quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

140 caracteres - Monica De Bolle*

- O Estado de S. Paulo

• Argumento de Trump sobre o Chevy Cruze mexicano é simples e errado

Feliz ano novo. Bem-vindos ao ano que inaugura a era da política econômica e da política externa em 140 caracteres. Bem-vindos ao ano das mordidas sonoras de Donald Trump – os soundbites clamorosos e minimalistas, impactantes e possivelmente perigosos. Bem-vindos ao mundo em que as palavras que mexerão com os mercados, com as ações de empresas, com as moedas emergentes, com a incerteza e a aversão ao risco, serão aquelas veiculadas pelo twitter. O twitter presidencial estará para a política externa e para a política econômica como está o miniconto para a literatura: em pouquíssimas palavras, mais importante do que mostrar é sugerir, deixar que o leitor preencha as lacunas. O problema é que o leitor será o investidor sujeito a surtos de ciclotimia, ou líderes mundiais de duvidoso equilíbrio mental, como Kim Jong-Un, da Coreia do Norte.

O ano de 2017 começou com duas provocações de Donald Trump: a primeira dirigida à instável Coreia do Norte, a segunda à China. Na primeira, escreveu o presidente eleito:

“A Coreia do Norte declarou que está nos estágios finais do desenvolvimento de arma nuclear capaz de alcançar partes dos EUA. Não acontecerá!”. Na segunda, disse ele: “A China está tirando volumes maciços de dinheiro e riqueza dos EUA em transações comerciais totalmente unilaterais, mas não quer ajudar com a Coreia do Norte. Legal!”. Em punhado de caracteres, Donald Trump provocou Kim-Jong-Un e hostilizou a China, o único país com real capacidade de auxiliar os EUA, o Japão e a Coreia do Sul na tarefa de conter o ímpeto desequilibrado do líder norte-coreano. A era da anti-diplomacia de impacto midiático foi inaugurada. Apertem os cintos, pois os especialistas nada sabem do que dela esperar.

Aí está, também, a era da oscilação dos mercados e das ações das empresas movida por 140 caracteres. Até agora, Trump disparou sua metralhadora minimalista em quatro das maiores empresas dos EUA: a Carrier, a Boeing, a Lockheed Martin, e, agora, a General Motors. “A General Motors está enviando o modelo mexicano do Chevy Cruze para as concessionárias americanas sem pagar imposto. Produza nos EUA ou pague grande imposto de fronteira!”, berrou no twitter. A última investida de Trump contra o livre-arbítrio de uma empresa, ou a mais recente tentativa de interferir pontualmente no funcionamento do mercado, vem da constatação de que os EUA são um dos poucos países no mundo que não têm imposto sobre o valor adicionado – o chamado VAT. Ajustes de fronteira para países que adotam o VAT foram aceitos pelo GATT em 1979, e subsequentemente pela OMC – trata-se de prática comum.

O argumento de Trump não apenas sobre o Chevy Cruze, mas sobre outros produtos americanos, é simples e errado. No caso do México, o VAT de 16% sobre as exportações mexicanas para os EUA é abatido, embora seja aplicado aos produtos americanos que entram no México. Na visão de Trump, isso equivale a uma tarifa de 16% que torna as exportações americanas mais caras, ou um subsídio de 16% que promove os produtos mexicanos. A lógica vale para todos os países que têm sistemas tributários que incluem o VAT. A literatura acadêmica e empírica sobre o tema, entretanto, mostra que esses ajustes de fronteira não têm qualquer impacto sobre o desempenho do comércio entre países – um estudo revela que, nos últimos 50 anos, numa amostra de 168 países, não há qualquer relação entre o VAT, os ajustes de fronteira e o desempenho das exportações.

Mas, no mundo de 140 caracteres, a complexidade da política econômica e da política externa cede facilmente à tentação da intuição equivocada. Sai de cena o romance, com suas nuances, enredamentos, texturas e multiplicidades. Surge glorioso o miniconto, que deixa apenas a sugestão de uma trama, sem abordar complexidades, nuances, texturas, multiplicidades. Tudo fica subentendido em pequenos contextos que dependem apenas da interpretação do leitor – tenha ele imaginação ou não, seja ele capaz de apreender as complicações ocultas ou não.

Um dos minicontos mais famosos é da autoria de Ernest Hemingway. Vende-se um par de sapatos de bebê. Nunca usados. Trump não é nenhum Hemingway.
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*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

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