sábado, 2 de janeiro de 2016

Opinião do dia: Fernando Gabeira

Num ano em que os esportes olímpicos se preparam para grandes recordes, nas ruas do Rio vivem-se modalidades mais sinistras: parto na calçada, chacina de adolescentes. O governo do Rio encostou-se no petróleo e na aliança com Dilma. O petróleo caiu, Dilma apenas respira. Foi tudo vivido como se os royalties fossem crescentes e eternos.

Entramos no ano da Olimpíada com uma retaguarda problemática, manchas comprometedoras em nosso traje de gala. E somos os anfitriões.

Esse é um dos nós de 2016. Assim como os outros, já estava rolando no ano velho, mas agora o Rio passa a ser uma agenda internacional. Não apenas o Rio, mas o Brasil.
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Fernando Gabeira, jornalista, ‘Maratona no escuro’, O Estado de S. Paulo, 1.1.2016

Dilma veta reajuste do Bolsa Família para não estourar Orçamento de 2016

• Benefícios deveriam subir 16,6%; no entanto, para não adicionar peso extra ao já combalido caixa, governo decidiu contra o reajuste

Bernardo Caram e Sandra Manfrini - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016 com um total de 58 vetos. Entre os pontos rejeitados está o que estabelecia o reajuste de todos os benefícios do Programa Bolsa Família de acordo com a inflação dos últimos 20 meses. A lei foi assinada no último dia de 2015 pela presidente e publicada nesta sexta-feira, 1º, em edição extra do Diário Oficial da União.

Principal bandeira social da gestão petista, o programa teria benefícios reajustados em pelo menos 16,6% caso o dispositivo não tivesse sido vetado pela presidente. A taxa corresponde ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado entre maio de 2014 – quando foi feita a última correção do Bolsa Família – e novembro de 2015, último dado do IBGE. Hoje, o benefício básico é de R$ 77, podendo chegar a R$ 336 por família conforme o número de crianças e gestantes que vivem em uma residência.

Com o veto de Dilma, prevaleceu o gasto de R$ 28,1 bilhões com o Bolsa Família em 2016 – alta de 1,44% sobre o total de 2015 (R$ 27,7 bilhões). Ao rejeitar a reposição da inflação, o governo afirmou que a correção total pelo IPCA dos últimos 20 meses seria incompatível com o Orçamento aprovado.

Para o líder do governo na Comissão Mista do Orçamento, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), para ser viabilizado, o reajuste deveria estar previsto no Orçamento. “O governo fez o esforço necessário, vários setores queriam retirar R$ 10 bilhões do Bolsa Família e o governo impediu”, disse.

A LDO define as metas e prioridades da administração pública federal, bem como diretrizes para a elaboração e execução dos orçamentos da União, disposições relativas às despesas com pessoal e encargos sociais, entre outras.

Durante a tramitação da Lei Orçamentária Anual de 2016, que sucede a LDO, o relator do texto, deputado Ricardo Barros (PP-PR) chegou a propor uma redução de R$ 10 bilhões no orçamento do Bolsa Família para este ano, argumentando que havia fraudes no programa. O corte acabou não avançando.

O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), afirmou que os beneficiários vão ficar sem reajuste por problemas de gestão. Para ele, o governo Dilma gerou uma crise fiscal que penaliza os mais pobres. “É um governo que não planeja e chega a esse ponto.”

A LDO oficializou a redução da meta fiscal deste ano de um superávit primário de 0,7% para 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). A revisão da meta foi um dos motivos que levaram à saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda.

Vetos. O governo também vetou o artigo que determinava que o Orçamento incluísse recursos para a atualização dos valores transferidos aos Estados, Distrito Federal e municípios relativos ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e ao Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE).

A justificativa para o veto foi de que o dispositivo determinaria a indexação de despesas cujo cálculo é definido pelo Ministério da Educação.

Foi vetado ainda um dispositivo que determinava a execução orçamentária e financeira relativas a emendas individuais, desde que não houvesse impedimento técnico. O governo justifica o veto afirmando que o dispositivo determinaria a imediata execução orçamentária e financeira dessas emendas, o que afronta a previsão da Lei Orçamentária Anual.

Outro dispositivo vetado foi o parágrafo que vedava a concessão e renovação de empréstimos do BNDES para investimentos no exterior. Para o governo, esse dispositivo prejudicaria a capacidade de empresas de concorrer no exterior.


Clique aqui para ver a íntegra da lei publicada no Diário Oficial e as razões para todos os vetos.

PT quer mais impostos e empréstimos da China

Documento a ser entregue a Dilma contém 14 propostas para criar nova agenda

Entre as sugestões, estão novas alíquotas do Imposto de Renda, tributação de lucros e dividendos, venda de papéis da dívida ativa, ajuda chinesa para financiar empresas brasileiras e até legalização dos jogos de azar

Para combater a crise e superar a pauta do ajuste fiscal, a bancada do PT na Câmara vai levar à presidente Dilma Rousseff e ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, um documento com 14 propostas para reorientar a política econômica, conta SÉRGIO ROXO. O partido avalia que o governo precisa ser pressionado e prega “aprofundar a justiça tributária”. Uma das ideias é adotar sete alíquotas de Imposto de Renda, que chegariam a 40% para salários acima de R$ 108 mil por mês. Os petistas sugerem que o governo busque acordos com a China para financiar o setor produtivo.

Pacote petista

• Partido propõe superar pauta do ajuste com medidas de ‘justiça tributária’ e apoio da China

Sérgio Roxo – O Globo

BRASÍLIA - Para superar a pauta do ajuste fiscal, a bancada do PT na Câmara vai intensificar a pressão sobre a presidente Dilma Rousseff com o objetivo de que o governo adote um pacote de medidas na economia, como a reformulação da cobrança do imposto de renda com adoção de alíquota de até 40%, a tributação de lucros distribuídos por empresas a acionistas, além da busca de empréstimos na China.

A troca do comando do Ministério da Fazenda, com a saída de Joaquim Levy e a entrada de Nelson Barbosa, mais alinhado com o PT, deu esperança aos parlamentares de que as propostas podem ser atendidas. No começo da semana passada, um grupo de cinco deputados, que incluía o líder da sigla na Câmara, Sibá Machado (AC), entregou ao ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, um documento de 18 páginas com 14 medidas para combater a crise.

A saída de Levy, considerado um representante do mercado, foi elogiada pelo PT e por movimentos que formam a base da legenda, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Mas a fala de Barbosa, ao tomar posse, de que seguiria a linha do seu antecessor gerou desconfiança. No começo da semana, o presidente do partido, Rui Falcão, alinhado ao movimento da bancada, cobrou, em um texto publicado na internet, a necessidade de Dilma adotar medidas ousadas na economia. O ex-presidente Lula também está afinado com os deputados. A avaliação é que o governo precisa ser pressionado para mudar a pauta.

“Tributação de privilegiados
A maioria das propostas já vinha sendo defendida pelo partido e chegaram a constar da resolução aprovada no Congresso do PT, em Salvador, em junho. Mas no documento entregue ao ministro da Casa Civil, as medidas foram detalhadas. A expectativa dos parlamentares é ter, já na primeira semana do ano, uma conversa sobre o assunto com Barbosa e com a própria Dilma.

— O Jaques Wagner achou muito interessante e ficou de conversar com o Nelson (Barbosa), Valdir Simão (novo ministro do Planejamento) e com a presidente para promover uma reunião na semana que vem — afirmou o deputado Vicente Cândido (PT-SP), que coordena o grupo de parlamentares que elaborou o documento.

