 9,3% nos doze meses até maio. A inflação de alimentos e bebida, de 12,7%, depois de passear por três meses na casa dos 13%. Nesse período, os salários subiram em média apenas 5,7% (em termos nominais).

É a pior defasagem em quase 13 anos. Sim, sabe-se que os salários na média estão perdendo da inflação média: caem em termos reais. Não parece grande novidade fazer conta parecida usando apenas a inflação dos preços de comida e bebida. Para os mais pobres, faz diferença.

Na média, alimentos e bebida têm peso de 25% no índice de inflação (no IPCA). No orçamento dos mais pobres, pesam mais.

Convém sempre lembrar que a inflação da comida a mais de 13% no início de 2013 provocou as primeiras ondas de críticas populares contra Dilma Rousseff (foi a "inflação do tomate"). Inflação alta corrói o prestígio dos governantes.

Não temos indicadores imediatos ou recentes da qualidade ou de quantidade do serviço de saúde pública, apenas "evidências anedóticas", como gostam de dizer economistas (casos). Mas as histórias de dificuldades se multiplicam.

Em Estados como o Rio de Janeiro, o colapso é muito evidente, mas é muito improvável que a espera de consultas, a oferta de remédios ou os insumos e materiais de atendimento tenham ficando mais abundantes, é óbvio, dada a penúria geral dos governos.

Há ainda notícias de problemas que vão da merenda escolar aos serviços de assistência social (como aqueles para moradores de rua, por exemplo). O sentimento geral da vida deve ser de dureza, apesar de o país ser hoje mais rico que faz uma década e haver proteção social como nunca antes.

Michel Temer é quase tão mal avaliado quanto Dilma Rousseff, diz a pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes, divulgada ontem. Difícil que fosse de outra maneira.

Está no cargo faz menos de um mês. É um desconhecido que nem disputou o cargo pelo voto nem se beneficiou da onda de algum otimismo que se segue à eleição: o eleitorado costuma acreditar que votou em alguém que vá melhorar a situação. As dificuldades econômicas e sociais são grandes.

Além do mais, Temer ainda não apresentou programa algum que faça sentido para o povo, apenas abstrações genéricas de programas econômicos. Isto é nada, para o cidadão comum. Não vai inspirar confiança.

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