domingo, 20 de novembro de 2016

Opinião do dia – Fernando Gabeira

Seria uma longa reflexão, menos urgente do que pensar algumas ideias para sair desta maré. Maré brava que desafia a imaginação coletiva, mas que pode começar na cabeça do indivíduo, por mais precárias que sejam nossas ideias ou mais ingênuas que possam parecer. Considero um passo inicial ter os dados exatos sobre o impacto da corrupção nos últimos governos, sobretudo os que surfaram na onda do petróleo.

-------------------
Fernando Gabeira é jornalista. ‘Para sair desta maré’ , O Globo, 20/11/2016

Saída de ministro da Cultura abre nova crise no governo

• Calero fala em corrupção e acusa Geddel de pressão para liberar prédio em área histórica de Salvador

A demissão anteontem do ministro da Cultura Marcelo Calero abriu nova crise no Planalto. Um dos auxiliares mais próximos de Michel Temer, o ministro Geddel Vieira Lima (Governo) foi acusado por Calero de pressioná-lo para liberar construção de edifício residencial no centro histórico de Salvador, contrariando decisão do Iphan. “Não desejo pra ninguém estar diante de pressão política, diante de um caso claro de corrupção”, disse Calero ontem. Geddel admite ser dono de um apartamento no prédio, avaliado em R$ 3,3 milhões, mas nega ter usado influência para tentar viabilizar o projeto. A tendência é de que Temer não tome nenhuma medida no fim de semana. Nos bastidores, a avaliação é de que Calero fez acusações graves e precisará prová-las. Ele é o 5.º ministro a deixar o governo. Escolhido para substituí-lo, Roberto Freire promete respeitar a decisão do Iphan.

Saída de Calero abre nova crise no governo Temer

• Planalto. Após pedir demissão, ex-ministro da Cultura acusa titular da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, de pressionar por liberação de obra de seu interesse na BA

/Tânia Monteiro, Igor Gadelha e Lu Aiko Otta – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A saída do ministro da Cultura Marcelo Calero abriu nova crise no governo de Michel Temer. Um dos auxiliares mais próximos do presidente, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, se tornou o pivô de questionamentos éticos que colocam o Palácio do Planalto “nas cordas”, segundo interlocutores de Temer.

Novo ministro da Cultura diz que não se submeterá a pressões

Ranier Bragon, Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

Convidado por Michel Temer para a vaga de Marcelo Calero, o deputado Roberto Freire (PPS) afirmou à Folha na manhã deste sábado (19) que não se sente constrangido em assumir o cargo em meio a uma polêmica, mas disse ter por princípio não se submeter a pressões e obedecer sempre as decisões dos órgãos técnicos.

"Não tenho constrangimento nenhum. Não vou assumir por pressão de quem quer que seja, e nem vou me submeter a pressão. Até porque não acho que seja muito a prática do Temer, não me parece que Temer use da política para fazer pressão", disse Freire.

O futuro ministro disse que tomou conhecimento pela Folha da afirmação de Calero de que o ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) pressionou o antigo titular da Cultura para que interferisse em um empreendimento imobiliário na Bahia em que tinha interesse pessoal.

Temer muda 59 nomes pró-Dilma de Conselhão

• Presidente reúne amanhã pela primeira vez em seu mandato o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que terá perfil alinhado ao novo governo

Carla Araújo – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente Michel Temer vai reunir amanhã pela primeira vez o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o “Conselhão”, em seu mandato, com um novo perfil a fim de dissociar o colegiado formado por representantes da sociedade civil daquele das gestões da presidente cassada Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dos 96 nomes que integram o Conselhão de Temer, 59 são estreantes. Membros que se manifestaram contra o impeachment da petista foram excluídos da nova composição.

É o caso da atleta Ana Moser, do ator Wagner Moura, da presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, da presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvandia Leite, e do presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas. Todos declararam abertamente posição contrária ao impeachment e tacharam o processo de deposição de Dilma de “golpe”.

Ganham espaço agora representantes da sociedade que se alinham ao governo, como os presidentes da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf – um dos principais líderes pró-impeachment –, o presidente da Federação da Indústria do Estado do Rio de Janeiro (Fierj), Eduardo Eugênio Gouvea, e o ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto. O Conselhão contará agora também com as economistas Monica de Bolle e Zeina Latif.