Na introdução, os petistas dizem que as medidas visam “aprofundar a justiça tributária, com a tributação dos setores privilegiados da sociedade, já que atualmente os impostos recaem sobre a classe média e os trabalhadores”.

Para atingir esse objetivo, a principal proposta é a reformulação do imposto de renda. No lugar das quatro faixas de cobrança de hoje, com alíquotas de 7,5% a 27,5%, seriam criadas sete, com índices de 5% a 40%. Pela sugestão petista, o valor de isenção subiria de R$ 1,9 mil para R$ 3,4 mil e a alíquota máxima de 40% atingiria os salários superiores a R$ 108,5 mil por mês.

Também entraria nesse pacote de “justiça tributária”, a cobrança de imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a seus acionistas e sobre a remessa de recursos ao exterior. Cândido afirma que essas medidas poderiam gerar uma arrecadação extra de, pelo menos, R$ 40 bilhões por ano.

Apesar de o documento ser amplo, os deputados reconhecem que vão precisar priorizar os temas na negociação com o governo. Receberão o foco mais imediato as mudanças no imposto e outras duas medidas: a venda de papéis da dívida ativa para bancos privados e a busca de empréstimos na China.

Há ainda no pacote medidas já encampadas pelo governo, como a volta da CPMF, a repatriação de recursos do exterior e a alteração da legislação para acordos de leniência com empresas envolvidas em casos de corrupção.

A proposta que pode gerar mais recursos, segundo os petistas, é de venda da dívida ativa. A ideia é que os bancos comprem com desconto papéis da dívida e executem as cobranças. Os estados e as prefeituras também poderiam aderir ao programa e vender as suas dívidas.

— A gente calcula que há entre R$ 800 bilhões a R$ 1 trilhão vendável. Isso resolveria os problemas de caixa da União, dos governos e das prefeituras — diz Vicente Cândido.

Os deputados cobram ainda do governo a iniciativa de buscar acordos com as autoridades chinesas para viabilizar financiamentos dos bancos estatais locais, que poderiam repassar entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões para as empresas brasileiras.

— Não podemos ter na economia só o olhar do setor financeiro. O setor produtivo não pode ficar de lado. A conta de 2015 foi muito dura. Essas propostas vão no sentido de abastecer o caixa do governo e garantir as questões sociais — avalia Sibá Machado.

Para o economista Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, que tem auxiliado na fomulação das medidas, a recessão atual impede a continuidade do processo de distribuição de renda:

— A proposta do PT é associada ao crescimento econômico. Com a recessão, não tem o que distribuir.

Bebidas, celulares e tablets ficam mais caros

Dilma sanciona lei que aumenta tributos sobre bebidas e celulares

• Produtores estimam alta de 6% a 25% no preço final dos vinhos

- O Globo

A presidente Dilma Rousseff sancionou, com vetos, a conversão em lei da Medida Provisória 690, que faz parte do pacote de ajuste fiscal do governo. A nova legislação, que passou a vigorar ontem, muda a forma de cobrança e eleva o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre vinhos, cachaças, uísques e bebidas destiladas em geral. A mudança pode resultar em reajustes entre 6% e 25% no preço dos vinhos para o consumidor, estimam entidades e empresários do setor. Dilma também suspendeu a isenção de PIS/Pasep e Cofins para aparelhos de informática, como smartphones, notebooks e tablets, que eram beneficiados pela chamada Lei do Bem, criada em 2005 para estimular a inclusão digital.

A sanção foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União, com data de 31 de dezembro. O Congresso já havia aprovado a MP no mês passado, mas o texto só poderia se transformar em lei após sanção presidencial. E a aprovação contou com mudanças importantes. O objetivo do governo com as alterações é obter um acréscimo na arrecadação em um momento de crise financeira.

A principal alteração foi a suspensão de um teto para o IPI sobre as chamadas bebidas quentes. O texto aprovado no último dia 16 pelo Senado estabelecia para os vinhos uma alíquota máxima de 6% em 2016 e de 5% a partir de 2017. Para a cachaça, o limite proposto era de 17%.

A presidente, porém, justificou que “não é adequada a fixação em lei de alíquotas máximas" e que isso contraria a Constituição. Com o veto, deve passar a valer uma taxação de 10% a 30%, dependendo da bebida, como pretendia inicialmente o governo.

Além disso, pela lei, o IPI incidente sobre as bebidas quentes passará a ser calculado com uma alíquota sobre o valor do produto (a chamada alíquota ad valorem). Até então, o IPI era um valor fixo por determinada quantidade produzida (alíquota ad rem). Antes, a cobrança variava por categoria, com um valor máximo. Para vinhos até US$ 70, ficava em R$ 0,73 por garrafa. Agora, a cobrança será em percentual.

No caso dos eletrônicos, o texto suspende dois artigos da Lei do Bem, que zeravam a isenção de PIS/Cofins na venda de smartphones, tablets, PCs, notebooks, roteadores e modens. O texto aprovado pelo Senado previa a retomada dos incentivos de forma parcial em 2017/ 18 (50%), e integral em 2019, mas a presidente vetou as mudanças alegando a falta de “estimativas de impacto orçamentário-financeiro e das compensações necessárias”.

Setor critica veto
Desde 2005, os produtos eletrônicos recebiam incentivos fiscais como parte do programa de Inclusão Digital do governo federal. A partir de agora, os varejistas voltam a pagar alíquotas que variam entre 3,65% e 9,65%, dependendo do regime tributário da empresa.

Em comunicado, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) se disse “surpreendida com veto à retomada escalonada do benefício”, acordada pela entidade junto ao governo.

“O presidente da Abinee, Humberto Barbato, lamenta o veto da Presidente Dilma à matéria, pois desta maneira além de prejudicar o consumidor aumentando preços dos produtos produzidos no Brasil, trará a volta da informalidade na economia, com a diminuição de empregos formais e da arrecadação de outros impostos na cadeia, além de estimular o contrabando e o descaminho de tais produtos”, diz a entidade.

Sindicatos vinculam manutenção de apoio a Dilma ao fim do ajuste fiscal

• Principais centrais do País exigem mudanças na política econômica do governo para continuar a dar suporte contra o avanço do impeachment no Congresso

João Villaverde - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff terá de fazer uma escolha entre o apoio das centrais sindicais, considerado crucial pelo Planalto para enfrentar o processo de impeachment, e a manutenção da política econômica do ajuste fiscal. Lideranças das três maiores centrais do País que, juntas, representam 4,4 mil sindicatos, afirmaram ao Estado que, depois de “segurar as pontas” no apoio ao governo em 2015, apesar das medidas de restrições aos programas sociais, a defesa estará condicionada a mudanças na política econômica.

“O País não suporta mais esse receituário econômico, de ajuste. O desemprego subiu e deve continuar subindo, com inflação acima de 10% dificultando todas as negociações salariais. É claro que a Previdência precisa ser discutida, mas não é um quadro urgente. Espero que o governo não cometa o erro fatal de defender reformas previdenciárias e trabalhistas num cenário tão difícil como esse começo de 2016”, disse o secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre.

Braço sindical do PT, a CUT liderou, ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), todas as manifestações populares de apoio a Dilma. Na manifestação de 16 de dezembro contra o impeachment, diz ter levado quase 100 mil pessoas às ruas, número que superou o ato anti-Dilma realizado dias antes.

Em todos os protestos, os movimentos sociais foram contrários ao impeachment, mas críticos à política econômica do segundo mandato, encarnada na figura do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Os ataques ao ajuste fiscal foram engrossados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A recente troca de Levy pelo atual ministro, Nelson Barbosa, empolgou os sindicalistas. Mas as primeiras declarações de Barbosa desagradaram. “O Barbosa sempre teve uma visão mais positiva para a economia, pró-investimentos e crédito.

