quinta-feira, 9 de junho de 2016

Um novo marco para as finanças públicas - Ribamar Oliveira

• Orçamento pode deixar de ser uma peça de ficção

- Valor Econômico

Mereceu pouca atenção um projeto aprovado pelo Senado, na noite desta terça-feira. Trata-se do novo marco legal das finanças públicas, que substituirá a famosa lei 4.320, que está completando 52 anos e ainda rege a elaboração do Orçamento. A nova lei, que agora precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados, pretende combater o atual irrealismo orçamentário.

Hoje, a prática institucionalizada é os parlamentares fazerem revisão da estimativa da receita para o ano seguinte, contida na proposta orçamentária encaminhada pelo Executivo. Com base em um dispositivo constitucional, que permite aos senadores e deputados corrigir "erros e omissões" da proposta, eles simplesmente aumentam a previsão da receita com o único objetivo de incluir suas propostas no Orçamento.

No início de cada ano, o governo baixa um decreto de contingenciamento para adequar a despesa à realidade das receitas, quase sempre retirando o que foi incluído pelos parlamentares. O projeto de lei 229 aprovado pelo Senado prevê que a receita da proposta orçamentária será definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e não poderá ser alterada pelos senadores e deputados.


As novas receitas que os parlamentares vierem a "descobrir", ao corrigir "erros e omissões" da proposta, só poderão ser incluídas no Orçamento no ano seguinte, por meio de créditos adicionais e, assim mesmo, para cobrir despesas programadas pelo próprio Executivo. Esse dispositivo certamente levará a um maior realismo orçamentário.

A única questão controversa é que definir a receita para o ano seguinte na LDO, que deve ser aprovada em julho, antes do recesso parlamentar, pode produzir estimativas defasadas, principalmente em um país ainda marcado por inflação elevada. Talvez fosse mais prudente deixar para definir a receita na própria proposta orçamentária, mantendo o critério de que ela não poderá ser alterada.

Outra regra do projeto que vai na direção correta é a limitação da inscrição de restos a pagar (RAP). No passado recente, o governo federal chegou a produzir quase um "orçamento paralelo", tal o volume de despesas autorizadas em exercícios anteriores que foram passadas para o ano em curso. No encerramento do exercício de 2015, houve o registro de um estoque de R$ 186,3 bilhões de restos a pagar. No fim do ano anterior, o estoque estava em R$ 228 bilhões.

Os Executivos estaduais e municipais incorrem na mesma prática. A ampliação de restos a pagar é uma forma dos governos iniciarem investimentos, programas e ações sem a receita necessária, jogando obrigações para o futuro, o que distorce a execução orçamentária. O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que foi o relator do projeto de lei 229, informa que os Estados e municípios acumulam cerca de R$ 60 bilhões em restos a pagar.

"São obrigações que terão que ser honradas no futuro, mas que não são computadas no resultado primário", observa Ferraço. "É como se existisse um esqueleto orçamentário andando por aí", diz. "Precisamos dar um basta nesta situação para que o Orçamento deixe de ser uma peça de ficção".

O projeto prevê que os governadores e prefeitos só poderão inscrever como restos a pagar despesas no montante de suas disponibilidades de caixa. Esta é uma regra que hoje eles precisam observar apenas nos dois últimos quadrimestres de seus mandatos. Com a aprovação do projeto, a regra passa a ser permanente. Além disso, os restos a pagar de despesas correntes terão que ser quitados até março do exercício seguinte. Nos casos de investimentos, o prazo será de seis meses, exceto os restos a pagar de investimentos plurianuais que terão o prazo de dois anos.

O anexo de metas fiscais também será alterado. Atualmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que a LDO de cada ano deve trazer um anexo com metas para o ano a que se refere e para os dois exercícios seguintes. O projeto 229 prevê que a LDO passará a estabelecer metas fiscais para o ano a que se refere e para os quatro seguintes.

Com um adendo: os governos terão que detalhar as projeções de receitas e listar tudo o que está contratado de despesas para o período, incluindo os investimentos em andamento, com seus custos e cronograma anual de execução financeira. O objetivo da medida é deixar claro o espaço fiscal existente para as novas despesas e os novos investimentos. Com isso, a nova lei pretende estimular uma cultura de planejamento de médio e longo prazo.

De acordo com o projeto, o governo federal terá que instituir metodologias, normas e procedimentos que orientarão a seleção, a implementação, o ajuste e a avaliação dos projetos de investimentos com recursos públicos. O objetivo da medida é que as iniciativas de investimentos feitas por parlamentares só se transformem em projetos depois de aprovadas por um órgão central. A ideia é criar um "banco de investimentos" semelhante ao que existe no Chile.

Outra mudança que o projeto 229 faz na LRF é a permissão de adoção pelos governos de metas fiscais adicionais, além das metas para os resultados primário e nominal que existem hoje. Os governos poderão estabelecer metas para as despesas, estabelecendo tetos para o gasto, ou para a dívida pública, com limite em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo.

O projeto 229 prevê ainda mudanças na contabilidade pública. Por conta da lei 4.320, de 1964, a contabilidade pública está centrada na execução orçamentária. A proposta é seguir a tendência mundial e passar a focar a contabilidade no patrimônio, utilizando o critério de competência. Os fatos que interferem no valor patrimonial dos bens públicos passarão a ser registrados no momento em que ocorrem. O conceito de caixa atualmente utilizado não capta, por exemplo, a depreciação dos bens públicos.

O projeto da nova lei das finanças públicas é de autoria do senador Tasso Jeireissati (PSDB-CE) e tramita no Senado desde 2009. Agora, conta com a simpatia do governo federal e foi aprovado no Senado por 64 votos favoráveis. Ele será agora discutido e votado na Câmara para que o Orçamento deixe de ser uma peça de ficção.

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