segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Inflação baixa pede um novo discurso ao governo - Angela Bittencourt

- Valor Econômico

• Votação da reforma da Previdência muda humor do mercado

No governo brasileiro só há um integrante capaz de fazer sombra à ampla exposição pública do ministro da Fazenda Henrique Meirelles: o presidente da República Michel Temer. Ex-deputado de seis mandatos, Temer tem inegável talento para o discurso.

Em 40 dias deste 2017, o ministro da Fazenda dirigiu-se ao público 18 vezes. Foram 13 entrevistas concedidas coletivamente em eventos ou com exclusividade para veículos de comunicação, vídeos, notas. Também em 40 dias do novo ano, o presidente Temer manifestou-se 17 vezes. Foram 11 discursos, quatro entrevistas, registro no twitter, nota.

Temer discorreu sobre construção de presídios, queda de juro, crescimento econômico, desemprego, Copom, dívida dos Estados, FGTS, responsabilidade social, Forças Armadas. Não exatamente nessa ordem. A mesma resistência ou cautela demonstrada pelo presidente durante as rebeliões nos presídios, logo no início do ano, foi reprisada nos últimos dias de agravamento da crise no estado capixaba devido à paralisação de policiais.

Apenas na última sexta-feira, em nota, o presidente atacou a "paralisação ilegal" da Polícia Militar no Espírito Santo e garantiu homens para restabelecer a ordem.

Dominaram as falas de Meirelles três temas, dois deles tratados com dupla abordagem, uma característica do ministro que também lhe garante ibope: o acordo com o Estado do Rio de Janeiro que migrou de refinanciamento de dívida para recuperação fiscal, inflação e retomada do crescimento que progrediu para perspectivas de crescimento em 2017 e revisão de projeções oficiais que saem em março.

Essas informações vêm de um levantamento feito pela coluna na semana passada com base no noticiário do Valor PRO, serviço de notícias em tempo real que também antecipa todas as noites as informações mais importantes que serão publicadas no Valor Econômico, na manhã seguinte. O levantamento tem caráter informal e despretensioso. Não incluiu declarações do presidente da República feitas pelo porta-voz Alexandre Parola. Incluídas, Temer se expôs mais que Meirelles em 2017. Faz sentido.

A pesquisa foi feita com dois objetivos: identificar a frequência do ministro da Fazenda e do presidente da República no noticiário e observar o quanto o governo __ representado por ambos __ está preparado para falar ao Brasil de uma nova agenda. A conclusão é que falta discurso ou compreensão de um país transcende as tecnicalidades dos mercados ou às apurações da Lava-Jato.

Há um Brasil grande, ávido pelo resgate das contas inativas do FGTS autorizado pelo presidente Michel Temer, mas desconfiado de que esses recursos não evitarão romarias diárias atrás de emprego. O analista Adriano Pitoli, da Tendências Consultoria, informou à Camilla Veras Mota, do Valor, que a recessão de 2015 e 2016 empurrou 4,3 milhões de famílias para as Classes D e E num retrocesso de quatro anos no ciclo de mobilidade social que começou em 2003, quando a base da pirâmide representava 70,2% do total de domicílios do país. A melhor proporção, 51,4%, foi observada em 2014. No fim do ano passado estava em 56,5%.

É certo que a queda consistente e duradoura da inflação permitirá aos brasileiros construir novas agendas que poderão se somar ou se contrapor a outras desprezadas ou camufladas até explosões por saturação. É o caso da crise no sistema prisional no Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte no mês passado e a crise da Polícia Militar, um tormento para os cidadãos do Espírito Santo há mais de uma semana e, do Rio de Janeiro, desde quinta-feira.

Convidado para colocar a economia nos eixos antes mesmo de Michel Temer assumir provisoriamente a Presidência da República __ enquanto Dilma Rousseff preparava sua defesa no processo de impeachment __ Henrique Meirelles ministro entoou desde o início um discurso com futuro.

Experiente e conhecedor do seu mérito por ter chefiado um Banco Central que ajudou a derrubar a inflação no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Meirelles ministro não teve dúvida de que também era hora, no pós-Dilma, de combater a inflação a caminho dos dois dígitos com retórica. Meirelles evitou crítica aberta à equipe anterior, mas fez do rombo gigantesco das contas públicas suas palavras.

Com intenção ou sem nenhuma, o que é improvável, o ministro da Fazenda adentrou no ano novo focado no crescimento econômico, seguramente o maior desejo de brasileiros de todos os credos hoje. Esse discurso não é garantia decisões corretas ou rápidas, mas atende aos anseios da sociedade.

Aprovada a proposta de emenda constitucional que estabeleceu um limite para as despesas do governo - à inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior - a garantia de que a proposta de reforma da Previdência teria tramitação rápida no Congresso já trouxe alívio a investidores e a empresários. Sem essa segunda grande reforma, a definição do teto de gastos torna-se inviável e qualquer refresco para as contas públicas também. Logo, a perspectiva de crescimento econômico está prejudicada e a inflação mais baixa também.

O rombo nas contas públicas é o que faz do governo o principal tomador de recursos no mercado financeiro, pagando juros altíssimos para investidores garantirem o dinheiro. Juro em alta é combustível para a inflação. Um país sem reformas é veneno para os investimentos.

Sem investimentos, a oferta de dólares ao Brasil ficará comprometida. Dólar mais escasso funciona como qualquer outro produto que, ao faltar na prateleira do supermercado, custa mais caro. Dólar mais caro é inflação na parada.

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