Estranhei a defesa dele das reformas previdenciárias e trabalhistas numa hora dessas. Ele quis agradar o mercado, mas isso é tiro no pé”, disse o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, que também comanda o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Torres faz parte da direção nacional do Solidariedade, partido comandado pelo seu antecessor na central, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD). Paulinho defende o impeachment, mas a Força declarou ser contrária ao afastamento da presidente.

“Se ela cair, a confusão no País será ainda maior e isso será péssimo para os trabalhadores. Agora está muito ruim, mas pode ficar pior. O programa do PMDB é ainda mais pró-ajuste fiscal, pior do que o PSDB pelo jeito. Mas o governo precisa ajudar também. Precisamos retomar urgentemente o crescimento porque o Brasil está parando, com inflação em dois dígitos e muita revolta com Dilma”, disse o líder da Força.

‘Risco’. Pela União Geral dos Trabalhadores (UGT), o presidente Ricardo Patah, que faz parte da direção nacional do PSD, disse que o governo “corre riscos” se efetivamente apresentar reformas como o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria pelo INSS, além de reformas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ao mesmo tempo em que o processo de impeachment estiver em votação pela Câmara e as contas da campanha presidencial sob análise do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

“O momento é delicado. Sou totalmente contrário ao impeachment, defendo o governo. Mas as energias do País estão concentradas nesse debate. O governo precisa concentrar esforços na retomada do crescimento, isso ajudará todo mundo”, disse Patah. Segundo ele, o governo pode iniciar o debate da Previdência pelo lado dos servidores federais. “Por que não discutir a aposentadoria dos servidores? Precisa ser sempre reforma no INSS, onde a maior parte dos aposentados recebe um salário mínimo?”

Negociação. Para o presidente da Federação dos Comerciários do Estado de São Paulo (Fecomerciários) e da UGT-SP, Luiz Carlos Motta, o governo precisa buscar os sindicalistas para “atravessar” 2016. “Ela precisa de nosso apoio e não dá para defender se as propostas forem de mais aperto justamente na base da pirâmide. Ela só vai se sustentar se não mexer nos direitos trabalhistas”, disse ele.

Entre as reformas defendidas pelo governo está uma que conta com apoio da CUT, que é a livre negociação entre os trabalhadores e sua empresa, opção que não faz parte da CLT. Mas mesmo a CUT entende que a medida só pode sair do papel após discussão com as demais centrais. “O governo precisa sentar e conversar com todos. Dilma precisa construir consensos, não anunciar medidas sem negociação”, disse Nobre.

Para analistas, crise pode alcançar 2018

• Estudiosos avaliam que cenário de turbulência deve permanecer e provocar mudanças profundas; instituições estão funcionando, dizem eles

Alexandra Martins - O Estado de S. Paulo

O cenário político brasileiro para este ano tem apenas duas certezas: as instituições estão funcionando e a crise que ameaça os mandatos da presidente Dilma Rousseff e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), não arrefecerá. Essa é a avaliação de estudiosos ouvidos pelo Estado sobre o que restou de bom de 2015 e o que esperar de 2016.

Para Marcos Nobre, cientista social, filósofo e professor da Unicamp, as possibilidades geradas pela crise “estão abertas”. “Ainda não temos um sinal claro sobre onde vai parar essa crise política, se esse processo todo vai se transformar em avanço institucional. Pode sair uma política diferente, boa, ou a gente pode ter coisas piores.” Segundo ele, 2017 e 2018 serão anos muito ricos para a política. “Em 2016, os pactos ainda vão ser provisórios. Pode ser que a lista de implicados na Lava Jato chegue a um quinto do Congresso Nacional. Nós vamos passar mais uns dois anos de crise permanente, de instabilidade duradoura. Cabe à sociedade fazer uma nova cultura política, diferente do que funcionou até agora”, diz Nobre.

“A crise política pode representar um ganho para a oposição no sentido de que o PT está chamuscado eleitoralmente. Para 2018, a chance de o PT ganhar a Presidência é zero. Na eleição de 2016, para prefeito, o PT não vai eleger nem síndico no prédio do Lula”, afirma Fernando Limongi, cientista político e professor da USP.

Instituições. “A democracia se fortaleceu. As punições que estão sendo aplicadas são inéditas. As grandes figuras vão estar na cadeia, isso faz a situação brasileira insólita. Se as instituições de controle não estivessem funcionando, teríamos uma convulsão social”, diz o professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcus Melo.

Para a professora titular de ciência política da USP Maria Hermínia Tavares de Almeida, o que ocorreu neste ano “é uma prova de que as instituições aguentaram de forma profunda”. “O problema é econômico e político. A política dificulta a solução da economia. Mas as instituições estão funcionando, os atores estão jogando dentro das regras institucionais.” Ela, porém, avalia que o Congresso está “desconectado” da sociedade. “Essa desconexão foi o que ocorreu de mais grave nessa crise política. Se o impeachment vingar, a situação vai ficar muito complicada porque o governo da presidente Dilma não é do (Fernando) Collor de Mello, o PT não é PRN. Vai haver muito conflito, inclusive nas ruas.”

Pacote de medidas contra a corrupção já tem 1,2 milhão de apoios

Aguirre Talento – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Com 1,2 milhão de assinaturas obtidas até o momento, o Ministério Público Federal vai enviar até a metade deste ano ao Congresso Nacional um pacote de dez medidas contra a corrupção, que tornam penas mais rígidas, dificultam a anulação de processos e facilitam a recuperação de recursos desviados, entre outras mudanças.

Concebida inicialmente pela força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, a campanha foi abraçada pela Procuradoria-Geral da República, que saiu a campo e promoveu palestras para obter assinaturas em todos os Estados. A coleta ocorre desde julho.

Ao atingir 1,5 milhão de apoios (o mínimo hoje para um projeto de iniciativa popular), o que integrantes do Ministério Público Federal estimam que ocorrerá até meados deste ano, será feito o envio das medidas para apreciação do Congresso.

A ideia foi obter o mesmo apoio popular da Lei da Ficha Limpa enviada ao Congresso com 1,3 milhão de assinaturas, sancionada em 2010 e que impediu a candidatura de políticos condenados em segunda instância.

Segundo a Câmara, houve quatro projetos de iniciativa popular desde a redemocratização: Ficha Limpa e sobre compra de votos, crimes hediondos e habitação popular. Em todos os casos, pela dificuldade de checagem das assinaturas, deputados encamparam os textos e os apresentaram, mas na prática são consideradas iniciativas populares.

Um dos idealizadores do pacote, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, disse que a ideia surgiu depois de sua equipe perceber que a sociedade tinha expectativa de que a operação provocasse uma transformação que não era possível.

"A Lava Jato trata de um tumor, mas o sistema é cancerígeno", afirmou Dallagnol.

As propostas foram desenhadas pelos procuradores no fim de 2014, tendo se baseado em experiências de outros países, e enviadas à Procuradoria-Geral da República. Segundo Dallagnol, mais de cem procuradores do Ministério Público Federal aderiram à campanha e passaram a fazer palestras para divulgá-la nos Estados.

O pacote consiste em 20 anteprojetos de lei apoiados em dez eixos principais, que devem começar a tramitar na Comissão de Legislação Participativa da Câmara.

"O objetivo é basicamente melhorar as condições e os mecanismos de enfrentamento da corrupção. Nós sabemos que existem inúmeras janelas de impunidade, desde a própria lentidão dos processos judiciais e até mesmo lacunas normativas", afirmou o subprocurador-geral da República, Nicolao Dino.

Uma das medidas que Dino destaca é a mudança no sistema de recursos do processo penal, que deve permitir o cumprimento das penas antes de recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.