Dentre as novidades se destacam também personalidades da área publicitária, como Nizan Guanaes e Roberto Justus. Guanaes terá espaço para discursar. Além dele, falarão também a empresária Luiza Helena Trajano, da rede Magazine Luiza, Abílio Diniz, da BRF, e a presidente da Latam Brasil, Claudia Sender. Os três já integravam o Conselhão na era Dilma.

Temer fará o discurso de abertura no evento, que terá ainda as falas dos ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Eliseu Padilha (Casa Civil). A reunião ocorre no momento em que a Lava Jato avança sobre o PMDB, partido do presidente, e em que há um embate entre o Legislativo e o Judiciário por questões como o projeto de Lei de Abuso de Autoridade, a possibilidade de anistia ao caixa 2 e a investigação sobre supersalários no Judiciário.

Ao lado de Serra, tucanos pedem Alckmin em 2018

Pedro Venceslau – O Estado de S. Paulo

Prefeitos e dirigentes do PSDB paulista usaram ato político realizado ontem, em um clube da capital, para defender a realização de prévias para escolher o candidato do PSDB à Presidência da República em 2018. Durante o evento, o nome do governador Geraldo Alckmin, que postula a vaga, foi exaltado. Em um discurso inflamado, o prefeito eleito da capital, João Doria, disse que o instituto das prévias “não divide o partido”.

“Vamos deflagrar a onda azul das prévias nacionais do PSDB. É assim que se faz democracia”, disse Doria. Em seguida, o prefeito eleito afirmou que pretende “digitar o voto em Alckmin” na eleição interna.

“Não é por arranjo, não é por acerto. É pelo voto que Alckmin será eleito presidente da República.” Também postulante à vaga de candidato ao Palácio do Planalto, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, estava na mesa principal do evento.

'Não vejo a Lava Jato com essa fragilidade', diz Aécio Neves

• Para senador, mudanças em debate no Congresso que atingem autoridades não deveriam ser vistas como afronta à operação

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - No momento em que Legislativo e Judiciário vivem momento de tensão por causa dos dispositivos usados pela Operação Lava Jato e do pacote de medidas anticorrupção, o senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB, defendeu em entrevista ao Estado os ajustes feitos pelo Congresso. A seguir, os trechos da conversa:

• O que pensa da ideia, debatida na Câmara, de anistiar quem praticou caixa 2? Isso pode prejudicar a Lava Jato?
Temos de desmistificar isso, que tem sido uma tendência nos últimos meses, de que todas as ações que ocorrem no Poder Legislativo e que dizem respeito ao Judiciário e ao Ministério Público têm como objetivo limitar a Lava Jato. Isso não é verdade. Não se pode considerar que uma discordância do Ministério Público sobre uma determinada medida por si só significa uma afronta ao Judiciário.

Desde o início eu achei que era um exagero aceitar prova ilícita obtida entre atos de boa-fé validando a determinado processo. Com isso, você dá margem a qualquer tipo de ação autoritária. Em relação especificamente ao caixa 2, eu defendo a criminalização. O equívoco lá atrás foi tentarem aprovar algo sem uma discussão mais ampla. Os casos passados vão acabar sendo diluídos pelos tribunais.

De 'acarajé' a 'oxigênio', dinheiro no petrolão tem lista extensa de apelidos

Gustavo Uribe, Bela Megale – Folha de S. Paulo

Acarajé, bacalhau, vinho, charuto, oxigênio e pixuleco. Não faltam nomes criados por envolvidos no esquema de corrupção investigado pela Lava Jato para se referir a dinheiro em espécie ou propina.

Na tentativa de não se incriminar em eventuais grampos telefônicos, detidos pela Polícia Federal se desdobraram em apelidos para camuflar atividades irregulares, aprimorando o glossário do crime.

Os verbetes reunidos em dois anos e oito meses, desde a deflagração da primeira fase da Lava Jato, variam de prato típico baiano até gíria que era utilizada pela malandragem carioca.

Duas novas alcunhas foram incorporadas na última quinta-feira (17), em operação que prendeu o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Segundo a Polícia Federal, secretários estaduais da gestão passada se referiam a dinheiro como "oxigênio" e "bacalhau".

