domingo, 21 de agosto de 2016

Temer quer refundar governo, mas ainda precisa seduzir aliados

• Base no Congresso não é segura, e Planalto espera mudança após efetivação

Simone Iglesias e Júnia Gama - O Globo

BRASÍLIA - Com o provável afastamento definitivo de Dilma Rousseff, Michel Temer promete refundar o governo, com a meta de retomar o crescimento econômico, estancar os gastos públicos e, ao fim, superar o desconhecimento e a rejeição, mas sua tarefa não é simples. No período de interinidade, Temer enfrentou problemas com aliados e viu a dificuldade de emplacar projetos que enfrentam grande rejeição da sociedade. O marco para seu governo deslanchar é a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria o teto de gastos públicos. O projeto está na Câmara, e, para ser aprovado, são necessários ao menos 308 votos. Apesar de contar com maioria congressual, a fidelidade dos partidos aliados não tem se traduzido em votos. A partir desta semana, o peemedebista dará maior atenção às bancadas para reforçar que só há uma chance de sua gestão dar certo: fazer o ajuste fiscal.


Ao estancar as despesas, Temer acredita que terá um importante lastro para votar a reforma da Previdência. O texto será enviado ao Congresso em setembro, e o Planalto acha viável que até dezembro o projeto seja aprovado na Câmara, mesmo com modificações profundas no sistema previdenciário. Como o assunto é polêmico, o Planalto trabalha com a ideia de que mandará uma reforma completa e aprovará a reforma possível.

Em 2017, Temer buscará concluir a reforma previdenciária no Senado e, ainda, aprovar a nova legislação trabalhista e mudar regras políticas, com o fim da reeleição, da cláusula de barreira e das coligações nas eleições proporcionais.

— O objetivo é criar um país mais governável, com economia em expansão, gastos sob controle. O presidente quer transferir o poder para quem ganhar as eleições de 2018 pronto para um novo ciclo de crescimento consistente, sem o estigma de voo de galinha — diz um auxiliar presidencial.

Críticas públicas da base aliada
Nos primeiros cem dias de governo, completados ontem, Temer conseguiu voltar a ter controle parcial do Congresso, reverteu expectativas na economia e fez uma série de lançamentos para mostrar que há comando no país. No entanto, teve de ceder a um Ministério sem os “notáveis” que pretendia, com menos cortes de pastas que o previsto; e ainda aprovou aumentos de despesas, entre outras medidas que desagradaram a seus principais aliados, como o PSDB, e revelaram que terá de negociar muito para governar.

Nesses poucos mais de três meses de gestão, muitos foram os momentos em que as lideranças da base aliada criticaram publicamente suas decisões. Na semana que antecedeu o julgamento final do impeachment, foi preciso que Temer convidasse os tucanos para um jantar no Palácio do Jaburu e reafirmasse promessas negociadas antes de assumir como interino para garantir o apoio do PSDB. O compromisso com a austeridade fiscal, uma forma menos explícita de fazer o “toma lá, dá cá”, e a garantia de que os partidos da base terão espaço na formulação do governo foram algumas das cobranças feitas neste período. O PSDB exigiu que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deixe a política de lado e cuide só da economia, e o presidente do partido, Aécio Neves, afirmou na reunião que deseja que o governo tenha a “cara” e a “alma” do PSDB.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, presente ao jantar com os tucanos, buscou amenizar as imposições do aliado:

— O decidido foi que o presidente Michel Temer, com base nas sugestões da equipe econômica comandada pelo ministro Meirelles, levará ao debate com os partidos aliados, especialmente com o PSDB, uma a uma das medidas que serão submetidas ao Congresso. O líder do governo no Senado, Aloysio Nunes (PSDB-SP), passará a fazer parte permanente do núcleo duro do governo. O presidente busca unificar o discurso e as ações.

O uso da palavra “recuo” em relação a medidas que Temer deixou de lado gera desconforto no Palácio do Planalto. Para os mais próximos auxiliares do presidente interino, não se trata de voltar atrás, mas de negociar, algo justificado pela característica conciliadora do peemedebista, que lança uma ideia e a adequa após dialogar com os partidos e a sociedade.

— Negociar é recuar? O diálogo, o entendimento e a modificação da relação com o Congresso não significam recuo. Se o governo achar que vai aprovar o que quiser sem negociar, aí é ditadura. No Congresso, manifestam-se os lobbies, então há esses caminhos: ajustar as propostas, ganhar ou perder. A Dilma levava porrada porque não ouvia. O que estamos fazendo agora é negociação política — defende o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima.

O entorno de Temer admite, no entanto, que a fragilidade derivada do fato de ser um governo ainda interino impediu que ele avançasse como gostaria em determinados temas, como as reformas estruturais, da Previdência e trabalhista, e mesmo no corte de ministérios, que chegou apenas à metade do previsto.

Os aumentos concedidos a servidores, apesar de passarem um sinal de descompromisso com a austeridade, são justificados pelos assessores de Temer como uma forma de manter a credibilidade do governo, já que os acordos para os reajustes foram firmados na gestão anterior.

— O governo tem que retomar a credibilidade. A primeira coisa para isso é manter a palavra empenhada. No conjunto desses movimentos, o saldo foi mais de benefícios que prejuízos. O governo aprovou as matérias que colocou no Congresso e tem um processo de diálogo que vai ser mantido permanentemente. Mas é claro que ficará mais forte quando for efetivo — afirma um interlocutor do presidente interino.

Com o fim da interinidade, o Planalto promete uma posição menos condescendente. Um ministro avaliou que, nesses primeiros cem dias, o governo precisou compor interesses.

— Passada a interinidade, vamos continuar dialogando e buscando consensos mínimos para as reformas que precisam ser feitas, mas teremos que contrariar interesses. Não vamos tirar o país do buraco sem medidas impopulares que são impostergáveis e insubstituíveis — diz o auxiliar.

Para o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), é preciso dar um voto de confiança a Temer para quando deixar de ser interino:

— Não dá para fazer em relação a governo interino o padrão de avaliação que se faz com um governo estabilizado. O aspecto mais positivo foi a mudança de expectativa na economia, e é inegável que ele melhorou a relação com o Congresso. Em outras questões, ele terá uma nova chance no momento em que for efetivado. Como disse o senador Ricardo Ferraço no jantar que tivemos com o presidente, “treino é treino, jogo é jogo”.

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