Em relação ao rigor das punições, há uma medida que prevê o aumento nas penas mínimas de corrupção, que passa de dois para quatro anos de reclusão, provocando com isso o início do cumprimento das sentenças ao menos em regime semiaberto. Também se estabelece como crime hediondo se o prejuízo causado for superior a cem salários mínimos.

No caso de enriquecimento ilícito, caso seja incompatível com o rendimento do agente público, passa a ser punido com reclusão de 3 a 8 anos mesmo sem que se prove o crime de corrupção.

O plenário da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) se posicionou favorável a alguns pontos do pacote e contrário a outros. Para o presidente da ordem, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, seria inconstitucional agravar a pena de acordo com o valor desviado, como se prevê. "O ato de roubar ou desviar o patrimônio público deve ser punido com a mesma gravidade", disse.

Furtado Coêlho pondera que a OAB é favorável, por exemplo, à criminalização do enriquecimento ilícito e da prática de caixa dois.

Uma nova ficha limpa
As medidas que o Ministério Público Federal propõe para intensificar o combate à corrupção

* Conscientização
Aplicação de "testes de integridade" a agentes públicos e publicidade dos órgãos voltada para intolerância à corrupção

* Enriquecimento ilícito
Estabelece prisão de 3 a 8 anos e confisco em caso de obtenção de bens incompatível com os rendimentos, mesmo sem provar o crime de corrupção

* Pena maior
Corrupção passa a ter pena de 4 a 12 anos, implicando no mínimo em prisão no regime semiaberto, e se torna crime hediondo caso seja de valores acima de cem salários mínimos

* Recursos
Execução da pena antes de recurso ao STJ e STF, enxugamento dos recursos contra condenações, possibilidade de determinar cumprimento da pena se recurso for "manifestamente protelatório"

* Improbidade
Criação de juízos especializados para ações de improbidade administrativa, agilizar a fase inicial com apresentação de defesa apenas uma vez

* Prescrição
Determina situações de suspensão da contagem do prazo de prescrição e de aumento desse prazo

* Nulidades
Provas consideradas ilícitas que possam ser obtidas de uma outra fonte independente não são anuladas; critérios e prazos processuais para nulidade de provas

* Partidos
Multas e até possibilidade de cancelar registro de partidos que movimentem recursos de caixa dois, que passa a ser crime com reclusão de 3 a 10 anos caso usados para fins eleitorais

* Localização
Prisão preventiva passa a ser permitida para identificar e localizar recursos provenientes de crime, além de multas a bancos que descumprirem repasse de informações

* Recuperação
Permissão para confiscar parte do patrimônio de condenados em crimes graves e ação para "perda civil" de bens relacionados a atividades ilícitas antes do desfecho de ações civis ou penais

Hoje com atuação afinada, Temer e Cunha exibem estilos opostos

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Hoje vistos como aliados, o vice-presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), nunca foram pessoalmente próximos. Donos de estilos antagônicos, trocaram por anos críticas nos bastidores sobre a forma como cada um faz política.

Cunha sempre se referiu a Temer como um homem "indeciso" e "pouco incisivo". O vice, por sua vez, considera o presidente da Câmara seu avesso: agressivo e impetuoso. As diferenças de atuação já renderam cenas insólitas.

Cunha nunca foi do tipo que pede licença para entrar. O correligionário, por sua vez, é conhecido pelo comportamento protocolar.

No primeiro mandato de Temer como vice, Cunha costumava aparecer logo cedo na residência oficial, o Palácio do Jaburu, ou passar horas na sala do correligionário na vice-presidência.

A falta de cerimônia começou a incomodar e, à medida que o desconforto crescia, Cunha amargava mais tempo nas salas de espera.

O hoje presidente da Câmara chegou a pedir que colocassem um ramal à sua disposição. Da antessala do vice, ligava para aliados e anunciava que estava telefonando do Planalto.

Cunha cresceu no PMDB e na política rodeando líderes do partido. Antes de chegar a Temer, aproximou-se do hoje ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Sua ascendência sobre o partido ficou evidente entre 2013 e 2014, quando Alves se tornou presidente da Câmara e Cunha, líder do PMDB.

Cunha ampliou estratégia que usara para chegar até ali: distribuía a aliados relatorias importantes e, com esses "favores", cativou parceiros. Nunca foi querido pelos nomes mais tradicionais do partido. Tornou-se necessário.

A lógica foi a mesma usada por Cunha para amarrar a oposição a seu projeto. Eleito presidente, deu a PSDB e DEM vagas em comissões, relatorias de projetos e CPIs que, sem sua disposição pessoal, jamais estariam fora das mãos de aliados do governo.

O método criou constrangimento a líderes desses partidos quando Cunha foi acusado de corrupção.

Apesar de não gostar da forma como Cunha atua, Temer reconhece a astúcia do correligionário. Aliados do vice contam que, numa das primeiras conversas privadas que tiveram, Temer ficou impressionado com a desenvoltura com que o deputado falava sobre o regimento interno da Câmara.

"É advogado?", perguntou o vice, que é constitucionalista. "Não, economista", respondeu Cunha.

Apesar das divergências, integrantes da ala que faz oposição a Temer no PMDB têm dito que Cunha passou recentemente a influenciar o comportamento do vice. Eles dizem que, desde que o impeachment se tornou uma realidade na pauta do Congresso, Temer passou a exibir um estilo mais agressivo na condução de seu grupo e do próprio partido.

Citam como exemplo a dobradinha dos dois na operação que afastou temporariamente Leonardo Picciani (PMDB-RJ) da liderança do PMDB.

Amigos do vice dizem que não existe aliança entre Temer e Cunha e que os que apontam nesse sentido atuam para desgastar o vice.

Cunha, no entanto, se tornou defensor da atuação de Temer e de sua permanência no comando nacional do PMDB, contra articulação deflagrada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para apear o vice da presidência da legenda.

No apoio de que Temer deve continuar na presidência da sigla, Cunha vai contra as principais lideranças do partido em seu Estado, o Rio de Janeiro. Sempre que questionado sobre o futuro de Temer no partido, o deputado é taxativo. A aliados, diz que tentam derrubar o vice da presidência da legenda há anos e aposta: "Mesmo sem o apoio formal do Rio, ele fica".

Merval Pereira:O poder moderador

- O Globo

Presidencialismo de coalizão pede poder moderador. O cientista político Sérgio Abranches, formulador inicial do conceito de “presidencialismo de coalizão” em artigo de 1988 intitulado “O Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro”, sobre as origens do modelo político brasileiro e sua dinâmica político-institucional, diante da crise política em que estamos metidos, revisitou o tema em recente artigo publicado em seu blog.

Abranches define que “o presidencialismo de coalizão requer um mecanismo de arbitragem, de regulação de conflitos, que sirva de defesa institucional do regime, assim como da autoridade presidencial e da autonomia legislativa, evitando que as crises na coalizão levem a um conflito irresolúvel entre os dois polos fundamentais da democracia presidencialista”.

Para o cientista político, o presidencialismo de coalizão “precisa ser refundado, em um momento constituinte, fora do calor da crise, para que adquira novas capacidades institucionais voltadas especificamente para criar mecanismos mais ágeis e menos traumáticos que o impeachment”.

Ele analisa os regimes chamados de semiparlamentarismo (defendido pelo vice-presidente Michel Temer) ou semipresidencialismo, defendido pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Coêlho, em vigor em Portugal e na França, para dizer que se for esse o caso, o “regime de gabinete”, como prefere chamá-lo, será preciso “robustecer o processo eleitoral, para que ele seja mais representativo e gere representações parlamentares mais responsáveis”.

