terça-feira, 8 de novembro de 2016

Fim de programas sociais afeta os mais pobres e as vítimas de tragédias

• Governo poderá deixar de pagar aluguel para 9.640 famílias

Rafael Galdo - O Globo

Vítimas das chuvas de 2011 na Serra estão acampadas há uma semana em frente a prédios que o estado constrói em Teresópolis, para abrigar quem perdeu a casa na tragédia. Um dos motivos do protesto é o atraso, de dois meses e meio, do aluguel social pago pelo governo do Rio. O que os manifestantes não sabiam era que a situação desalentadora poderia piorar. O benefício acabou incluído na lista de programas sociais que o governador Luiz Fernando Pezão propôs extinguir ou limitar no pacote de austeridade anunciado na sexta-feira. E o grupo, que já colecionava histórias de dificuldades, agora olha para o futuro com mais descrença.

Só o aluguel social deixaria de ser recebido por 9.640 famílias, muitas delas atingidas por desastres como o da Região Serrana ou o do Morro do Bumba, em Niterói, em 2010. O fim do Renda Melhor e do Renda Melhor Jovem — programas de complementação de renda para combater a pobreza no estado — afetaria, no mínimo, 122.569 famílias. Já com o fechamento dos restaurantes populares, deixariam de ser servidas, em média, 34.777 refeições e 21.877 cafés da manhã diariamente. Cerca de 7.500 moradores da Ilha Grande e de Paquetá perderiam a gratuidade nas barcas. E cinco milhões de usuários cadastrados no Bilhete Único (são aproximadamente 500 mil passageiros que o utilizam por dia) passariam a conviver com um teto de R$ 150 no valor mensal que o governo subsidia das viagens, além do aumento da tarifa de R$ 6,50 para R$ 7,50.

BENEFICIÁRIOS VÃO À JUSTIÇA
Juntas, essas medidas somariam uma economia de R$ 581,9 milhões aos cofres do estado. Mas para quem depende dos programas, os prejuízos são incalculáveis. Apenas em Teresópolis, afirma a Associação das Vítimas das Chuvas (Avit), são mais de 1.700 famílias que precisam do aluguel social. Em Petrópolis, outras 794. Nas duas cidades, grupos organizam protestos e pretendem ir à Justiça, em ações coletivas, contra o fim do benefício.

— Estamos na precariedade, órfãos do governo e de nossos direitos. Com os recentes atrasos no aluguel social, há famílias sendo despejadas e voltando para áreas de risco. Após a proposta do fim do programa, tudo ficou mais indefinido. Há proprietários que querem cancelar contratos com os inquilinos. Estamos pedindo socorro. Eu, particularmente, já perdi a esperança — diz Laura Ferniano, uma das beneficiárias do aluguel social em Teresópolis.

No município, alguns dos despejados já começam a se juntar aos manifestantes que acamparam na Fazenda Ermitage, condomínio do Minha Casa Minha Vida à beira da BR-116 que terá cerca de 1.600 unidades habitacionais. O líder do movimento, Ronny Carreiro, conta que ao menos 740 apartamentos estão praticamente prontos. Mas, como admite a Secretaria estadual de Obras, só serão entregues quando forem concluídas outras intervenções, como uma passagem subterrânea para pedestres sob a BR-116. O problema, lamenta Ronny, tem sido mais uma vez a crise, que emperrou a construção:

— Pelo pacote, o aluguel social acabaria em junho de 2017. O governo vai entregar os apartamentos até lá? Hoje, com os atrasos, há pessoas que estão vivendo graças à boa ação dos outros.

Em Petrópolis, há um agravante: as obras de moradias populares para as vítimas das chuvas sequer começaram.

— As únicas casas entregues foram feitas pela iniciativa privada. Os R$ 500 do aluguel são imprescindíveis para muitas famílias — diz Cláudia Renata de Almeida, beneficiária do programa.

Usando uma expressão popular, o economista Mauro Osório, da UFRJ, afirma que, em tempos de crise, “toda gota é água", para se referir à quantia que o Rio pouparia com o sepultamento de programas sociais. Ele diz, no entanto, que o governo poderia adotar medidas mais efetivas.

— Apenas se o ICMS do petróleo passasse a ser pago na origem, e o estado poderia lutar para isso, seriam R$ 10 bilhões a mais de arrecadação. Não precisaria acabar com o restaurante popular ou mexer nas aposentadorias.

Enquanto isso, em Queimados, Lucia Rodrigues ainda tinha esperança de voltar a receber os R$ 300 do Renda Melhor. Seu benefício foi cortado há alguns meses. Desempregada, tem faltado dinheiro para comprar alimentos:

— Tenho seis filhos e cuido de uma neta. Agora, estamos quase passando fome. Garanto o arroz e o feijão na mesa. Mas o leite quase nunca tem.

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