Mensalão abriu caminho para Lava Jato, dizem estudiosos

Thais Bilenky – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Ao criar precedentes no combate à corrupção no país, o mensalão pavimentou o caminho para a Operação Lava Jato, apontam os cientistas políticos Carlos Pereira e Gregory Michener.

Em artigo publicado em revista da Universidade Cambridge, os autores sustentam que o escândalo que estourou em 2005 com a denúncia do então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) abalou a certeza da impunidade no país do "jeitinho".

"Os avanços legais do mensalão forçam os cidadãos brasileiros a questionar a presunção frequente de que investigações corrupção 'acabam em pizza', com ricos e poderosos sempre dando um 'jeitinho' de contornar a lei", concluem os autores.

Com a Lava Jato ainda em curso, já é possível observar na operação efeitos do julgamento do mensalão. A cooperação entre instituições como Ministério Público e Polícia Federal é um exemplo de amadurecimento, escreveram os professores da Fundação Getúlio Vargas do Rio.

"A coordenação entre entre investigação independente e instituições de repressão tende a ser o motivo do desmoronamento de tantos casos. Interferência política e dilemas nascidos em obstáculos coletivos impedem a justiça de ser feita", afirmam.

"A importância do mensalão reside, em parte, na coordenação bem-sucedida [entre órgãos], o que evidencia o aprendizado institucional."

Vaga de vice na Câmara esquenta disputa pela presidência

Daniel Carvalho – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Faltando mais de dois meses para a eleição para o comando da Câmara, deputados do PMDB já começaram a se movimentar de olho na vaga da primeira vice-presidência da Casa na chapa do atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tentará a reeleição em fevereiro.

O cargo é considerado importante no próximo biênio. Como o presidente Michel Temer não tem um vice, quando ele se ausenta do país quem assume a Presidência da República interinamente é o presidente da Câmara. Consequentemente, o primeiro vice-presidente assume o comando da Câmara.

Pelas regras de proporcionalidade, cabe ao PMDB, maior partido da Casa, a primeira vice-presidência. O partido ainda não declarou apoio à candidatura de Maia.

Peemedebistas defendem que a legenda não lance candidato próprio à presidência da Casa, pois já comandam o Planalto e o Senado. Em reservado, dizem que tentar a presidência da Câmara seria repetir o erro de Dilma que, em 2015, apoiou Arlindo Chinaglia (PT-SP), derrotado por Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Aécio Neves defende reeleição de Rodrigo Maia na Câmara

• Declaração do tucano foi a primeira manifestação pública sobre a posição da sigla

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou ao Estado que seu partido vai abrir mão de lançar um candidato à presidência da Câmara caso o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) obtenha aval jurídico para tentar renovar seu mandato. Essa foi a primeira manifestação pública do tucano sobre a posição da sigla.

Um parecer elaborado em julho pela assessoria jurídica da Casa, portanto ainda na gestão Eduardo Cunha (PMDB-RJ), informa que a Constituição e o Regimento Interno não permitem que presidente da Casa tente a reeleição na mesma legislatura.

Após a renúncia de Cunha, Maia foi eleito, com apoio decisivo do PSDB, para um mandato-tampão de presidente da Câmara. Na ocasião, foi selado um acordo pelo qual ele apoiaria o líder tucano, Antonio Imbassahy (BA) na disputa pela presidência da Casa em 2017.

“Desde que nós apoiamos a eleição do Rodrigo Maia, havia intenção de lançar candidato à sucessão, com apoio dele. Ele nos procurou para dizer que está examinando a possibilidade, em razão de pareceres que recebeu, de disputar a reeleição. Eu disse que ele não é nosso adversário”, afirmou Aécio.

PF investiga ‘banco paralelo’ de Cabral

• Transportadora é suspeita de guardar milhões obtidos com propina

Braço financeiro, livre do sistema de controle de atividades bancárias, era usado para arrecadar e distribuir dinheiro do grupo criminoso, segundo investigadores; cofre da empresa sofreu incêndio ainda não explicado

A Polícia Federal investiga a existência de um “banco paralelo” que movimentava o dinheiro do esquema que levou à prisão o ex-governador Sérgio Cabral e mais nove pessoas por desviarem R$ 224 milhões de contratos públicos, conta CHICO OTAVIO. Esse papel era desempenhado pela transportadora de valores Trans-Expert. O cofre da empresa sofreu um misterioso incêndio, ano passado, quando milhões de reais teriam virado pó. No escritório da Trans-Expert, a PF encontrou duas declarações de renda da mulher de Cabral, Adriana Ancelmo.