Já no artigo original ele concluía que as “cisões internas e a instabilidade a elas inerentes são naturais em qualquer governo de coalizão, embora adquiram contornos mais graves em épocas de crise”. Requerem, portanto, “uma série de mecanismos institucionais e políticos que regulem este conflito, promovam soluções parciais e estabilizem a aliança, mediante acordos setoriais de ampla legitimidade”.

É elementar, salienta Abranches que, no presidencialismo, a instabilidade da coalizão atinja diretamente a Presidência. É menor o grau de liberdade de recomposição de forças, através da reforma do gabinete, sem que se ameace as bases de sustentação da coalizão governante.

No Congresso, a polarização tende a transformar “coalizões secundárias” e facções partidárias em “blocos de veto”, elevando perigosamente a probabilidade de paralisia decisória e consequente ruptura da ordem política. “Por isso mesmo, governos de coalizão requerem procedimentos institucionalizados para solucionar disputas interpartidárias internas à coalizão. É necessário que exista sempre um nível superior de arbitragem”.

Esses cenários explicitariam, no limite, o fato de que o Império tinha no poder moderador um mecanismo desse tipo. A Primeira República não adotou mecanismo semelhante, mas buscou o equilíbrio por meio “da política de governadores”, estabelecida por Campos Sales. O presidente representava a coalizão majoritária de oligarquias estaduais.
Os momentos de instabilidade corresponderam, sempre, àqueles em que as oligarquias centrais se desentenderam.

No Brasil da Segunda República, essa arbitragem foi militar, com gravíssimas consequências para as liberdades democráticas. Na Terceira República, persiste o mecanismo do impeachment, mas afastou-se o perigo da arbitragem militar. E o Supremo Tribunal Federal, de modo similar e mais profundo que nos EUA, torna-se, em parte, “poder moderador”, instância de mediação, para garantir, no limite, a ordem constitucional.

Tem a legitimidade e a autoridade derivadas de sua posição como um dos três Poderes da ordem republicana, encarregado de defender a ordem constitucional como última e inapelável instância. Sérgio Abranches, mesmo considerando que o STF agiu com prudência ao revalidar a jurisprudência definida pela Corte no impeachment do ex-presidente Collor em 1992, para garantir a segurança jurídica ao processo, tem críticas à decisão sobre o rito do impeachment.

Ele avalia que, ao recusar-se a examinar as consequências político-institucionais de longa duração de suas decisões, o STF acabou por cometer dois graves erros. No quesito prudencial de preservar o espaço da autonomia do Legislativo, quando invalidou a eleição da Câmara para a Comissão Especial. E na observância de equilíbrio harmônico entre os poderes, quando deu ao Senado um papel preponderante sobre a Câmara. (Amanhã, propostas para o futuro)

Miguel Reale Júnior: O povo bestificado

- O Estado de S. Paulo

O processo do impeachment deixou de ser a análise dos graves fatos praticados pela presidente e minudentemente expostos no pedido. Na imputação consta que houve a omissão ao não determinar a presidente a responsabilidade de subordinados, diretores da Petrobrás, ciente dos desmandos presentes na estatal, com infração ao artigo 9.º, item 3, da Lei n.º 1.079/50, que descreve conduta omissiva: “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais”. É comezinho poderem as condutas ser comissivas ou omissivas.

Tipificam-se também infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal, ao praticar ações que comprometeram a saúde financeira do País, levando à crise econômica de hoje, com 1,5 milhão de desempregados, inflação superior a 10% e perda do grau de investimento. Repita-se: ao recorrer por longo tempo, e em valores astronômicos, a empréstimos nos bancos oficiais para cobrir gastos do governo, não só em programas sociais, mas também para financiar grandes empresas com juros subsidiados, a presidente infringiu outro dispositivo da Lei do Impeachment, qual seja o descrito no artigo 10.º, 9: “ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer dos entes da administração indireta”.

O mais grave foi ter-se deixado de registrar a dívida de R$ 40 bilhões como despesa, incidindo em falsidade ideológica, pois se transformou, falsamente, dívida em superávit primário, ilaqueando a todos, prometendo crescimento de 4% em 2015. Ainda se tem a coragem de dizer ter agido em estado de necessidade, para pagar benefícios sociais, causa que excluiria o crime se não houvesse outro caminho senão a reconhecida prática delituosa, sendo requisito essencial a inevitabilidade do meio adotado. É o que se dá no furto famélico. No caso, todavia, não apenas existiam outras condutas para ter numerário, como constituíam essas outras vias as corretas: cortar gastos, eliminar desonerações tributárias, impedir a corrupção.

E qual o estado de necessidade haveria ao se deixar de registrar déficit, para falsear superávit primário?

Mas tudo se apequenou. A propaganda petista repete por via de alguns dos juristas palacianos e intelectuais de encomenda que se trata de um golpe! É mais uma farsa.

O impeachment virou moeda de troca entre culpados. Primeiramente, entre Planalto e Eduardo Cunha, para garantir impunidade mútua. Agora, entre Planalto e Renan Calheiros.

Tão logo o Supremo Tribunal Federal entendeu que uma decisão da Câmara dos Deputados de admitir a acusação contra a presidente da República por 2/3 dos seus membros – ou seja, pelo voto de 342 representantes do povo – pode ser anulada no Senado, onde estão os representantes dos Estados, por maioria simples – isto é, a maioria dos presentes, desde que estejam 41 senadores, portanto, por 21 senadores –, o presidente do Senado passou a ser adulado como o guardião do mandato de Dilma.

No dia seguinte foi chamado a almoçar com a presidente. Do ágape, já bem alimentado, Renan Calheiros veio receber intelectuais do PT, perante os quais disse o que queriam ouvir no sentido de não haver uma franja de indício de crime de responsabilidade.

Na mesma semana em que Renan Calheiros se tornou o arauto da improcedência do impeachment, foi ele objeto de investigação autorizada pelo Supremo Tribunal, pois seus sequazes, deputado Aníbal Gomes e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, sofreram busca e apreensão em suas residências. Houve busca e apreensão também na sede do PMDB de Alagoas, presidido por Calheiros, que por sua vez veio a ter decretada a quebra do seu sigilo telefônico, fiscal e bancário.

Nova troca de impunidades no horizonte. Diante de cenas explícitas de malandragem, a população fica descrente dos Poderes Executivo e Legislativo.

Contudo, se ainda se acreditava no Judiciário, o contorcionismo constitucional do Supremo acerca do rito do impeachment criou grave insegurança.

Sem haver nenhum princípio inspirador da possibilidade de uma maioria simples do Senado anular a determinação de 2/3 da Câmara de se instalar o processo, foi-se além dos limites de interpretação sistemática ou finalística, para em criatividade livre contrariar a clareza dos textos constitucionais e legais.

O artigo 51 da Constituição diz competir privativamente à Câmara dos Deputados autorizar, por 2/3 de seus membros, a instauração de processo contra o presidente.

E no artigo 86 edita-se: admitida a acusação contra o presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

Nesse artigo86 há determinação precisa: admitida a acusação pela Câmara dos Deputados será o presidente submetido a julgamento. Assim, é cogente a Constituição ao dizer “será submetido a julgamento”, conforme, aliás, é disciplinado também no Regimento Interno do Senado(artigos 377 a 381).

Nada se prevê quanto à apreciação para se instaurar o processo no Senado, pois já foi admitida a acusação pela Câmara, em decisão similar à sentença de pronúncia nos casos de júri. Requer-se apenas a formulação de libelo por comissão processante, que intimará o presidente. Ao plenário cabe somente a decisão final, absolvendo ou condenando.

