sábado, 22 de outubro de 2016

Abuso e escárnio - Carlos Melo

- O Estado de S. Paulo

Na olimpíada do absurdo, o Brasil arrebata medalhas de ouro, bronze e prata. A modalidade chama-se “confusão política”; seu objetivo é espalhar dúvidas até que o descrédito elimine as noções de certo e errado, justo ou legal, apagando referências de quem faz, cumpre e executa as leis. Não, não se trata dos “pesos e contrapesos” de uma democracia. E, menos que uma comédia de erros, reside na brincadeira do “perde um”: perdem todos; perde o País.

A mais recente etapa deu-se no Senado: membros da Polícia Legislativa foram presos pela Polícia Federal. Tudo ainda obscuro – o objetivo, afinal, é a confusão –, mas o quiproquó indica que, supostamente, a polícia do Senado atuaria num esquema de proteção a alguns senadores. Não se sabe quais e é bom não generalizar, mas a missão implicaria contraespionagem: desmontar investigações da Lava Jato, coisa para profissionais.

Difícil compreender, mas em não compreender é no que consiste a trama. Em tese, seria assim: nos marcos da lei, os federais investigam senadores envolvidos com a Lava Jato. Senadores fazem as leis e discutem se seriam e o que seriam os tais “marcos da lei”. Há, evidentemente, uma disputa aí.

Mas o certo é que policiais do Legislativo existem para proteger o patrimônio do Congresso e dar segurança física aos senadores.

Antes que das galeras, no entanto, protegem os senadores da lei, resguardando-os da Justiça que, em tese, cumpre leis feitas também no Senado. Assim como o Brasil, entender esta dinâmica não é para amadores.

Protegendo estes tais “pilares da República”, desarmaram, então, traquitanas, escutas e grampos; provas teriam ido pelo ralo?

Às vezes com razão, senadores reclamam e propugnam leis que limitem abusos de autoridade. Com efeito, para a democracia, nada há de pior. Mas, se legislam em causa própria, também não abusariam? Que Poder pode limitar o poder de quem limita o Poder? Mais que um jogo de palavras, uma cilada; um enigma que não sabe dizer o que nasceu primeiro, o abuso ou o escárnio.
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Cientista político e professor do INSPER

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