Propina com ‘banco paralelo

• Esquema liderado por ex-governador tinha estrutura para movimentar recursos, aponta operação

Chico Otavio - O Globo

Vencida a fase mais ostensiva da Operação Calicute, quando mais de 200 agentes da Polícia Federal saíram às ruas de quatro cidades, na quinta-feira, para prender os dez principais envolvidos no esquema de cobrança de propina supostamente comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral, os investigadores pretendem agora esmiuçar o braço financeiro do grupo. Eles estão convencidos de que Cabral e seus parceiros contavam com um “banco paralelo” para movimentar o dinheiro da corrupção. Esse papel era desempenhado pela transportadora Trans-Expert Vigilância e Transporte de Valores, que tinha um cofre no bairro de Santo Cristo, no Rio, usado para guardar e distribuir o dinheiro do grupo.

A descoberta do “banco paralelo”, livre do sistema público de controle das atividades bancárias, surpreendeu os agentes da Delegacia de Repressão à Corrupção e a Crimes Financeiros (Delecor), que até então desconheciam esse modelo de operação clandestina. Para desvendá-lo, a PF criou uma operação específica, a Farejador, que encontrou pelo menos três indícios que vinculam a transportadora a Cabral: um total de R$ 25 milhões em repasses da Trans-Expert para uma empresa ligada a Cabral; a apreensão de declarações de renda da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo na empresa; e uma possível guarda de dinheiro para o ex-secretário de Obras Hudson Braga, um dos nove presos ao lado de Cabral.

Depois do choque - Luiz Sérgio Henriques

- O Estado de S. Paulo

• A era Trump abre a possibilidade de se entenderem variadas forças e personalidades

Passada a primeira onda de choque, permanece impossível discutir política em qualquer canto do mundo sem mencionar o resultado eleitoral norte-americano, impensável há apenas alguns meses. Inútil qualquer consolo, como o de que a candidata democrata terminou à frente no voto popular: as idiossincrasias do sistema estavam dadas desde o começo e era com elas que se devia contar para eleger a contendora que prometia dar seguimento ao legado de Barack Obama e garantir um pouco mais de previsibilidade às coisas do mundo.

A “resistível ascensão” de Donald Trump só pode ser explicada por uma multiplicidade dos fatores. Se nos limitarmos à ideia, não de todo errada, de que ele conseguiu canalizar a raiva dos perdedores da globalização, não ultrapassaremos a fronteira da explicação da política pela economia. O mal-estar na globalização, que ora atinge o centro do sistema, tem dimensões valorativas e existenciais, remete à insegurança diante de uma economia-mundo que aparentemente se movimenta por si só, sem controles adequados ou suficientes.

Hannah Arendt, 110 anos - Celso Lafer

- O Estado de S. Paulo

• O tempo confirmou como são fecundas as trilhas abertas pela reflexão arendtiana

Decorridos 110 anos do nascimento de Hannah Arendt, existe generalizado consenso, nos mais diversificados quadrantes culturais, sobre a importância e o significado da sua reflexão para o entendimento e análise do mundo atual. Por isso se pode dizer que ela adquiriu o status de um clássico, cuja obra nunca termina de dizer aquilo que tem para dizer, para recorrer à formulação de Italo Calvino. Daí o número crescente de livros dedicados à sua obra que adensam anualmente, a partir de distintas perspectivas, a bibliografia arendtiana.

Em 1965, quando tive o privilégio de ser seu aluno na Universidade Cornell, não existia tal consenso. Ela era então personalidade intelectual conhecida, mas controvertida.

Seu grande livro de 1951, Origens do Totalitarismo, tornou-a figura pública de destaque intelectual. Nessa obra, identificou no totalitarismo um inédito regime político, voltado para a dominação total, distinto das conhecidas figuras do despotismo, da tirania e da ditadura. Destacou a sua especificidade, apontando que se caracteriza pela ubiquidade do medo, instrumentado na organização burocrática de massas e sustentado pelo emprego do terror e da ideologia. Apontou igualmente que a operação dos campos de concentração, direcionada para o indizível da descartabilidade do ser humano, inerente à dominação totalitária, não obedecia a critérios de utilidade econômica e política, escapando assim do âmbito da tradicional categoria da razão de Estado, na qual a relação entre meios e fins é inerente à justificação do não cumprimento de princípios éticos.