O Senado, admitida a acusação em votação qualificada de 2/3 dos deputados, não pode, pela via expressa de apreciação não prevista no Regimento do Senado (artigo 380), por maioria simples, arquivar o processo. Como confiar no Supremo diante de construtivismo constitucional dessa grandeza?

Aristides Lobo, político e jornalista, em 1889 escreveu que o povo bestificado assistiu atônito à proclamação da República. Agora o povo bestificado assiste atônito à destruição da República. O ano novo começa velho.
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Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

Jorge Bastos Moreno: Começa o primeiro governo do PT

- O Globo

Ano será do governo do PT pela desagregação do PMDB. 2015 engoliu o mandato da Dilma e o reduziu a três anos, que começaram ontem. Serão 36 meses para o governo correr atrás do prejuízo. Será o governo do PT, não mais da inútil e ampla aliança que derrotou Dilma várias vezes no Congresso.

E o governo seguirá essa carreira solo, não por opção, mas pela desagregação do PMDB.

O novo governo, que renasce muito dos ventos que sopraram recentes decisões do STF, das perspectivas de mudanças e saída de Cunha, conta com os apoios da maioria do PDT e PR, da íntegra do PCdoB e da metade das bancadas rachadas do PP e PSB e parte do PMDB.

É bem verdade que o governo Dilma já conheceu o céu e o inferno. Chegou a romper a barreira dos 370 votos e foi retirada do chão pela última reforma, quando tinha cento e poucos votos de apoio.

Sonha agora com o purgatório de 280 votos. Está certo. Política, já se dizia, é a arte do possível.

Novo PMDB
A nota anterior não tem nada de exagero: começou realmente o governo solo do PT. E os outros partidos da base? Serão meramente coadjuvantes e donos de lascas de poder, sem a menor influência nos rumos do governo.

Até o PMDB já reconhece essa nova realidade, tanto que passou a chamar de “dissidentes” agora os que eram governistas em 2015.

‘Inutilezas’
Sabe aquelas conversas que não rendem mais? Pois foi assim os quase 30 minutos de lero-lero entre Dilma e Temer, às vésperas de Natal.

Não adianta, o Temer é mesmo aquele amante à moda de que nos fala o Rei, do tipo que ainda manda flores, escreve carta e ainda chama de querida a primeira namorada.

Poupado
Não se falou de Eduardo Cunha nessa conversa.

Puxando tapete
Depois de fazê-lo líder por alguns dias do PMDB, Eduardo Cunha quer descartar agora o nome de Leonardo Quintão como candidato natural para enfrentar o governista Leonardo Picciani na eleição de fevereiro.

E lançar o de Newton Cardoso, a pretexto de unir a bancada mineira.

Quintão está indignado com o seu criador.

Força-tarefa
Da sua parte, o governo coloca a reeleição de Picciani como prioridade absoluta.
Tanto que, já comprometido até os fios do cabelo com Renan Calheiros para barrar o impeachment da Dilma no Congresso, o governo aumentou seu débito com o presidente do Senado no projeto Picciani.

Já não opera nem mais no vermelho do cheque especial, mas no buraco negro dessa conta.

Delapidando
Mas, se for apenas pelo discurso novo do Renan, o de que “temos que qualificar nossas relações com o Executivo”, o governo não tem muito o que temer.

Só que a prática tem sido outra. Durante 12 anos de governo do PT, Renan “qualificou” — e muito — sua relação com o Executivo, mantendo na presidência da Transpetro o seu preposto Sérgio Machado.

Machado comandou a primeira década do programa que pretendia construir 49 petroleiros a um custo estimado em R$ 11 bilhões.

Leite derramado
Desabafo ouvido na sala presidencial:

Se desde o início do segundo mandato, Dilma tivesse optado pelo trio Cardozão-Wagner-Berzoini e não por Pepe Vargas-Rosseto-Mercadante, as coisas teriam sido bem diferentes.

Decisão errada
O ministro da Saúde, Marcelo Castro, encerra 2015 como o “bola fora!” do ano, apesar do pouco tempo no cargo.

Pela nomeação do novo coordenador nacional da Saúde Mental, Valencius Wurch.

Wurch foi diretor da Casa de Saúde Dr. Eiras, maior manicômio privado da América Latina, fechado em 2014 por denúncias de maus tratos e violação dos Direitos Humanos.

Várias entidades ligadas à área de saúde mental e dos Direitos Humanos, e até mesmo parentes e vítimas de Wurch, já se manifestaram diretamente ao ministro, contrários a essa nomeação.

Wurch teria sido aluno de Castro na UFF.

Igor Gielow: Otimismo

- Folha de S. Paulo

Uma conhecida minha dos EUA, que trabalha numa consultoria de risco geopolítico e passou o fim do ano na Bahia, parece ter sido contaminada pelo otimismo inocente típico desses dias.

Antes do fim de 2015, me perguntou: o Congresso ter se tornado um polo rebelde ao longo do ano não aproximou o presidencialismo brasileiro do modelo norte-americano? Isso não seria, no fundo, bom?

O presidente dos EUA é a pessoa mais poderosa da Terra, mas tem as mãos amarradas por um sistema em que Câmara, Senado, Suprema Corte e 50 Estados que o impedem de fazer o que bem entender.

Escrevendo sobre o contínuo processo eleitoral americano, que desaguará no pleito presidencial deste ano, o dono de consultoria George Friedman lembra que a sucessão de primárias e "caucuses" serve a um propósito dos pais fundadores da nação: paralisar o governo ao máximo, para evitar voluntarismos.

Para bem e para mal, o Brasil é um pastiche diverso do bipartidarismo, ponderei. O "parlamentarismo branco" de 2015 foi uma novidade. Seria alvissareira se não tivesse parido pautas-bombas e bizarrices, antes de virar a briga de foice do impeachment, apimentada pela Lava Jato.

A acefalia do Executivo seria interessante se o país andasse sozinho, mas estamos longe disso. A julgar pelo artigo róseo publicado neste jornal na sexta (1º), Dilma segue em outra esfera (Pronatec? Solidez econômica? Reforma?), impressão reforçada pelo fim de ano errático: aumenta de forma populista o salário mínimo enquanto retira dinheiro de creches.

Com o vácuo em expansão, além das saídas constitucionais surgem sussurros parlamentaristas. A desgraça é que, com a qualidade do material humano e o modelo de nossa representação, fica difícil ver um desfecho otimista em qualquer caso.

Talvez o melhor seja capitular, tirar uma "selfie" na praia, pular ondas, dançar um tango argentino.

As pedaladas e a democracia – Editorial / O Estado de S. Paulo

Diante da evidência de que as pedaladas fiscais praticadas pela presidente Dilma Rousseff configuram crime de responsabilidade fiscal – o parecer unânime do Tribunal de Contas da União (TCU) não dá margens a qualquer tipo de dúvida quanto a isso –, vem surgindo uma tentativa canhestra de desqualificar o pedido de impeachment da presidente da República atualmente em análise pelo Congresso Nacional. Reconhece-se o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja, admite-se o crime, mas procura-se tratá-lo como algo menor, incapaz de servir de fundamento para o impeachment.

Ao tratar as pedaladas fiscais como mero pecadilho, essa enviesada argumentação quer fazer crer que a retirada da presidente eleita pelo povo com base no argumento de crime de responsabilidade fiscal seria um castigo desproporcional. Vende-se a ideia de que se trata de uma punição severa demais para um simples escorregão, e que o precedente acarretaria séria instabilidade para os futuros governantes. O impeachment, afirmam os defensores dessa tese, deveria ser usado apenas em casos “graves”, como o fechamento do Congresso pelo Exército por ordem presidencial.

