domingo, 4 de setembro de 2016

O desafio na economia – Sem margem de manobra

• O novo governo federal precisará de apoio do Congresso a fim de fazer as reformas necessárias para tirar o país da crise

Luís Lima e Marcos Coronato - Revista Época

Quando assumiu interinamente a Presidência, em 12 de maio, Michel Temer disse prontamente a que vinha: fazer reformas profundas, equilibrar as contas públicas e fazer o país voltar a crescer. Diante do tamanho monumental do desafio, o que foi feito nestes quatro meses ainda é bem pouco. Mesmo assim, a sociedade reagiu com otimismo. Melhorou a confiança de consumidores e empresários. A simples troca de governo — e de estratégia na área econômica – serviu de alento para os que geram os empregos que faltam para os brasileiros. Mas o governo, agora definitivo, não tem mais razão para agir lentamente. Temer tem de mostrar logo como pretende superar os obstáculos à frente. Entre os mais formidáveis: ele tem de convencer os políticos no Congresso a aceitar reduzir o próprio poder, por meio da adoção de um teto para o gasto público. E tem de explicar ao brasileiro que será bom para todos, no longo prazo, que o acesso à aposentadoria seja mais difícil e os salários e benefícios mais flexíveis.


O país tem problemas antigos a enfrentar, como a estagnação da produtividade e gargalos de infraestrutura. Mas um se impõe diante de todos os outros, por ser emergencial: o total desarranjo nas contas públicas. O resultado primário do governo central (a economia feita para o pagamento de juros da dívida pública) caiu de um saldo positivo de 2,1 % do PIB em 2011 para um negativo de 2% em 2015. Ao fim deste ano, o resultado deverá ficar negativo de novo, em 2,75% do PIB – um rombo de RS 170,5 bilhões.

A deterioração resulta de um aumento irrefreável do gasto público, tendência que persiste desde a promulgação da Constituição de 1988, com expansão contínua da despesa com Previdência, saúde e educação. O avanço dos gastos ocorreu também sob as presidências de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. A tendência é visível há anos. Por isso, em 2005, a equipe de bons economistas que então servia no Ministério da Fazenda, como Marcos Lisboa e Bernard Appy, propôs limitar a expansão do gasto público ao aumento do PIB. A então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, chamou a proposta de “rudimentar” e ajudou a matá-la no nascedouro. Veio a sofrer duramente as consequências disso em seu governo.

Nos últimos anos, deixou de ser possível compensar o avanço do gasto com o aumento da carga de tributos ou com a arrecadação reforçada pelo crescimento econômico (fatores que facilitaram a Fernando Henrique e a Lula fechar as contas). O problema se intensificou com mais escolhas erradas da gestão de Dilma.

Ela fez desonerações fiscais para setores selecionados — o que diminuiu o recolhimento de impostos sem obter, em troca, crescimento. Tentou limitar o lucro de empresas privadas interessadas em assumir concessões – o que desanimou investidores. Insistiu em políticas de estímulo ao consumo, desacompanhadas de reformas que incentivassem a produção – o que fez avançar a inflação e os juros. E conteve na marra os preços de serviços de empresas estatais — o que só represou, por pouco tempo, a inflação (leia mais na página 70). Em seu mandato, Dilma não pôde mais contar com dois fatores que aqueceram a economia em anos anteriores. Nenhum dos dois deveria tê-la surpreendido.

O primeiro fator a desaparecer foi a voracidade global pelos produtos básicos que o Brasil exporta. Ao longo do governo Lula, o crescimento da China surpreendia e elevava os preços da soja e do minério de ferro que o Brasil vende. Elevava também o preço do petróleo, justificando o otimismo os megaprojetos no pré-sal. O crescimento global desacelerou e a China mais ainda. Os preços das matérias-primas caíram. Não existe mais a crise internacional com que Dilma tenta justificar seu fracasso. A economia global, porém, deixou de servir de motor para o Brasil.

Outro motor pifou mais ou menos ao mesmo tempo, a partir de 2010, por causa da combinação de alto nível de emprego e baixo número de jovens entrando no mercado de trabalho. “Entramos num período em que se esgotou a possibilidade de crescer por meio da incorporação de mão de obra”, diz o economista Otaviano Canuto, diretor do Banco Mundial. Até aquele momento, havia um movimento combinado – a formalização do emprego avançava e mais jovens entravam no mercado de trabalho do que idosos saíam dele. Esse cenário acabou, E avançou pouco a capacidade de cada brasileiro de produzir mais, o que só se daria por meio de melhor infraestrutura, mais educação e alguma inovação. “No fim, como tivemos investimento baixo e a produtividade avançou pouco, o crescimento não se sustentou”, afirma Canuto.

