sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Resgatar o Mercosul – Editorial / O Estado de S. Paulo

Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, fundadores originais do Mercosul, têm hoje uma chance preciosa de salvá-lo do atoleiro, revigorá-lo e conduzi-lo de volta à sua missão original – integrar os quatro países do Cone Sul, torná-los mais produtivos e inseri-los de forma competitiva, em conjunto, na economia global. Criado há 25 anos, o Mercosul perdeu o rumo no começo do século 21 com a ascensão do populismo em seus dois integrantes de maior peso. A longa série de erros e desmandos conduziu à crise atual, com o governo venezuelano tentando exercer uma presidência contestada pela maioria dos pares. Há razões muito sólidas para a contestação e até para a suspensão da Venezuela, por evidentes violações da cláusula democrática. Mas a solução formal desse problema será insuficiente, se o Mercosul continuar sujeito aos entraves criados pela associação desastrosa do petismo com o kirchnerismo.


Os novos governos do Brasil e da Argentina têm mostrado interesse em objetivos muito mais ambiciosos para o bloco. A tarefa mais urgente seria concluir a negociação de um acordo de cooperação e de livre-comércio com a União Europeia, iniciada nos anos 90 e emperrada há muito tempo.

Depois de tanto tempo, e com novos desafios internos e externos, o bloco europeu pode ter mudado sua lista de prioridades, mas para os sul-americanos o esforço é mais importante do que nunca. Fundado em 1991 e com sua estrutura básica definida em 1994, o Mercosul só concluiu cinco acordos extrarregionais, quase todos com mercados de limitada relevância para o bloco.

Foram fechados acordos de livre-comércio com Israel, Palestina e Egito. O primeiro está vigente, os outros dependem de ratificação. Foram negociados acordos de preferências tarifárias com Índia (vigente) e com a União Aduaneira da África Austral (Sacu). Além disso, foram estabelecidos diálogos econômico-comerciais com Austrália e Nova Zelândia, Canadá, China, Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) e Japão. Foram também firmados entendimentos de complementação econômica com países sul-americanos e com o México. Enquanto isso, multiplicaram-se em todo o mundo os acordos bilaterais e inter-regionais, com o Mercosul sempre distante.

A maior parte das negociações do bloco foi subordinada a políticas de integração Sul-Sul, com pouquíssimo pragmatismo. Os maiores parceiros ditos emergentes – como Rússia, China e África do Sul – sempre estiveram mais empenhados em ampliar o comércio com os mercados mais desenvolvidos.

A China tornou-se o maior mercado para exportações brasileiras, mas numa relação semicolonial. Mais de 80% das vendas do Brasil para a China são de matérias-primas. O resto é formado principalmente por semimanufaturados e por uma parcela minúscula de manufaturados.

A Rússia, durante anos, concedeu cotas para carnes provenientes da Europa e dos Estados Unidos, negando seguidamente esse benefício ao Brasil. Mesmo com vendas extracotas, os brasileiros têm sido grandes fornecedores do mercado russo, mas só conseguem esse resultado porque a pecuária nacional é competitiva. O governo petista, guiado por uma notória incompetência na diplomacia comercial, sempre tratou russos e chineses como parceiros estratégicos, mas sempre sem reciprocidade.

As economias mais dinâmicas da América Latina têm acordos de livre-comércio com os Estados Unidos. O Mercosul continua fora desse clube, porque os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner torpedearam em 2003 e 2004 a negociação da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca). México e Canadá já formavam uma associação comercial com seu maior vizinho. Os demais entraram no jogo por meio de negociações separadas, com os governos do Brasil e da Argentina recusando-se, tolamente, a intervir no processo.

Não se recupera o tempo perdido. Mas pode-se evitar novo desperdício de oportunidades. Esta é uma excelente oportunidade para isso.

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