Tal argumentação cai por terra, no entanto, quando se analisam os fatos e a lei. A presidente Dilma Rousseff não é acusada de um mero descuido na gestão fiscal. O fundamento jurídico para o impeachment é a prática voluntária e reiterada de atos que ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A defesa da presidente Dilma apresentada no TCU comprova sua plena consciência a respeito das pedaladas fiscais, fato esse corroborado por seus discursos. Ela não diz que não “pedalou”. Ela insiste em dizer, à revelia da lei, que podia e devia “pedalar”.

O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal está longe de ser um “crime menor”. Afinal, refere-se ao modo como os governantes devem gerir o dinheiro público. Dizer que as pedaladas fiscais não têm muita importância é o mesmo que defender uma gestão arbitrária dos recursos públicos, à revelia da lei. Além dos graves danos causados à economia do País – basta ver a atual recessão brasileira –, uma política fiscal irresponsável fere a democracia.

Aqui está um dos sofismas da frágil argumentação a favor da presidente Dilma Rousseff. O pedido de impeachment baseado juridicamente nas pedaladas fiscais seria uma tentativa de fazer prevalecer uma lei “burocrática” – a Lei de Responsabilidade Fiscal – sobre a vontade popular manifestada nas urnas em 2014. Ora, tal disjuntiva é absolutamente falsa.

As pedaladas fiscais significam uma gestão antidemocrática do dinheiro público – e aí reside a sua gravidade. O respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal não é um detalhe contábil. Trata-se da garantia de que a gestão do dinheiro público se submete ao crivo democrático.

E é contra isso que a presidente Dilma se rebela. Desejaria poder fazer o que bem entende com o dinheiro público. Isso não é nada democrático. Não basta que o governante não ponha dinheiro público em seu próprio bolso, é preciso gastá-lo respeitando a voz popular expressa na lei.

Também é pernicioso o argumento de que o impeachment com base nas pedaladas fiscais trará instabilidade ao sistema político. É o contrário. Será uma mensagem muito clara a todos os políticos de que o cargo público deve ser exercido de acordo com a lei.

A sociedade já deixou evidente que não quer uma estabilidade institucional de fachada, mantida à custa de esconder os ilícitos embaixo do tapete. A estabilidade alcançada por meio da impunidade é uma falsa estabilidade.

Não pode prosperar a tentativa de matizar os efeitos da lei com vistas a tolerar certo grau de ilicitude na vida pública. Isso é antidemocrático. Essa foi a grande lição para o Brasil quando – desproporcionalmente, diriam os defensores da Dilma – o presidente Fernando Collor sofreu o impeachment por causa de um Fiat Elba. Foi uma vitória da lei, foi uma vitória da democracia.

José Márcio Camargo: Uma ponte para o passado

• 'O Brasil entrou no túnel do tempo e caminha celeremente em direção à década de 80 do século passado'

- O Estado de S. Paulo

O Brasil entrou no túnel do tempo e caminha celeremente em direção à década de 80 do século passado. As similaridades são marcantes: déficits fiscais insustentáveis, endividamento público explosivo, inflação elevada e crescente, queda dos salários reais, governo sem sustentabilidade política, níveis elevados de impopularidade, incapacidade administrativa, política econômica desastrosa, prêmio de risco em alta, desvalorização cambial, pessimismo generalizado, etc. No cenário atual ainda não temos uma crise de financiamento externo (até quando?), mas a recessão é mais longa e mais profunda, com quedas do PIB próximas a 4%, em 2015 e em 2016, e elevadas e crescentes taxas de desemprego. E os sinais são de que estamos apenas no começo de um longo processo.

O ano de 2015 foi um retrocesso. Ano novo, vida nova. Infelizmente, 2016 também já está perdido antes mesmo de começar. Teremos queda do PIB pelo segundo ano consecutivo, aumento do desemprego para níveis próximos a 13% da força de trabalho, desvalorização cambial e taxas de inflação próximas a 10%. E não existe expectativa de reversão dessa trajetória.

A origem do desastre foi a pretensão de um grupo de políticos e economistas, liderados pela presidente da República, de que seria possível gerar crescimento econômico, supostamente com menos desigualdade, por meio do aumento dos gastos e do endividamento públicos, da utilização de crédito dos bancos públicos para aumentar o consumo e prover crédito subsidiado para as empresas, do controle de preços administrados, como energia elétrica, combustíveis, transporte coletivo, etc. Ou seja, bastaria uma intervenção “correta e bem-intencionada” do governo para que o País conseguisse gerar mais riqueza, mais crescimento e mais igualdade.

Como essa pressuposição está totalmente equivocada, o resultado foi o oposto do esperado: menos crescimento, mais desemprego, mais desigualdade. Crescimento exige sacrifício do consumo presente, aumento da poupança e transformação desta poupança em investimento, tanto em capital físico quanto em capital humano (educação) e, portanto, ganhos de produtividade. Mais igualdade exige uma distribuição mais igualitária da qualidade da educação pública e sacrifício de consumo presente para se dedicar ao investimento em educação. O papel do governo é oferecer educação pública de qualidade em todos os níveis e acessível a todos os estratos da população. Algo que o governo brasileiro está longe de fazer.

Se efetivamente fosse possível aumentar a riqueza das nações e reduzir a desigualdade apenas com mais gasto público, aumento do crédito, do consumo e controle de preços, pobreza e desigualdade somente existiriam em países cujos governantes não têm nenhuma preocupação com o bem-estar de seu povo. Ainda que algumas pessoas possam acreditar nisso e, aparentemente, nossos atuais governantes assim pensam, os resultados obtidos pela política econômica adotada no Brasil nos últimos seis anos mostram que, ao contrário, ativismo e excessivo endividamento do governo são a receita perfeita para o desastre.

Apesar de em discurso recente a presidente ter declarado que “o governo federal está lutando para reconstruir o País” (destruído por 13 anos de governo petista?), ao nomear Nelson Barbosa ministro da Fazenda, “premiou” o principal formulador da estratégia equivocada descrita acima, um sinal claro de que o governo não aprendeu com o desastre. O ativismo estatal baseado no endividamento continuará sendo sua característica, como, aliás, podemos depreender dos discursos recentes da presidente e do novo ministro. O desastre vai continuar e a “reconstrução” vai ficar para o próximo governo. Em lugar de construir uma ponte para o futuro, a decisão foi construir uma ponte para o passado. E, infelizmente, o passado significa mais inflação, mais recessão e desemprego. Apesar de tudo, feliz 2016!
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José Márcio Camargo é professor titular do departamento de economia da PUC/Rio

Sérgio C. Buarque: O ano começa velho

Revista Será? (PE)

O réveillon marca um momento especial do calendário utilizado para recriar esperanças e deixar pra trás as mazelas do ano que termina. Mas tem anos que insistem em continuar perturbando a vida dos brasileiros. 2015 parece ser um ano que não quer acabar. Todos os problemas que o Brasil viveu no ano que termina devem perdurar e talvez mesmo se ampliar ao longo do novo ano. As mesmas incertezas que tornaram 2015 tão inquietantes vão continuar assustando os agentes econômicos e a sociedade brasileira em 2016. Pior, algumas das eventuais certezas em relação aos próximos 12 meses são no mínimo inquietantes. Infelizmente já sabemos que a recessão econômica continuará com queda do PIB em torno de 3%, aumentando o desemprego. As pressões inflacionárias também persistem, corroendo o poder de compra dos brasileiros. E as finanças públicas vão continuar apertadas com dívida pública crescendo. Tudo indica também que a polarização política deve se acentuar ao longo do ano, tanto mais intensamente quanto maior o confronto em torno do impeachment da Presidente da República.

