sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Aliados de Temer recorrem para tornar Dilma inelegível

• Ex-presidente também apela ao STF, mas para anular julgamento

Ministros do Supremo, Gilmar Mendes e Celso de Mello criticaram a decisão do Senado, chancelada pelo ministro Lewandowski, que permitiu a divisão do processo e beneficiou a petista

PSDB, DEM, PPS e também o PMDB do presidente Michel Temer decidiram recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra o fatiamento do julgamento da ex-presidente Dilma Rousseff pelo Senado, que a livrou da pena de proibição de ocupar cargo público. A divisão do processo foi criticada pelos ministros do STF Gilmar Mendes e Celso de Mello. “É, no mínimo, bizarro”, atacou Gilmar. Para o decano Celso de Mello, o impeachment “não pode ser dissociado” do veto a futuras candidaturas. A defesa de Dilma também recorreu ao Supremo, mas para tentar anular todo o julgamento do Senado.

STF decidirá se Dilma deve ficar inelegível

• Base de Temer, incluindo PSDB e o próprio PMDB, moverá ação; PT quer anular impeachment

Cristiane Jungblut, Simone Iglesias, Maria Lima Evandro Éboli, e Junia Gama - O Globo


-BRASÍLIA- O processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi judicializado ontem: acusação e defesa ingressaram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Logo cedo, o advogado José Eduardo Cardozo, da expresidente Dilma, protocolou um pedido de anulação do impeachment. A resposta dos adversários veio à tarde. O senador Álvaro Dias (PV-PR) pediu que a Corte anule a decisão do Senado que preservou o direito da petista de ocupar cargos públicos. Após idas e vindas, quatro partidos aliados do presidente Michel Temer — PSDB, DEM, PPS e o próprio PMDB — anunciaram que também irão ao Supremo hoje, apresentando uma ação coletiva.

No Palácio do Planalto, porém, há o temor de que esses recursos contra a manutenção do direito de Dilma de exercer funções públicas acabe pondo em questionamento todo o julgamento que afastou a petista. Anteontem, os partidos haviam desistido de entrar na Justiça justamente por esse temor, mas ontem recuaram e resolveram recorrer. No PMDB de Temer, que também vai subscrever a ação, dos 19 senadores dez votaram pela manutenção dos direitos de Dilma.

Nulidades no processo
A defesa de Dilma Rousseff pediu uma liminar para anular a sua condenação pelo Senado, sob o argumento de que foram cometidas “gravíssimas e insanáveis” nulidades no processo. Na peça entregue ao STF, os sete advogados da presidente alegam que foram agregados fatos novos à denúncia original aprovada na Câmara, o que prejudicou a defesa. Eles dizem que eram originalmente apenas quatro os decretos de crédito suplementar editados indevidamente por Dilma, mas que, no Senado, foi incluído mais um, de R$ 29 milhões.

A defesa da petista também diz que a Lei do Impeachment, de 1950 e usada como uma das bases para sua condenação, não foi totalmente recepcionada pela Constituição, o que, para eles, provoca a nulidade do processo. A defesa diz que os acusadores da ex-presidente usaram “fatos sacados da cartola”.

A falta de sintonia entre os aliados de Temer para recorrer do fatiamento do julgamento ficou evidente. Os tucanos anunciaram a decisão, mas esqueceram de avisar o DEM, seu aliado mais tradicional. Só depois o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), ligou para o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), para comunicar a mudança de posição em relação à véspera.

O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), admitiu que houve “pressão das redes sociais e das bases” do partido para que fosse tomada uma posição sobre os direitos de Dilma. O temor na quarta-feira, ainda no calor do resultado da manobra patrocinada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), era de que um recurso inviabilizasse todo o julgamento que aprovou o impeachment de Dilma Rousseff.

— Estávamos tentando encontrar uma saída que não colocasse em risco a votação de ontem (quarta-feira). Não vamos atacar o julgamento no seu conjunto, mas a decisão de não punir a presidente com a inelegibilidade. Quem está atacando no seu conjunto é o PT, que já entrou com a ação. E é para deixar claro que não participamos do acordo que foi feito — disse o líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) ao GLOBO.

Para definir a nova estratégia, Aécio e Cunha Lima se reuniram ontem com juristas e advogados do partido. Cunha Lima disse que o partido decidiu recorrer depois que o PT foi ao STF.

— Decidimos dar uma ré. Já que o PT entrou querendo anular toda a sessão, vamos arguir apenas a nulidade do destaque que mudou o sentido da decisão e, sobretudo, modificou a Constituição — disse Cunha Lima. — Houve pressão de rede social ou de bases nossas para que tomássemos essa decisão. E ainda uma tentativa do PT de vender a ideia de que estamos apoiando um acordo para beneficiar o deputado Eduardo Cunha.

“Um problema sem tamanho”
Caiado, que foi o primeiro a defender que os partidos fossem ao Supremo, reagiu com ironia ao fato de o PSDB não ter lhe avisado da mudança de posição antes de fazer o anúncio.

— Fim da novela. Depois do quebracabeça dos juristas, prevaleceu a tese do médico — disse o senador, que é médico.

Irritado com a articulação que teve a participação do presidente do Senado e da maioria dos senadores do PMDB, Temer chegou a se oferecer para assinar a ação do PSDB. Mas ontem à tarde, a ordem era reavaliar a decisão de recorrer ao Supremo. O Planalto está preocupado. Segundo um auxiliar de Temer, a tendência é se criar “um problema sem tamanho”:

— Se o Supremo entender que está errado, não há como votar novamente no Senado somente esta parte da pergunta. Tem que votar tudo de novo. Já houve o impeachment, a posse, teremos um problema sem tamanho.

Emissários do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, disseram ontem que ele cumpriu o Regimento do Senado e as normas legais. Em abril, na preparação do rito, o ministro chegou a pensar em fazer duas perguntas — uma sobre os crimes e outra sobre inelegibilidade —, baseando-se no artigo 68 da Lei do Impeachment, mas foi desaconselhado justamente porque seriam feitas duas votações. Para o secretário da Mesa do Senado, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, Lewandowski cumpriu o regimento ao aceitar o destaque:

— Destaque de bancada, se aceito, é automático. E o Regimento do Senado é aplicado, sobretudo, quando não há acordo.

(Colaborou Jailton de Carvalho)

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