terça-feira, 8 de novembro de 2016

Judiciário do Rio diz que proposta de Pezão é absurda e inconstitucional

Lucas Vettorazzo – Folha de S. Paulo

RIO - O Judiciário reagiu à proposta de ajuste fiscal do governo do Rio de Janeiro, que entre outras coisas afetará a forma como são feitos os repasses de verbas do Executivo para a Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública, Assembleia Legislativa e Tribunal de Contas.

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, classificou nesta segunda-feira (7), de inconstitucionais e absurdas as propostas de ajuste das contas públicas sugeridas pelo governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, na semana passada.

Ele se referia especificamente à proposta que modifica a forma do repasse do chamado duodécimo aos poderes, que é basicamente a verba mensal que o Executivo envia para o custeio do Judiciário, Legislativo e demais órgãos dos três poderes.

Atualmente, o valor a ser repassado mensalmente a esses poderes é definido no orçamento anual do Estado. Todo o mês, um doze avos desse montante é repassado ao poder correspondente –por isso o nome duodécimo.

No pacote apresentado por Pezão na semana passada, havia a proposta de que o duodécimo fosse calculado com base na receita líquida corrente do governo naquele mês e não na proposta de orçamento aprovada no início do ano. Isso resultaria em redução do valor repassado pelo Executivo aos demais poderes.

Segundo Carvalho, a mudança coloca o Executivo em posição superior ao Judiciário, o que fere o princípio da separação e independência dos poderes, prevista na Constituição. Carvalho disse que o Estado trata o judiciário e demais poderes como uma autarquia estadual.

"Ainda que seja necessária a adoção de medidas emergenciais, não há como se aceitar que as propostas possam ferir princípios constitucionais que são a base do estado democrático de direito", disse Carvalho, durante sessão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça.

Enquanto Carvalho se pronunciava, servidores da Justiça em greve faziam um protesto na entrada do prédio do Tribunal, no centro do Rio.

Carvalho lembrou que no final de 2014, com o objetivo de ajudar as contas públicas, o Tribunal de Justiça do Rio fez um empréstimo de R$ 400 milhões para o Estado, ainda não pago. De acordo com Carvalho, o governo não fez o "dever de casa".

"Ao contrário, houve manutenção de despesas expressivas com propaganda, isenções fiscais e nomeação de inúmeros cargos em comissão, e de gastos também elevados com obras olímpicas.

A Constituição determina que o duodécimo dos poderes seja pago até o dia 20 de cada mês. Em função da crise, o Estado mudou o calendário e passou a atrasar o repasse, situação que já fora utilizada como argumento para o arresto das contas do governo.

Do total do orçamento, 49% são destinados ao Executivo, 6% são destinados ao Judiciário, 2% vão para o Ministério Público e 3% ao Legislativo.

"Em outras palavras, o poder Executivo tem a chave do cofre, mas, embora tenha direito à maior fatia, não é o dono de todo o valor que está dentro dele. Assim, não pode se apropriar de parcela que não lhe pertence, ainda que em um período de gravíssima crise financeira", disse Carvalho.

PAGAMENTOS
Em sessão que teve a presença de vários desembargadores e também do procurador geral do Estado, Marfan Vieira, o presidente do Tribunal de Justiça chamou a proposta de mudança no duodécimo de absurda e que ela levará ao colapso financeiro das instituições.

"O absurdo da proposta impõe a todos os poderes e instituições o caos financeiro que inviabiliza a gestão, já que os chefes dos demais poderes e instituições não teriam condição de programar os gastos diante de uma arrecadação que seria mensalmente informada, unilateralmente, pelo poder Executivo", disse.

Carvalho afirmou que o modelo proposto por Pezão coloca em risco o pagamento de salários dos servidores e magistrados. O receio é que em determinados meses, o Estado alegue que não teve boa receita e corte a verba que seria repassada para o custeio dos tribunais.

"Essa técnica proposta tornará incerta a remuneração de magistrados e servidores. Não haverá quantias certas. Não haverá dias certos. E sem dúvida haverá meses sem pagamento".

Carvalho destaca ainda que a proposta, constante de projeto do Executivo que ainda passará por votação na Assembleia Legislativa, é ilegal, já que somente o Judiciário poderia apreciar essa matéria.

O presidente do Tribunal de Justiça disse que a mudança nas formas de repasse, além do colapso financeiro, poderia levar ao fechamento de comarcas e reduzir a quantidade de pessoas atendidas de maneira gratuita pela Justiça do rio. Segundo ele, dois terços dos processos no tribunal possuem gratuidade de justiça.

"Sem recursos suficientes, haverá a necessária redução do serviço prestado, estabelecimento de escalas de atendimento ou até fechamento de Fóruns, com consequências graves para a população".

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