Para não cairmos na depressão, digamos que duas quase certezas vão alegrar os brasileiros neste ano de 2016, embora com provável aumento da desmoralização das instituições políticas e da instabilidade: Eduardo Cunha não descansa a quarta-feira de cinzas na presidência da Câmara de Deputados; e devem se ampliar as prisões de políticos, alcançando algumas importantes lideranças políticas do Brasil.

Estas quase certezas já são suficientes para tornar 2016 uma lamentável continuação de 2015, ou mesmo, como alertam os pessimistas, deixar os brasileiros com saudades do ano que se foi e que insiste em continuar degradando a economia e a política no Brasil. Duas grandes incertezas, contudo, podem moderar um pouco, mas também agravar muito a crise econômica e ausência de governabilidade do Brasil em 2016: processo de impeachment aberto no final de 2015 e que deve passar, neste início de ano, por um rito complicado e demorado que alonga a agonia; e as medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo governo, inconsistentes com a matriz ideológica do governo e que, além do mais, dependem da aprovação pelo Congresso, ocupado com o processo de impeachment e mergulhado em denúncias e suspeitas.

Independente do resultado, o processo de impeachment vai deixar graves sequelas na política brasileira. Mesmo que não seja aprovado, dificilmente a Presidente Dilma Rousseff terá condições de governar e restaurar a governabilidade perdida pela enorme rejeição da sociedade. Dificuldade acentuada pelo que parece quase certo: crise econômica, desemprego, inflação e restrições fiscais. Por outro lado, aprovado o impeachment, o Brasil viverá uma intensa radicalização política com o PT, desmoralizado e jogado na oposição, ressurgindo e mobilizando ressentimento e destilando ódio que dificultará aprovação de qualquer ajuste fiscal ou reformas estruturais.

Difícil imaginar que, neste ambiente tenso, instável e cheio de desconfiança de lado a lado, o governo consiga realizar o ajuste fiscal. Na verdade, deve-se duvidar mesmo que a presidente Dilma Rousseff tenha a intenção de implementar medidas impopulares que desagradem a sua base social (corte de despesas e reforma da Previdência), pelo menos durante o processo de impeachment. A CUT, principal animador das recentes manifestações pró-Dilma, já ameaçou abandonar o governo. Resta ao governo contar com a duvidosa boa vontade do Congresso para aprovação das duas propostas menos impopulares mas igualmente complicadas: criação da CPMF, aumentando a carga tributária; e a ampliação da DRU-Desvinculação de Receitas da União para flexibilizar os gastos públicos. Embora necessárias, considerando a gravidade do estrangulamento fiscal, estas propostas vão enfrentar forte resistência no Congresso, na medida em que a sociedade não aceita mais imposto e ninguém pode confiar num governo que, irresponsável e arrogante, ignorou as normas e regras da lei de responsabilidade fiscal e nos levou a esta crise.

Mas, como dizem que toda crise é uma fonte de oportunidades, quem sabe neste ano de 2016 (que vai carregando 2015 nas costas) o Brasil possa encontrar alternativas não previsíveis e, desmentindo o articulista, abra caminho para um médio prazo promissor. Sim, porque o curto prazo parece perdido.
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Sérgio C. Buarque, economista

Míriam Leitão: Metas das empresas

- O Globo

Empresas adiam investimentos e recuperação para 2017. O ano de 2016 mal começou, mas as empresas já jogam para 2017 o início da recuperação na economia. Até lá, a meta é manter dinheiro em caixa e investir apenas o necessário, com foco na redução de custos. As projeções mostram que o clima de desconfiança continua forte. A discussão do impeachment aumentou a paralisia, o ajuste fiscal saiu da pauta, e ninguém sabe em que condições poderá ser retomado.

O presidente da General Electric (GE) do Brasil, Gilberto Peralta, conta que há setores da empresa indo bem, como o que fabrica turbinas de avião para exportação, o que produz motores para energia eólica, e o segmento de transporte ferroviário, por causa de um programa do governo de renovação da frota. Mas a queda do preço do petróleo e as investigações na Petrobras travaram o setor de óleo e gás. A alta do dólar e o déficit do governo afetaram o segmento que produz equipamentos para a saúde.

— Muita gente tinha uma visão de que a partir de julho de 2016 a economia já poderia ter uma recuperação. Agora, o mais provável é que isso não aconteça, somente em 2017. Essa é a má notícia, devemos ter um ano inteiro de baixa — disse.

A boa notícia, ressalta, é que apesar de toda a crise política as instituições do país estão funcionando como se espera. Há “solidez institucional”, nas palavras do executivo. A recessão está sendo forte e prolongada, mas, ao contrário de outros momentos, os economistas e os empresários têm noção do que precisa ser feito para retomar o crescimento.

— A gente avalia tudo com cuidado, mas ninguém pensa em deixar o país. O Brasil é o terceiro maior mercado da GE no mundo, a oitava maior economia. Hoje, todos sabem o que precisa ser feito. Em outros momentos, nem isso se sabia — afirmou.

A Fenabrave, que representa as concessionárias de veículos, calculou retração de 25% nas vendas de janeiro a novembro do ano passado, e espera uma nova queda este ano, em torno de 5%. Segundo Alarico Assumpção, presidente da entidade, o mercado automotivo só voltará ao nível de 2014 daqui a 2 a 4 anos. Quase 1.000 concessionárias já foram fechadas e 31 mil empregos foram perdidos.

— Em 50 anos de Fenabrave, nunca houve um ano no setor como o de 2015. A crise política agora parou tudo. O primeiro trimestre de 2016 já está perdido, somente a partir de abril será possível ter algum horizonte à frente — afirmou.

Com a disparada da inflação, o Banco Central tem dado sinais de que poderá elevar a Selic nas próximas reuniões do Copom. Segundo o economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários da FGV, a interpretação do mercado é que os juros podem subir cerca de 1,25 ponto. O aumento da expectativa de inflação está derrubando os juros reais e por isso o BC pode se ver obrigado a elevar novamente a Selic, para compensar. Com isso, aumenta o risco de uma recessão mais profunda. Alarico diz que os financiamentos para compra de veículos praticamente secaram:

— De cada 10 pedidos de financiamento de veículos, apenas três estão sendo aprovados. No caso de motocicletas, a média é 1,8, porque esse é um bem mais difícil de ser recuperado e requer uma cautela ainda maior por parte dos bancos.

Manoel Flores, superintendente executivo da Astra, empresa que fabrica materiais de construção, perdeu a confiança no governo para lidar com a crise, mesmo que o processo de impedimento da presidente não avance.

— Dilma não tem mais articulação política. Mesmo que consiga barrar o impeachment, as suas lideranças estão demolidas. Ainda está difícil dizer quando será o ponto de inflexão na economia para uma melhora — disse.

A empresa mantém recursos em caixa para financiar clientes e já viu a inadimplência subir de 5% para 10% da carteira de pedidos. O quadro de funcionários foi reduzido de 2.400 para 2.100:

— O segundo semestre de 2015 foi mais fraco do que o primeiro, tanto em volume de vendas quanto em receitas. O primeiro deste ano será ainda mais.

Os empresários fazem a constatação das dificuldades, esperam um ano duro, mas continuam achando que será possível a superação.

Vinicius de Moraes: A estrela polar

Eu vi a estrela polar
Chorando em cima do mar
Eu vi a estrela polar
Nas costas de Portugal!
Desde então não seja Vênus
A mais pura das estrelas
A estrela polar não brilha
Se humilha no firmamento
Parece uma criancinha
Enjeitada pelo frio
Estrelinha franciscana
Teresinha, mariana
Perdida no Pólo Norte
De toda a tristeza humana.