Mudar e mudar – Ferreira Gullar

-Folha de S. Paulo

Mudar é próprio da existência. Tanto muda a natureza como mudamos nós, a sociedade e a cultura; e, se há o que muda independentemente da nossa vontade, há o que mudamos nós, por nossa própria determinação.

Naturalmente, dentre essas mudanças por nós mesmos realizadas, há as que decorrem de determinantes que mal controlamos e as que resultam de nossa opção consciente.

Fui levado a refletir sobre esses fenômenos ao me deparar com os problemas que enfrentamos, sobretudo na época moderna em face da necessidade de mudar a sociedade em que vivemos, que se impôs a partir da revolução industrial e do desenvolvimento do regime capitalista.

Para sair desta maré – Fernando Gabeira

- O Globo

Estamos sós, o cenário é desolador, mas é preciso prosseguir. Quando é que o Peru se estrepou? Esta frase inicial de um romance de Vargas Llosa poderia ser usada no Rio. O verbo não é exatamente esse, como o usei na última crônica, vou guardar abstinência de uma semana. A pesquisa poderia englobar o momento da transferência da capital. Mas, se nos detemos apenas no período de redemocratização, vemos que o estado viveu apenas o populismo de esquerda e, depois, a longa dominação do PMDB.

Seria uma longa reflexão, menos urgente do que pensar algumas ideias para sair desta maré. Maré brava que desafia a imaginação coletiva, mas que pode começar na cabeça do indivíduo, por mais precárias que sejam nossas ideias ou mais ingênuas que possam parecer. Considero um passo inicial ter os dados exatos sobre o impacto da corrupção nos últimos governos, sobretudo os que surfaram na onda do petróleo. Essa necessidade me pareceu mais necessária ainda quando recebi o bilhete de um amigo lembrando que a missão da sonda Juno, que começou em 2011 e deve terminar em 2017, custou US$ 1,1 bilhão. A sonda viajou 2,3 bilhões de quilômetros e no momento está na órbita de Júpiter. Na mesma época, o Rio implantou a linha 4 do metrô, com 16 quilômetros de extensão e cinco estações. A linha custou US$ 3 bilhões, quase o triplo da Missão Juno.

O fim da solidão - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Pelo menos no plano das ideias, acabou-se a solidão. Hoje em dia, com a internet, é muito fácil encontrar quem pense como você, mesmo que suas ideias sejam para lá de estapafúrdias. Foi isso o que permitiu, por exemplo, que um bando de malucos que defende a instalação de uma ditadura militar no Brasil invadisse a Câmara dos Deputados na última quarta-feira para ali fazer um fuzuê.

De forma ainda mais dramática, é isso o que possibilita que alguns jovens desmiolados se alistem como soldados do Estado Islâmico e se prontifiquem a morrer pelo grupo. Aqui, a ideia em questão é tão extravagante que sobrepuja o próprio instinto de sobrevivência. Não é sempre que isso acontece, mas, num mundo em que praticamente a metade dos 7 bilhões de terráqueos usa a internet, é quase uma fatalidade estatística encontrar quem partilhe as mesmas doidices.

Questão de vida ou morte - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

• Em ‘Anatomia do Desastre’, Dilma diz que ‘despesa é vida’ e sai pedalando...

Se a classe média, a economia e o País foram ao paraíso nos anos Lula, como, quando, onde e por que o “Brasil grande” da era petista começou a dar errado até se esborrachar no inferno da recessão, inflação, juros, desemprego e impeachment de Dilma Rousseff? É a essas perguntas que “Anatomia do Desastre”, da editora Portfolio-Penguin, 264 pág., responde com uma clareza estarrecedora.

O momento crucial ocorre em 2005, terceiro ano do governo Lula, e tem como personagem chave a própria Dilma. O Brasil estava em êxtase, com o boom internacional das commodities, a continuidade da herança bendita de FHC, Lula como salvador da pátria, a sociedade vibrando. Condições perfeitas para o “choque de austeridade” que Delfim Netto, Antonio Palocci e Paulo Bernardo articulavam para sedimentar o futuro, baseado em déficit nominal zero por cinco a dez anos. Aliás, uma versão preliminar da atual PEC do teto dos gastos.

