terça-feira, 26 de julho de 2016

Saneamento tem janela de oportunidade para deslanchar - Editorial / Valor Econômico

Pode finalmente ganhar forma a proposta que viabiliza a expansão das parcerias público privadas (PPPs) na área de saneamento, esperança para destravar os projetos nessa área vital para o bem-estar e a saúde da população, em um momento em que o aperto fiscal restringiu ainda mais os investimentos tanto da União quanto dos Estados e municípios. Atualmente o setor privado é responsável por apenas 5% do serviço de saneamento em todo o país, com 320 concessões, mas já responde por 20% dos investimentos da área, com R$ 2,5 bilhões, e pode chegar a 30% dentro de dez a 15 anos.

Vários fatores emperram as PPPs no saneamento. O principal deles é a capacidade técnica dos municípios. Desde a Lei Nacional de Saneamento, de 2007, os municípios são responsáveis pelo fornecimento de água e esgoto e coleta de lixo para a população com suas próprias companhias ou transferido o serviço para a companhia estadual ou para uma empresa privada.


Os municípios também são obrigados a criar uma agência reguladora para supervisionar a concessionária ou podem delegar essa tarefa para agências estaduais constituídas. Conflitos políticos muitas vezes inviabilizam o recurso à companhia estadual, o que acabou resultando na proliferação de agências reguladoras municipais, cada uma com suas regras e critérios e muitas delas incapazes tecnicamente de desenvolver projetos para oferecer à iniciativa privada.

A proposta do governo federal pretende resolver esses problemas e abrir caminho para as PPPs ao atribuir poder regulatório sobre o setor de saneamento básico em todo o país à Agência Nacional de Águas (Ana), que atualmente implementa e coordena a gestão compartilhada e integrada dos recursos hídricos. A Ana poderá fazer convênios com os Estados e municípios para modelagem de projetos de concessão e PPPs e facilitar o lançamento de projetos em pequenas cidades onde há pouco ou nenhum atendimento, ficando o parceiro privado encarregado da construção da rede e da exploração do serviço. Espera-se que, dessa forma, seja mais viável desenvolver os projetos e obter a liberação de financiamento privado e público.

Os dados do saneamento no Brasil são sofríveis e, apesar disso, é dos setores da infraestrutura que menos investimento recebe. Lamentável reflexo disso é a disseminação de doenças como a dengue e o vírus Zika, e outros problemas sanitários velhos conhecidos. Dados do Instituto Trata Brasil informam que a rede de coleta de esgotos atende 48,6% da população e apenas 40% do esgoto coletado é tratado. No Sudeste, o percentual do esgoto tratado é de 43,9%; e no Norte cai para apenas 14,4%. Têm acesso à água tratada 82,5% da população; mas 35 milhões de brasileiros não têm esse benefício; e o índice de desperdício causado por vazamentos, roubos e ligações clandestinas é de 37% na média do país, sendo de 32,6% no Sudeste e chegando a 47,9% na região Norte.

Segundo a Inter.B Consultoria, os investimentos em saneamento somaram apenas R$ 7,5 bilhões no ano passado, 32% abaixo de 2014. Neste ano, a estimativa é de R$ 11,1 bilhões, o equivalente a 0,18% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas ainda está bem aquém dos R$ 15 bilhões anuais necessários para que o país cumpra a meta que estabeleceu no Plano Nacional de Saneamento (Plansab) de universalizar os serviços em 2033. No ritmo atual, a universalização vai levar ainda meio século. O quadro desolador persiste, apesar de a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertar que cada R$ 1 gasto em saneamento economiza R$ 5 em saúde. Os maiores investimentos na área ocorreram entre 1971 e 1980, quando atingiram 0,46% do PIB.

O problema também envolve gestão e capacidade técnica, como mostram alguns problemas crônicos como a poluição da Baía da Guanabara, onde já se investiu R$ 10 bilhões; ou dos rios que cortam a cidade de São Paulo. Metade das três centenas de obras de saneamento contratadas no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em cidades acima de 500 mil habitantes está paralisada ou atrasada por problemas como projetos sem qualidade técnica, desatualizados ou sem licença ambiental. As deficiências no saneamento devem ser enfrentadas em suas várias frentes e estimular as PPPs é uma delas. O momento é propício pois as novas regras podem estar prontas quando uma nova leva de prefeitos começar o mandato em 2017.

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