Dilma ainda chegou a tentar, no segundo mandato, ajustar as contas públicas (após negar, durante a campanha, que isso fosse necessário). Mas com a crise se aprofundando, ministros da Fazenda sem respaldo e falta de convicção da própria presidente no remédio que apresentava, a iniciativa não vingou. Eis o cenário desolador em que começa o governo Temer.

A gravidade da situação é tamanha que há quem diga que historiadores do futuro avaliarão o choque como positivo. “A ex-presidente fez a questão fiscal se agravar a ponto de ter de ser enfrentada, impreterivelmente”, diz João Luis Mascolo, pós-doutor em economia pela Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, e professor da escola de negócios Insper. Para cumprir esse objetivo, os três pilares do ajuste de Temer são a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impõe um teto aos gastos públicos, a renegociação da dívida dos estados e a reforma da Previdência.

No primeiro pronunciamento à nação, logo após a posse, a tônica do discurso de Temer foi econômica. “Meu compromisso é resgatar a força de nossa economia e recolocar o Brasil nos trilhos”, disse, logo no início. “Governo é como família, se estiver endividado, precisa reduzir despesas para pagar suas dívidas. Por isso, uma de nossas primeiras providências foi impor limite aos gastos públicos.1” Ele se referia à PEC do teto de gastos – o governo propôs um Orçamento para 2017 como se o teto já vigorasse, mas implementá-lo exigirá uma batalha duríssima no Congresso. O presidente recém-empossado também falou na importância de tornar mais flexível a legislação trabalhista e reformar a Previdência.

Nenhuma menção foi feita a uma eventual alta da carga de tributos. A proposta de Orçamento para 2017, entregue na semana passada, não conta com isso. Como compensação, o governo aposta no reaquecimento da economia. Aumentou a projeção de crescimento do PIB para o ano que vem de 1,2% para 1,6%. Prevê R$ 26 bilhões extras em arrecadação tributária e outros R$ 24 bilhões em concessões.

A força e a qualidade da retomada econômica estão condicionadas à implementação de medidas que mexem com direitos, que são malvistas por parte da população, sindicatos e lobbies de funcionários públicos, e que dependem de aceitação no Congresso. Ainda que o governo tenha ampla base de apoio, há um embate duro pela frente. Uma mostra foi dada na tramitação do Projeto de Lei complementar (PLP) da renegociação da dívida dos estados com a União. A aprovação só foi possível após o governo retirar a proibição de aumento real (acima da inflação ) aos servidores estaduais por dois anos. A mudança preocupou o mercado, que passou a desconfiar da eficácia do ajuste. O governo defende que a essência do projeto foi mantida, ao impor um teto para o crescimento das despesas estaduais.

A PEC do teto de gastos é vista no Congresso com ceticismo, por alguns motivos. Ela contém despesas em saúde e educação, caras à gestão pública e à atração de votos. Outro fator a assustar os políticos e nublar o horizonte é o rumo que tomará a Operação Lava Jato na era pós-PT.

Em paralelo, o governo trabalha com um programa de privatizações e concessões. “Há uma noção clara de que o governo não tem como capitanear investimentos”, diz José Ronaldo de Souza Júnior, economista do Ipea e do lbmec-RJ. “A solução viável é atrair o capital privado, com uma boa regulação e condições atrativas.” O primeiro pacote de privatizações e concessões deverá ser anunciado em meados de setembro. A ideia é anunciá-lo após a aprovação pelo Congresso da medida provisória que cria o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). “E necessária uma política que estimule o investimento interno em todos os setores”, diz Aleksandr Gevorkyan, professor-doutor da Universidade de St. Johrís, em Nova York. “E também melhorar a produtividade do trabalho, por meio de ganhos mais expressivos com capital humano qualificado.”

Se tudo ocorrer conforme o planejado, a atividade começará a reagir no ano que vem. Mesmo assim, o país deverá demorar a retomar o vigor. Com os antigos motores de crescimento parados e a economia desorganizada, não se sabe quanto o país pode crescer, em média, no longo prazo. O banco espanhol BBVA calcula que o Brasil aguente, nas condições atuais, um modestíssimo ritmo de 1% ao ano. Isso não bastará para retirar o país do atoleiro de 12 milhões de desempregados. Voltar a crescer de verdade, desta vez, exigirá as reformas profundas que adiamos por muitos anos.

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