sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Parecer frouxo e ser frouxo - Celso Ming

- O Estado de S. Paulo

Quando ditador de Portugal, Antônio de Oliveira Salazar produziu uma frase que ficou famosa: “Em política, o que parece é”. Contém uma verdade que poderia ser incluída em qualquer tratado de teoria política.

E é essa verdade que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ignora quando vem repetindo que o governo Temer não afrouxou na negociação do acordo fiscal com os governadores.

O projeto de lei prevê o alongamento do passivo dos Estados com o governo federal por 20 anos, que deve proporcionar alívio imediato do caixa dos Tesouros estaduais de aproximadamente R$ 50 bilhões.


Entre as contrapartidas mais importantes exigidas dos Estados pelo governo estavam duas. A primeira é a de que, nos próximos dois anos, as despesas não podem crescer mais do que a inflação do ano anterior. E a segunda: os Estados ficam proibidos de reajustar os salários dos servidores públicos nos próximos dois anos.

Meirelles levou alguns dias advertindo que essas exigências eram imprescindíveis e inegociáveis. Na semana passada, pressionado pelos políticos, o governo recuou e a proibição do reajuste dos servidores públicos foi retirada do projeto. Também não foi incluída a proposta defendida por Meirelles, de suspender todos os concursos públicos para contratação de pessoal nos Estados, mas essa não chegou a ser uma capitulação à pressão dos governadores, porque não chegou a ser sacramentada no acordo.

Depois, cobrado por empresários e por analistas econômicos, Meirelles se esqueceu do que dissera anteriormente e passou a afirmar que a concessão feita não é relevante e que o essencial do acordo com os governadores foi preservado. Nesta quinta-feira, o presidente em exercício Michel Temer entendeu que devesse repetir o refrão.

Lembrou que a Constituição (artigo 169) já impõe que os reajustes dos salários dos servidores só se façam quando houver arrecadação para isso e que a Lei de Responsabilidade Fiscal já determina que, no setor público, as despesas com pessoal não podem exceder os 60% da despesa total. Por isso, argumentou Temer, incluir essas exigências na lei do acordo seria redundante e, portanto, dispensável.

A essas alegações podem ser feitas três observações. Primeira, embora impostas pela Constituição e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, essas determinações sobre o reajuste dos servidores não vinham sendo observadas sem que os governadores fossem cobrados por essas infrações.

Se essa tolerância fica sacramentada por novas concessões do governo federal, fica ainda mais difícil exigir a observância dessas disposições pelos Estados.

Segunda: se eram exigências redundantes e dispensáveis, por que, então, Meirelles bateu tão veementemente no seu tambor que eram indispensáveis e inegociáveis?

E terceira: chame-se de concessão ou do quer que seja, o recuo do governo é forte precedente, é uma demonstração de fraqueza política que pode ser explorada em novas situações. Se isso se confirmar, sabe-se lá para onde irá o ajuste fiscal, sem o que tanta coisa se perderá.

E, decididamente, se é verdade que o essencial do acordo foi mantido, como asseguram Temer e Meirelles, falta parecer que seja. Em política, o que não parece também não é. E, como tal, tem consequência.

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