sexta-feira, 17 de junho de 2016

Resta a Temer e a todos responder de forma convincente - Editorial / O Globo

• Presidente interino respondeu com veemência à acusação de ter negociado propina para campanha, denúncia que precisa ser provada

• Delação de Machado expõe as vísceras da política brasileira. É como se estivéssemos fechando o ciclo iniciado com o fim da ditadura e o início da Nova República

Aconselhava o bom senso esperarse alguma menção ao presidente interino, Michel Temer, na enxurrada de nomes, siglas e cifras que não param de brotar de delações premiadas à Lava-Jato, uma das mais amplas delas a do ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras, Sérgio Machado, liberada quarta-feira pelo ministro do STF Teori Zavascki. Político de longo curso, tendo presidido o PMDB, partido aliado do PT em vitórias nas urnas e também no saque à Petrobras e outras empresas, Temer não passaria em branco. E assim acontece, com a citação feita por Machado de um suposto pedido do então vice-presidente da República para o presidente da Transpetro ajudar na campanha de Gabriel Chalita, pelo PMDB, a prefeito de São Paulo, em 2012.

Relatou Machado, na delação, que, numa conversa entre os dois, no hangar da FAB na Base Aérea de Brasília, teria ficado entendido que a ajuda, de R$ 1,5 milhão, seria por meio de dinheiro de propina oriunda de empreiteiras contratadas pela Transpetro, disfarçado de doação oficial. Ora, como empresas públicas não podem fazer doações, qualquer pedido desse tipo a dirigentes de alguma delas pressupõe acertos nada republicanos com fornecedores da estatal.


Sobre a menção feita por Machado à conversão de propinas em doações legais, outras delações já mostraram que o método de lavar-se dinheiro por meio da Justiça eleitoral foi usado à larga pelo PT para financiar as eleições de Dilma Rousseff. A questão é parte do processo que o PSDB move contra a chapa Dilma-Temer, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Temer, em nota, na própria quarta, negou com veemência o relato de Machado, a quem caberá provar o que denunciou. Não só nessa denúncia, como em todas as outras. Ontem, em pronunciamento, o presidente interino voltou a ser veemente, a ponto de dizer que, se fosse verdadeira a delação de Machado, ele não mereceria estar na Presidência da República.
Os recursos para a campanha de Chalita — chamado de “menino” em uma das conversas gravadas por Machado com a cúpula do PMDB — seriam provenientes da empreiteira Queiroz Galvão, mas eles não constam da declaração de doações ao candidato. O mesmo valor, porém, está registrado como proveniente de um repasse do diretório nacional do PMDB a Chalita.

Diante do estado geral das coisas, até que a posição do presidente interino, no final da tarde de ontem, não era das piores, se comparada com a de outros caciques peemedebistas — Renan Calheiros (R$ 32,2 milhões recebidos de Machado, segundo o denunciante), Sarney (R$ 18,5 milhões), Romero Jucá (R$ 21 milhões), Edison Lobão (R$ 24 milhões), Jader Barbalho (R$ 3 milhões). Ao todo, segundo Sérgio Machado, R$ 109,49 milhões saíram de forma ilegal de mais de uma dezena de empresas, com os parlamentares do PMDB tendo sido os mais beneficiados pelas propinas: do total, receberam R$ 104,35 milhões. Quase tudo. A relação do presidente da Transpetro com o partido era conhecida, embora tenha sido ele senador pelo PSDB cearense. Renan Calheiros nega, mas ele era considerado o fiador e protetor de Sérgio Machado na Transpetro, onde ficou pouco mais de onze anos. De Lula, desde o início, a Dilma. Caiu em 2014, quando auditores externos se recusaram a certificar o balanço da Petrobras devido à presença dele na subsidiária da empresa. Durante todo o tempo em que drenou dinheiro da Petrobras, certamente pela via do superfaturamento de contratos, o ex-presidente da Transpetro, segundo os próprios dados que entregou ao Ministério Público, privilegiou, na distribuição de propinas, alguns poderosos do PMDB — Renan, Jucá, Sarney, Lobão.

É claro que não ajuda Temer ser citado em delação premiada, mesmo como intermediário numa operação ilegal de financiamento de campanha. Fragiliza o governo nas negociações com o Congresso, vitais para o país ser resgatado da crise em que foi colocado pelo lulopetismo. E piora a imagem do presidente interino na sociedade.

A primeira consequência concreta do conteúdo da delação foi, ontem, o pedido de demissão do ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, aquinhoado com R$ 1,5 milhão por Machado. Ao contrário de Jucá, ministro do Planejamento que resistiu a sair ao aparecer no grampo ambiental do ex-presidente da Transpetro conspirando contra a Lava-Jato, Eduardo Alves tornou tudo mais fácil para Temer. Consta que mais denúncias contra ele vêm por aí.

Quanto ao impeachment, a ver, pois, além de o PT já ter afundado há algum tempo, atingido por obuses da Lava-Jato, a situação da presidente afastada também não é tranquila. Porque se consolidam as acusações de crime de responsabilidade por delitos fiscais e cresce a possibilidade, segundo rumores, de ela vir a ser citada em delações futuras, como as da Odebrecht. Não bastassem os relatos de sua atuação para obstruir o trabalho da Lava-Jato.

Resta a Temer e a todos responder às denúncias. Não há alternativa. A delação de Machado, feita em troca da conversão de uma pena de 20 anos trancafiado por três anos de prisão domiciliar, traça um quadro amplo da degradação da política partidária brasileira, como nunca se viu. São citados 23 políticos de oito partidos (PMDB, PT, DEM, PSDB, PP, PSB, PCdoB e PDT).

Da direita à esquerda, da oposição à situação nos governos do PT, encontram-se, na delação, Aécio Neves (PSDB), Jandira Feghali (PCdoB), Agripino Maia (DEM), Jorge Bittar, Ideli Salvatti, Luiz Sérgio, Cândido Vacarezza e Edson Santos, todos do PT; Francisco Dornelles, do PP, governador em exercício do Rio de Janeiro, entre outros.

Aparece no pano de fundo de toda a Lava-Jato, mas é na delação de Machado que surge em cores berrantes o fato de que não faz sentido manter empresas sob controle do Estado. Elas servem a interesses de alguns, nunca aos da população. É uma das grandes lições de todos esses escândalos, desde o mensalão. Vão também ficando expostas as vísceras da política brasileira, como se estivéssemos fechando o ciclo iniciado com o fim da ditadura militar, em 1985, e o lançamento da Nova República de Tancredo. Desde então, dois partidos governaram por mais tempo, PSDB e PT, quase sempre aliados ao PMDB e a legendas mais à direita. Não restam mocinhos nessa história. Trata-se de reconstruir o sistema de representação política enquanto se espera que as instituições da República façam o trabalho de reinstituição da ética na vida pública, com a devida punição de todos os culpados, independentemente de partido.

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