quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Exige-se serenidade – Editorial / O Estado de S. Paulo

Não será com insinuações, disse que disse e maledicências que as autoridades farão o saneamento da profunda crise moral que atinge o País. A desavença entre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não produziu outra coisa senão desconfiança na capacidade das instituições – ou de seus dirigentes – de conduzir com a serenidade necessária o processo de depuração que os brasileiros de bem tanto exigem.

No fim de semana passado, a revista Veja publicou uma reportagem que relatava ter sido o ministro do STF Dias Toffoli citado na proposta de delação premiada de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS. O vazamento dessa informação, cujo teor ainda carece de confirmação, levou Janot a mandar suspender as negociações para a delação de Pinheiro. A Procuradoria-Geral considerou que a publicação teve o propósito de pressionar os procuradores a fechar o acordo com Pinheiro. É uma versão cuja lógica é difícil de acompanhar, pois não é possível dizer o que Léo Pinheiro ganharia mandando vazar eventual menção a um ministro do Supremo no âmbito de um acordo de delação que ele se empenhava tanto em obter.


Está claro, portanto, que Janot, antes de mais nada, deveria ter mandado investigar imediatamente a origem do vazamento – e não apenas deste, mas de todos os outros que ocorreram até agora no âmbito da Lava Jato e que se transformaram em armas políticas, prática que desde sempre ameaça tisnar o excelente trabalho dos procuradores envolvidos na operação.

O procurador-geral, no entanto, preferiu mover-se no pantanoso terreno da especulação. “Reafirmo que não houve, nas negociações de colaboração dessa empreiteira, nenhuma referência, nenhum anexo, nenhum fato enviado ao Ministério Público que envolvesse essa alta autoridade do Judiciário”, disse Janot. “A gente vaza aquilo que tem. Se você não tem a informação, não tem o acesso, você vaza o quê? Você vaza o nada, aquilo que você não tem. Não vaza. Não sei a quem interessa essa cortina de fumaça.” Ora, se não sabe, o natural é que procure saber, e não adotar medidas radicais e extemporâneas. O procurador-geral disse que, em sua opinião, se trata de um “estelionato delacional” em que “inventa-se um fato, divulga-se o fato para que haja pressão ao Ministério Público para aceitar, desta ou daquela maneira, eventual acordo de colaboração”. Ele afirmou que decidiu interromper o acordo com Léo Pinheiro por quebra de confiança – portanto, sem nenhum tipo de comprovação, Janot considera que a informação sobre Toffoli foi divulgada pelo empreiteiro.

O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, também se atirou à mais desbragada especulação ao dizer que o vazamento foi um “acerto de contas” da Lava Jato contra Toffoli, em razão da decisão do ministro de soltar o ex-ministro Paulo Bernardo e de fatiar a investigação sobre a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR). Para Mendes, “provavelmente” Toffoli “entrou na mira dos investigadores por uma ou outra decisão que os desagradou”.

Mendes foi além, ao dizer que “é preciso colocar freios nisso, nesse tipo de conduta”, e acrescentou, enigmático: “Isso já ocorreu antes no Brasil. O cemitério está cheio desses heróis”. Ao que Janot respondeu, também apelando à imaginação: “A Lava Jato, hoje, está incomodando tanto e a quem e por quê?”. Mas a resposta a essas perguntas, é ocioso dizer, são conhecidas até pelas pedras da rua.

Homens públicos que ocupam cargos em instituições centrais para a manutenção do Estado de Direito não deveriam agir como se estivessem em um saloon do Velho Oeste. As ilações disparadas por Janot e Mendes um contra o outro dizem tudo sobre os duelistas e nada sobre o que realmente interessa aos brasileiros: até onde pode ir a Lava Jato?

Por ser o resultado de um grande esforço de policiais, promotores e juízes para pôr atrás das grades os corruptos que tomaram de assalto o Estado na última década, a Lava Jato merece apoio entusiasmado da sociedade. No entanto, esse apoio não pode ser justificativa para que a força-tarefa da Lava Jato se considere acima da lei nem sirva para que qualquer crítica a seus eventuais abusos seja confundida, automaticamente, com alguma forma de conluio com corruptos. Para resumir, a legitimidade da Lava Jato não depende de suas boas intenções, mas do absoluto respeito à lei.

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