O rabo de foguete - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• A Cultura envolve grandes interesses privados e muita verba pública. Artistas não podem ser apenas a massa de manobra desses interesses

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, ao assumir o Ministério da Cultura, segurou um rabo de foguete maior do que a crise armada pelo pedido de demissão de Marcelo Calero, diplomata de carreira que comandava a pasta, após uma trombada com o secretário de Governo, ministro Geddel Vieira Lima. O episódio desnudou dois dos grandes conflitos que envolvem a gestão da pasta: o choque entre a cultura tradicional nordestina e a urbana contemporânea, envolvendo o eventual veto do presidente Michel Temer à nova lei que regulamenta a vaquejada, tema da versão inicial do Palácio do Planalto à saída de Calero; e a especulação imobiliária nas áreas de preservação do patrimônio histórico e arquitetônico nacional, cujo estopim foi o escandaloso lobby de Geddel, em Salvador, para liberar a construção de um prédio acima do gabarito, no qual comprou um apartamento, verdadeira razão do pedido de demissão.

O rombo e a propina - Míriam Leitão

- O Globo

Custo da corrupção é muito maior do que o valor desviado. Nos cofres públicos do Rio estão faltando R$ 17 bilhões para que haja equilíbrio. O esquema de corrupção revelado pela Operação Calicute fala em R$ 224 milhões desviados. A ordem de grandeza é diferente e pode-se pensar que é exagerada a afirmação de que há relação entre o rombo e a propina. O elo existe porque o ambiente de corrupção leva à má gestão e exaure os recursos públicos.

Os milhões da corrupção produzem os bilhões dos desequilíbrios fiscais porque toda a administração passa a girar em torno da lógica do crime. Para que o esquema funcione, é preciso retirar transparência, não prestar contas, tornar todos os números opacos. As decisões passam a ser determinadas pela corrupção.

Qual empreendimento deve ser beneficiado com redução de impostos? Deveria ser o que mais empregos cria, mais aderência tem às vantagens competitivas do estado, mais retorno trará no futuro. Mas acaba sendo aquele que aceita pagar propina. O resto não é levado em consideração porque o importante é se enquadrar na lógica do suborno que passa a dominar a gestão. As empresas que farão as obras não são escolhidas pela eficiência ou pelo melhor custo/ benefício do projeto, mas porque são as que já combinaram tudo previamente e fazem parte do cartel. Em cada obra começa a haver sobrepreço e isso se espalha pelos fornecedores dos fornecedores. O custo vai inchando no ritmo da ganância de todos.

Sinopse da ópera (bufa) - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

• Síntese do Brasil, o Rio retrata mazelas nacionais que o Congresso quer preservar

Um Estado que em seis anos aumenta em 70% o contingente de funcionários para, adiante, não ter como lhes pagar os salários gasta por causa de arrecadação presumida, com sucessivos governos levando um baile da bandidagem com a qual políticos trocam relações amistosas por votos nos territórios dominados, onde policial de alta patente confessa a seus pares que tem medo de chegar à noite ao Aeroporto Tom Jobim e enfrentar o trajeto pela Linha Vermelha por causa dos tiroteios, francamente o Rio não poderia estar em situação diferente.

Tido como síntese do Brasil, sede da cidade (realmente) maravilhosa, o Rio é um retrato dos males que acometem o País desde Cabral (com trocadilho): corrupção a rodo, inépcia administrativa, irresponsabilidade nos gastos, insegurança pública, carência de espírito público e excesso de ganância privada. Nem todos os Estados reúnem todas essas características, mas raro (inexistente?) aquele onde não esteja presente ao menos uma delas. Se houver é a famosa exceção que confirma a regra liderada pela administração federal como vem revelando a tardia, porém bendita, aliança entre Polícia Federal, Ministério Público e Poder Judiciário.

