quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Era das taxas de juros muito baixas está perto do fim – Editorial | Valor Econômico

Os ventos da economia global estão mudando e sopram em direção a um período de maior crescimento, maior inflação e taxas de juros crescentes. Essa tendência, reforçada pelas estatísticas de produção industrial e emprego das maiores economias do mundo em janeiro, precede as intenções do presidente americano Donald Trump de reforçar a economia dos EUA com uma dose forte de cortes de impostos e gastos em infraestrutura. A ações de Trump, porém, serão determinantes para confirmar ou evitar o grande risco: o de que a mudança de perspectivas de inflação e juros ocorra abruptamente e de forma desordenada.

Com a ascensão de Trump, o Brexit e o avanço do nacionalismo xenófobo na Europa, os riscos políticos estão em alta. Mas, depois de quase uma década de políticas monetárias ultra-expansionistas, a recuperação dos EUA, em primeiro lugar, e, agora da zona do euro, se firmaram. Pelos dados do PIB, a União Europeia está crescendo a um ritmo até superior ao dos EUA - 1,7% e 1,6%, respectivamente, no último trimestre de 2016 -, embora a economia americana exiba melhor forma há mais tempo do que a europeia, que ainda convalesce com baixa demanda e bancos problemáticos.

A expansão europeia ganhou impulso nesse início do ano e os dados do Markit mostraram que a indústria da zona do euro teve no mês passado seu crescimento mais forte dos últimos seis anos. A criação de empregos no mês foi a mais intensa desde 2014, com ambos números apresentando vigor na França, Alemanha e Espanha. Depois de anos sob ameaça deflacionária, a inflação do bloco monetário chegou a 1,8% em janeiro, a maior em 4 anos. O aumento de mais de 8% no custo da energia explica a elevação, enquanto que o núcleo do índice, que expurga itens voláteis, subiu para 0,9%, ainda abaixo da meta de perto de 2%, mas com viés de alta.

O que era uma perspectiva distante, - a do início do fim do relaxamento monetário na zona do euro - pode ter sido antecipada. Com isso, o Banco Central Europeu pode começar a reduzir os estímulos monetários a curto prazo. O Bundesbank, às voltas com uma alta de preços de 1,8%, voltou a insistir nessa tecla junto ao BCE nos últimos dias, embora sempre tenha sido um crítico duro de políticas monetárias heterodoxas.

A dualidade de políticas monetárias dos dois lados do Atlântico, com normalização nos EUA e frouxidão na Europa, tende a se tornar menos intensa, se o Federal Reserve não for forçado a acelerar as altas de juros. Dados de folhas de pagamentos da ADP apontaram criação de 246 mil empregos em janeiro, bem acima das expectativas, enquanto que a produção industrial mostrou seu maior avanço em dois anos, sendo acompanhada por um aumento dos preços ao produtor que não se via desde 2011. Os salários começaram a reagir com a baixa taxa de desemprego (4,7%) e a inflação cheia, pelo índice de gastos de consumo pessoal, acusou 1,7%, com seu núcleo em 1,6%, ainda abaixo, mas já nem tanto, da meta de 2% do Fed.

Em sua reunião de ontem, como era esperado, o Fed manteve as taxas de juros e não moveu um milímetro suas expectativas em seu comunicado. O banco, porém, como indicou no início do mês Janet Yellen, presidente, não quer ser surpreendido por um aumento inflacionário mais rápido que o previsto. Ele é esperado se Trump apresentar e aprovar no Congresso seu plano de redução de impostos e aumento de gastos. Como isso ainda não ocorreu, o Fed mantém-se na expectativa.

As duas maiores economias da Ásia também apresentaram bom desempenho em janeiro. A produção industrial japonesa teve a maior alta em três anos, enquanto que a da China mostrou avanço pelo sexto mês consecutivo. Os temores de uma freada significativa na economia chinesa se desvaneceram. O país cresceu 6,7% em 2016, graças a um novo programa de estímulos, empurrando para frente os desequilíbrios, como o excesso de produção em vários segmentos da indústria e elevado endividamento.

A médio prazo, a elevação dos juros nos EUA e Europa encarecerão o custo dos empréstimos para o Brasil, mas não de forma dramática, se o ciclo de alta for gradual e previsível. Depois que Trump chegou à Casa Branca, entretanto, nada está assegurado, na melhor das hipóteses. Na pior, como se vislumbrou em seus primeiros dias de governo, o caos está a caminho.

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