sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

PF acha indícios de propinas para Pezão

PF, o novo calo de Pezão

• Investigação aponta indícios de pagamento de propinas ao governador

Juliana Castro | O Globo

Com dificuldades para resolver os problemas financeiros do estado e sendo alvo de diversos protestos de servidores, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), que teve o mandato cassado na quarta-feira pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), viu ontem seu inferno astral ganhar força com o surgimento de mais um problema. A Polícia Federal apontou, em um relatório enviado à 7ª Vara Federal Criminal do Rio, indícios de que ele recebeu propina do esquema que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), era comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). Seu nome consta em anotações manuscritas encontradas durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão na casa de Luiz Carlos Bezerra, apontado como um dos operadores de Cabral e preso durante a chamada Operação Calicute, deflagrada em novembro do ano passado. Pezão disse que está à disposição da Justiça para prestar todos os esclarecimentos necessários.

No relatório, a PF sugere o envio das informações ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), já que Pezão tem foro privilegiado por ser governador. Cabe ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal Federal, remeter essa parte da investigação ao STJ. Ele já a encaminhou ao MPF, e a Polícia Federal se colocou à disposição para dar explicações. De acordo com o documento, Pezão estaria ligado a repasses nos valores de R$ 140 mil e R$ 50 mil.

“Apesar de ainda não terminada a análise do material (outras pessoas recebedoras de valores estão sendo identificadas), é certo que foi identificado como recebedor de valores o Sr. Luiz Fernando Pezão, governador do Estado do Rio de Janeiro (ainda que neste momento haja decisão do TRE pelo seu afastamento) sendo necessário que, salvo melhor juízo, Vossa Excelência, após parecer ministerial, possa submeter tais itens ao foro competente (STJ) para proceder a investigação em face do mesmo”, afirmou o delegado Antonio Carlos Beaubrun ao se dirigir a Bretas, juiz responsável por julgar os casos relativos à Lava-Jato no Rio.

Em nota, o governador disse que continua à disposição da Justiça para prestar todos os esclarecimentos a respeito das investigações. Pezão ressaltou que suas contas “já foram analisadas em processos anteriores da Polícia Federal, e estes foram arquivados”. O governador se refere a um pedido de arquivamento feito pela PF do inquérito que ele e Cabral respondem no STJ no âmbito da Operação Lava-Jato. Os policiais não conseguiram confirmar a suspeita de que Pezão e Cabral teriam recebido dinheiro do esquema de corrupção na Petrobras. Mesmo com o pedido da PF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu mais diligências, e o inquérito permanece aberto no STJ.

Primeiro delator da Operação Lava-Jato, o exdiretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou em depoimento que arrecadou R$ 30 milhões em recursos desviados da estatal para caixa dois da campanha do PMDB ao governo do Rio em 2010.

REFERÊNCIAS EM SEIS BILHETES
As anotações encontradas na casa de Bezerra são, de acordo com a PF, relativas à distribuição de valores oriundos de propinas recebidas por Cabral. Cinco delas fazem referência a pagamentos de R$ 140 mil, e uma sexta, a um de R$ 50 mil.

Na primeira delas, a PF fala sobre uma “possível referência à propina de R$ 140 mil paga a Pezão no dia 20”. Nesse manuscrito, aparece o número “140.000” e, ao lado, a palavra “Pé”. Não há, no entanto, dados sobre o ano ou o mês. Em outro apontamento, cujo título é “Saída 2/14”, Bezerra teria escrito “p/ sair” e, embaixo, aparecem alguns valores e nomes, entre eles o número “140.000” ao lado da palavra “Pezão”.

Em uma outra anotação, “Saída 1/14”, aparece novamente o número “140.000” ao lado da palavra “Pé”. Essa mesma referência consta em outro bilhete, com o título “janeiro”, e em um outro no qual há, ao lado do mesmo valor, o apontamento “20/1”. Em uma das anotações apreendidas pela PF, está escrito um valor diferente, R$ 50 mil, ao lado do nome de Pezão.