A sindrome de Barry/ Romanov pegou Cabral – Elio Gaspari

- O Globo

Desde o início da Lava Jato, o andar de cima de Pindorama padece de uma síndrome que pode ser chamada de "Du Barry/Romanov", em homenagem à Condessa Du Barry (1743-1793) e do grão-duque Mikhail Romanov (1878-1918). Ela ataca pessoas que diante de uma encrenca bíblica pensam que "comigo-ninguém-pode" e decidem desafiar a sorte. Foi o que aconteceu com Marcelo Odebrecht. Mesmo na cadeia, desafiou o Ministério Público. Noutro exemplo, Eduardo Cunha achou que compraria uma passagem para a impunidade ajudando a empossar Michel Temer. Sérgio Cabral duvidou que a Federal fosse ao seu apartamento e está em Bangu. Há mais gente na fila.

Madame Du Barry era uma mulher bonita, rica e poderosa como namorada de Luís 15. Em 1789, quando a patuleia de Paris revoltou-se, ela fugiu para Londres. Lá, teve a ideia de voltar para a França. Passaram-na na lâmina em 1793. Voltou porque achava que dava. Mais de um século depois, em 1917, o czar Nicolau 2º abdicou, entregando a coroa ao seu irmão Mikhail Romanov. O grão-duque esquivou-se. Mandou a família para o exterior, mas ficou na Rússia. Achou que dava. Em 1918 ele foi tirado de casa, levado para uma floresta e passado nas armas. Seu corpo nunca foi encontrado. (Depois de Mikhail os bolcheviques mataram o czar, sua mulher, cinco filhos e outros quatro grão-duques.)

Olga, irmã de Nicolau e Mikhail, fugiu em 1920 com duas crianças pequenas, comendo o pão que Asmodeu amassou. Morreu no Canadá em 1958, aos 78 anos. Viveu modestamente ao lado do marido, um oficial por quem se apaixonara, levando-a a abandonar um marido gay.

O Rio de Janeiro continua indo - Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

A descoberta do pré-sal produziu mais ladrões do que barris de petróleo.

É uma frase de efeito. Não temos como saber quantos eram os assaltantes do Estado em 2008. Mesmo agora, em 2016, ainda estamos contando apenas alguns dos principais.

Sabe-se que o pré-sal não fez com que se produzisse muito mais petróleo. De 2008 até 2015, a extração de petróleo no Brasil aumentou 34%. De 2001 a 2008, outros sete anos, aumentara 41%. Foi em 2008 que se extraiu o primeiro óleo do pré-sal.

É uma estatística de efeito. Mais importante foi o fato de a maldição do petróleo ter caído imediatamente sobre o Brasil mal se havia perfurado o fundo do mar, como se já tivéssemos decorado o script da desgraça de tanto país petrolífero, história velha na economia política de recursos naturais.

Esquerdas e corrupção - Celso Ming

- O Estado de S. Paulo

• Movimentos que se dizem de esquerda e, portanto, pretendem que sejam identificados com os interesses do povo, estão miseravelmente omissos e silenciosos

No Congresso está em curso ladina e persistente operação abafa destinada a aprovar leis que livrem a cara dos políticos corruptos.

Não é à toa que essa iniciativa parta de campeões nacionais do caixa 2 e de propinas de todo tipo. No entanto, os movimentos que se dizem de esquerda e, portanto, pretendem que sejam identificados com os interesses do povo, estão miseravelmente omissos e silenciosos ou, talvez, até mesmo engajados nesse projeto, como se a luta contra a corrupção não fosse aspiração popular nem bandeira das esquerdas.

O PT, por exemplo, que nasceu comprometido com a ética na política, não sabe de que lado está e se afunda em contradições. Em agosto, quando se defendia contra o impeachment, a presidente Dilma garantia que “é fundamental a continuidade da luta contra a corrupção”. É o que está registrado, preto no branco, na Mensagem ao Senado Federal e ao Povo Brasileiro. Mas foi a própria Dilma que, em junho de 2015, afirmou que “não respeita delator”, querendo com isso desclassificar investigações da Justiça. Convém relembrar que foi a caneta da presidente Dilma que sancionou a lei que criou o estatuto da delação premiada que, afinal, se tornou um dos principais instrumentos que desvendaram a enorme rede de corrupção no País.

Guernica – Murilo Mendes

Subsiste, Guernica, o exemplo macho,
Subsiste para sempre a honra castiça,
A jovem e antiga tradição do carvalho
Que descerra o pálio de diamante.

A força do teu coração desencadeado
Contactou os subterrâneos de Espanha.
E o mundo da lucidez a recebeu:
O ar voa incorporando-se teu nome