quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O preço da interinidade – Editorial / O Estado de S. Paulo

Qualquer decisão do Congresso que acelere a conclusão do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff será muito bem-vinda. A esta altura, importa muito pouco se a disposição do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de abreviar esse suplício em uma semana, conforme se noticiou, tende a favorecer politicamente fulano ou sicrano. O que importa é que o País não pode mais quedar-se paralisado, situação que excita o oportunismo dos que não têm outros interesses senão os próprios e pretendem explorar a interinidade de Michel Temer na Presidência para arrancar-lhe concessões as mais diversas, como as que ameaçam desfigurar o importante projeto que visa a acabar com a farra dos gastos nos Estados.

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 257/2016, apresentado pelo governo, formaliza a renegociação das dívidas dos Estados com a União, rolando-as por até 20 anos e com carência até o final deste ano, além de dar desconto nas parcelas nos próximos 2 anos. Em troca desse benefício, o projeto determina que os Estados providenciem uma série de cortes em seus gastos e limitem o crescimento nominal das despesas à variação da inflação do ano anterior – o mesmo modelo previsto em Proposta de Emenda Constitucional que valerá para o governo federal.


O governo pretendia votar o PLC 257 anteontem na Câmara, mas os deputados, inclusive da base aliada, trataram de desfigurá-lo e obrigaram o Planalto a recuar. Foram retirados do texto os artigos que impediam os Estados de conceder reajustes salariais e de contratar servidores por dois anos. Além disso, a versão do projeto alterada pelos parlamentares deixou de mandar contabilizar como despesa com pessoal os gastos com terceirizados, medida que fecharia a brecha por meio da qual muitos Estados contratam servidores sem contrariar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Do mesmo modo, o PLC 257 previa originalmente que penduricalhos pagos aos funcionários, como auxílio-moradia, teriam de ser incluídos como gastos de pessoal, o que obrigaria vários governos a reduzi-los para não violar a LRF. Por pressão dos sindicatos de servidores, os deputados suprimiram também essa determinação.

No momento em que é consensual a necessidade de colocar a casa em ordem, depois da desastrosa passagem de Dilma Rousseff pela Presidência, não é aceitável que interesses paroquiais se sobreponham à urgência da contenção de gastos. Argumenta-se que estamos em ano eleitoral e que, por isso, nenhum deputado ou governador se dispõe a avalizar medidas duras para reorganizar as contas públicas, impopulares por definição. Eis aí um dos aspectos centrais do atraso nacional: todas as decisões são tomadas tendo em vista somente seu impacto eleitoral, e não seus efeitos para além das campanhas. Não se pensa no País, somente no cargo a ser ganho, no benefício a ser obtido, na boquinha a ser conquistada. Os cidadãos comuns, que não integram nenhum lobby nem estão organizados em sindicatos, dependem da sorte para que suas demandas, em algum momento, coincidam com os interesses dos que lotearam o Congresso. E hoje a maior demanda dos brasileiros que trabalham é o saneamento da economia para propiciar seu crescimento, o que só será possível com medidas duras de austeridade.

Nesse contexto, a faxina nas finanças estaduais não é um capricho. A Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos pilares da estabilidade econômica, resultou justamente da necessidade de obrigar os Estados a adequar seus gastos às suas receitas, debelando um dos principais focos de desequilíbrio nas contas nacionais.

A atual situação de penúria dos Estados mostra que a imprudência voltou a prevalecer, o que tornou necessárias as providências previstas no projeto encaminhado pelo governo. O problema é que Michel Temer, ainda na condição de interino, não parece dispor de trunfos suficientes para convencer deputados e governadores de que chegou a hora de deixar a mesquinharia política de lado. Pelo contrário: os oportunistas, pelo visto, vão explorar a fragilidade de Temer até o último segundo de sua interinidade. E o Brasil que se lixe.

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