Em alguns dos bilhetes aparecem os apelidos Big e Susi. Em documentos da Operação Calicute, o MPF afirma que Susi é uma referência à ex-mulher de Cabral, Susana Cabral, e Big seria Sérgio de Castro Oliveira, apontado como um dos operadores do ex-governador. Susana foi levada coercitivamente para depor na deflagração da Operação Eficiência, no último dia 26. Na mesma data, Sérgio de Castro Oliveira foi preso. Os dois foram indiciados pela PF esta semana: ele, por lavagem de dinheiro e organização criminosa; ela, por lavagem de dinheiro.

Além dos problemas financeiros do estado e dos que pode enfrentar na Justiça Federal, Pezão teve o mandato cassado pelo TRE-RJ, mas pode ficar no cargo até o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgar o caso. O governador negou que a decisão vá enfraquecê-lo nas negociações com a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Na Alerj, ele tenta aprovar um pacote de ajuste fiscal para equilibrar as contas do estado. No Supremo, o estado quer uma liminar para consegue driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e usar empréstimos para quitar salários e o 13º dos servidores. Ao STF, a Advocacia Geral da União (AGU) se manifestou contrária à liminar que beneficiaria o Rio.

‘TAXA DE OXIGÊNIO’ POR OBRAS
Discordando de Pezão, o cientista político e professor da UFRJ Paulo Baía afirmou que o governador ficou mais enfraquecido nas negociações com a Alerj, o governo federal e o STF.

— A decisão do TRE-RJ e essa questão da PF enfraquecem ainda mais um governador que já estava enfraquecido — disse o cientista político. — O Estado do Rio precisava ter um interlocutor forte junto ao governo federal, alguém com firmeza política para lidar com a Alerj, e, ao mesmo tempo, alguém com aura de probidade para lidar com o STF. Em todos os aspectos, ele, que já vinha numa situação de fragilidade, viu surgir um abismo político. Com certeza, tudo isso prejudica o processo de negociação na Alerj, com o governo federal e com o Supremo.

Apontado como autor das anotações em que constam o nome de Pezão, Luiz Carlos Bezerra está preso em Bangu 10 por não ter curso superior. Os outros presos na Operação Calicute cumprem prisão preventiva em Bangu 8. De acordo com as investigações, Bezerra foi identificado como a pessoa que fazia o manejo de valores e acertos para a organização criminosa. Ainda segundo agentes da PF, era Bezerra quem gerenciava as despesas de Sérgio Cabral e sua família.

Na Operação Calicute, também foram presos Cabral e os ex-secretários Hudson Braga, de Obras, e Wilson Carlos, de Governo. As investigações da força-tarefa da Lava-Jato no Rio apontam que houve um desvio de pelo menos R$ 224 milhões para o esquema de Cabral em apenas três obras: Maracanã, Arco Metropolitano e PAC das Favelas. Hudson Braga era homem de confiança de Pezão: ele o sucedeu na Secretaria estadual de Obras e coordenou a campanha do peemedebista em 2014, quando o governador foi reeleito. De acordo com as investigações, Braga cobrava 1% de “taxa de oxigênio”, uma referência à vantagem indevida.

Ex-executivos da Andrade Gutierrez, Clóvis Primo e Rogério Nora afirmaram, em delação premiada, que Cabral cobrava propina de 5% do valor das obras. O ex-governador é réu em duas ações, no Rio e em Curitiba. Nesta última, o peemedebista responde por desvios no Complexo Petroquímico do Rio (Comperj). Esta semana, Cabral foi indiciado pela PF no âmbito da Operação Eficiência, mais um desdobramento da Lava-Jato, que investigou a ocultação de propina no exterior. Se a denúncia for oferecida pelo MPF e aceita pela Justiça, o ex-governador se tornará réu pela terceira vez.

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